Especialistas destacam impacto ambiental do envelhecimento da frota

Relatório do Sindipeças e Abipeças mostra que a idade média dos automóveis leves brasileiros é de 10 anos e 5 meses – número que a posiciona como a mais velha em 26 anos (Por Lucas Torres jornalismo@novomeio.com.br)
Especialistas destacam impacto ambiental do envelhecimento da frota

Num período em que a pauta da sustentabilidade tem guiado as ações de inovação do mercado automotivo, dados da configuração da frota de veículos circulantes no Brasil colocam em evidência a incongruência entre as mobilizações industriais e o cenário real vivido no país. Isto porque, de acordo com o estudo anual realizado pelo Sindicato Nacional da Indústria de Componentes para Veículos Automotores (Sindipeças), os brasileiros têm tido cada vez mais dificuldade de manter uma atualização periódica de seus veículos.

A edição 2022 do Relatório da Frota Circulante, do Sindipeças e Abipeças, que acaba de ser divulgada – e é destaque deste Novo Varejo – mostra que a idade média dos automóveis leves brasileiros é de 10 anos e 5 meses – número que a posiciona como a mais velha em 26 anos.

Para vislumbrar com mais nitidez este progressivo envelhecimento, basta comparar o percentual de veículos com até cinco anos de uso existente em 2012 em relação ao atual. Há 10 anos, 43,1% dos carros que circulavam em nosso território tinham até meia década de vida. Hoje, este percentual é de apenas 23,5%.

O cenário não apenas aponta com clareza a dificuldade que o país terá para popularizar modelos de configuração mais sustentável ao longo dos próximos anos, mas também indica um agravante para as urgências de proteção ambiental. Afinal, segundo advertem especialistas como o coordenador de projetos do Instituto de Energia e Meio Ambiente (IEMA), David Tsai, e o Gerente do Departamento de Apoio Operacional da Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (CETESB), Carlos Lacava, quanto mais velho um automóvel, maior é a emissão de poluentes. Em uma rodada de reflexões conduzida para o Novo Varejo, Tsai e Lacava aprofundaram pontos importantes sobre essa relação envelhecimento da frota e danos ambientais, bem como refletiram sobre as inovações e diretrizes nacionais e internacionais para a temática de mobilidade urbana.

Novo Varejo – De acordo com levantamento do Sindipeças, a idade média da frota brasileira ultrapassou os 10 anos de idade em 2021. Qual é a relação entre o envelhecimento dos carros e a emissão de gases poluentes por parte destes automóveis?

David Tsai – Em primeiro lugar, veículos mais antigos emitem mais poluentes devido ao gradativo aperto nos limites de emissão para veículos novos ao longo dos anos exigido pelo Programa Nacional de Controle de Emissões Veiculares, o Proconve. Ou seja, os fabricantes de veículos são exigidos a colocar no mercado gerações de veículos cada vez menos poluentes de período em período, isso acontece desde a virada dos anos 80 para os anos 90. Em segundo lugar, as emissões poluentes de qualquer veículo aumentam com a sua idade, o que é chamado de deterioração de emissões, mesmo considerando a manutenção adequada do veículo. Isso acontece em razão do desgaste dos elementos ativos dos catalisadores.

Carlos Lacava – Os veículos possuem fatores de emissão de poluentes que variam conforme a época de sua fabricação. Notadamente isso se dá pela evolução das fases do Proconve (Programa de Controle da Poluição do Ar pelos Veículos Automotores), ou seja, veículos mais novos têm limites de emissão de poluentes mais restritivos. Evidentemente, esse ganho em termos de emissão total se dá pelo sucateamento dos veículos mais poluentes, que deixam de circular ou que circulam menos. É importante ressaltar que o Proconve (e o Promot para motocicletas) regulam somente a emissão de poluentes tóxicos, como monóxido de carbono, material particulado, óxidos de nitrogênio e hidrocarbonetos. Não há regulamentação para o controle de emissões de gases de efeito estufa (GEE), como o CO2. Os poluentes tóxicos têm efeito mais significativo sobre a saúde em ambientes urbanos onde há grande emissão, enquanto os GEE possuem efeito sobre o clima em escala global.

Carlos Lacava lembra que não há regulamentação para o controle de emissões de gases de efeito