Disrupção tecnológica e experiência do consumidor desafiam setor automotivo

Pesquisa realizada pela consultoria internacional KPMG apura principais tendências para o setor automotivo
Disrupção tecnológica e experiência do consumidor desafiam setor automotivo

Por Claudio Milan

Anualmente a pesquisa Global Automotive Executive Survey (GAES), realizada pela consultoria internacional KPMG, tem se ocupado em apurar as principais tendências para o setor automotivo segundo os mais destacados executivos do trade em todo o mundo. Chegamos agora à 24ª edição do estudo, que, exatamente por esta longa trajetória, vem construindo um histórico muito consistente acerca das grandes preocupações destes líderes setoriais em mais de duas décadas. E, evidentemente, essas preocupações mudaram bastante ao longo do tempo.

Em 2013, dez edições atrás, o levantamento apontava quatro grandes fatores de mudança no setor automotivo: desafios do meio ambiente, urbanização crescente, comportamento do consumidor e globalização. Mais interessante ainda era a percepção de que o futuro se encaminhava para os automóveis híbridos e os 100% elétricos perderiam espaço no desenvolvimento. Pois é… Mas deixemos o passado para trás. O importante é saber o que a edição apresentada agora – que ouviu em outubro do ano passado 1.041 executivos atuantes em 33 países e territórios, incluindo o Brasil, com 33 participantes – apontou de tendências para o setor automotivo – ou, como preferem alguns, setor da mobilidade. A própria KPMG resume: segurança cibernética e sustentabilidade, crescimento dos veículos elétricos, novas tecnologias e foco no cliente. Eis o futuro.

ELETRIFICAÇÃO

O primeiro ponto de que o estudo trata, não por acaso, é a eletrificação da frota global. Aliás, nesta edição o título da pesquisa é ‘Getting real about the EV transition’, ou, ‘Encarando a realidade sobre a transição para veículos elétricos’. Tem também um subtítulo: ‘Ainda é uma jornada emocionante – e gratificante –, mas pode demorar mais e o percurso não será tranquilo’. Por aí já vemos o tanto que as expectativas dos executivos mudaram em relação a 2013. “A nossa 24ª Pesquisa Executiva Automotiva Global da KPMG chega num momento crucial para os fabricantes de automóveis.

As oportunidades de negócio nunca pareceram tão grandes, impulsionadas pelos avanços nos trens de força elétricos, na tecnologia de direção autônoma e na promessa de uma experiência do cliente mais mágica no veículo. Na fábrica, nos showrooms e nos sites de comércio eletrônico, a inteligência artificial e outras tecnologias estão mudando a forma como os carros são fabricados, vendidos e atendidos”, escreve Gary Silberg, Global Head of Automotive KPMG International, na introdução ao relatório final do estudo. Na visão dos executivos do setor, a perspectiva de avanço dos elétricos é crescente, mesmo com os recentes questionamentos decorrentes dos diferentes problemas envolvendo EVs mundo afora. Porém, há variações regionais significativas, influenciadas por fatores como infraestrutura e política governamental.

Na Europa Ocidental, na pesquisa do ano passado, a estimativa dos entrevistados era que os veículos elétricos a bateria representariam 24% das vendas em 2030; agora, a estimativa consensual foi de 30%. Nos Estados Unidos, passou de 29% para 33% e, na China, saltou de 24% para 36%. E, segundo os executivos, em 2030 a Tesla será a protagonista deste mercado.

 CONSUMIDORES

O estudo aponta que a experiência do cliente, cada vez mais digital, emergiu como diferencial chave no setor automotivo. As prioridades estão mudando na hora de comprar o carro. É verdade que, na avaliação dos executivos, o desempenho ao dirigir continua sendo o atributo mais importante (citado como muito ou extremamente importante por 80% dos entrevistados globais). Mas uma experiência do cliente sem problemas e sem complicações subiu para o segundo lugar. Os gestores de concessionárias apontaram que, globalmente, os consumidores estão buscando experiência digital simples, começando pela pesquisa e avaliação até a compra e a posse do carro. A crescente digitalização das experiências – desde a pesquisa até o próprio ato de dirigir – traz um novo desafio para as montadoras: foco renovado na engenharia de software e na segurança cibernética. Além disso, a rápida evolução da inteligência artificial e de outras tecnologias exige investimentos em treinamento de pessoal e parcerias estratégicas para impulsionar a inovação. Tudo isso redunda em uma profusão de dados gerados a partir do automóvel. A quem confiá-los? Veja as respostas no gráfico a seguir. “Os consumidores estão cada vez mais experientes e exigentes em relação à tecnologia nos carros. Os fabricantes devem manter-se à frente de seus concorrentes ao oferecer os equipamentos mais recentes em veículos autônomos, recursos avançados de conectividade e tecnologias de segurança aprimoradas”, comentou Vinodkumar Ramachandran, sócio líder de consultoria empresarial da KPMG Índia.

PROTEÇÃO AOS DADOS GERADOS PELOS VEÍCULOS

Os consumidores tendem a confiar mais em empresas de tecnologia especializadas em segurança cibernética para proteger os dados gerados pelo veículo. Isso se deve à percepção de que essas empresas possuem mais experiência e expertise específica nesse campo, o que pode oferecer maior segurança e confiança em relação à proteção dos dados do veículo.

SUPRIMENTOS

Os problemas no fornecimento para montadoras e aftermarket se agravaram com a epidemia da covid-19, mas de lá pra cá as preocupações não cessaram. Disrupções nas cadeias de suprimentos se destacam na pesquisa como um dos principais desafios do setor automotivo globalmente. Os resultados do estudo mostram que várias empresas estão adotando uma abordagem cautelosa na gestão dessas redes, com foco na priorização da resiliência sobre a tomada de decisões imediatas. Essa preocupação só não ocorre entre os respondentes chineses, o que, segundo a avaliação da KPMG, é compreensível, visto que hoje a China é a maior fornecedora de diversas commodities essenciais, especialmente aquelas relacionadas a veículos elétricos. Entre os entrevistados fora da China, 45% estavam muito ou extremamente preocupados com o acesso ao lítio, cobalto e outros componentes de bateria. Na pesquisa, 78% dos executivos de montadoras se mostraram muito ou extremamente preocupados com o suprimento de lítio (63% em 2023). Em relação aos semicondutores – componentes que nos últimos três anos paralisaram linhas de montagem em todo o mundo –, 14% mostraram-se extremamente preocupados e 31% muito preocupados. A aquisição direta de matérias-primas foi apontada como a principal estratégia para minimizar problemas com fornecimento. Apesar das diferentes ações de contingenciamento adotadas, permanece uma forte inquietação entre os executivos quanto à continuidade do fornecimento de commodities e componentes nos próximos cinco anos – especialmente, como já visto, lítio e cobalto. Assim, 90% consideraram de importância moderada a extrema a necessidade de passar a produzir alguns dos componentes brutos

TECNOLOGIA

A evolução tecnológica no setor automotivo tem sido cada vez mais rápida e agressiva. E, ao que tudo indica, até as montadoras estão preocupadas com esta evolução. Na pesquisa, os executivos das OEMs mostraram menos confiança em sua capacidade de acompanhar as inovações tecnológicas, como inteligência artificial e robótica avançada, em comparação com a edição anterior do estudo. A rápida evolução da IA, especialmente a IA generativa (Gen AI), está exigindo mais treinamento de funcionários para aproveitar seu potencial em diversas áreas. A competição por talentos em IA está acirrada – e as empresas que dominam essa tecnologia têm grandes vantagens competitivas. No que diz respeito à tecnologia de powertrain, as montadoras estão diversificando suas opções, com um aumento no investimento em tecnologias híbridas. Foram 12% os executivos que se sentem extremamente bem preparados para as inovações contra 22% na edição anterior. E, como você provavelmente leu (assim espero!) em reportagem publicada neste Novo Varejo sobre o carro elétrico da Xiaomi, a entrada de gigantes da tecnologia no mercado automotivo preocupa as montadoras. Segundo a pesquisa, a Apple é o potencial concorrente número um, mas a lista é longa, incluindo Google, Samsung, Baidu e outros.

Otimismo, pero no mucho!

Cautela e prudência, sem perder a ternura. É mais ou menos assim que se sentem os executivos do setor automotivo global quanto ao futuro no curto prazo. Os especialistas da KPMG interpretam que os resultados da 24ª pesquisa global mostram que o otimismo permanece entre líderes dos diferentes segmentos abordados, mas com variações. Respondentes do Brasil e da América do Sul como um todo demonstram forte confiança em seu futuro, já os norte-americanos revelam uma tendência de confiança decrescente, provavelmente em razão de uma insegurança no que se refere a preços e margens.

No geral, os executivos demonstram sólida prudência palpável ao enfrentar os desafios geopolíticos e econômicos. Entre os fornecedores entrevistados, a confiança extrema caiu de 56% na pesquisa anterior para apenas 23% agora. Porém, entre os sul-americanos, 36% estão extremamente confiantes e 45% es – tão razoavelmente confiantes. No que se refere aos brasileiros, esses percentuais são, respectivamente, de 42% e de 45%.

Os líderes do setor também estão menos confiantes na possibilidade de crescimento dos lucros pelos próximos cinco anos, ainda que os índices não possam ser interpretados como uma visão pessimista. No Brasil, 42% dos executivos estão extremamente confiantes e 45% razoavelmente confiantes no futuro do setor. Entre os respondentes sul-americanos, 36% estão extremamente confiantes e 45% estão razoavelmente confiantes. Mas nos Estados Unidos, que tem o maior mercado automobilístico do mundo, a confiança decresceu de 48% para 43%.

Confiança extrema em alta só mesmo na China: de 28% para 36%. Também existem preocupações relacionadas aos preços: hoje, mais de dois terços dos fabricantes de equipamentos originais preveem aumento de 5% a 10%. No Brasil, esse índice chega a incríveis 73%. O lado bom é que, segundo a interpretação da KPMG, as res – postas obtidas indicam que as oportunidades de negócios nunca foram maiores, impulsionadas pelos avanços na eletrificação da frota, no desenvolvimento da tecnologia de direção autônoma e nas infinitas possibilidades que soluções disruptivas, como a inteligência artificial. É sempre oportuno encerrar com um final feliz.

Fonte: Mais Automotive

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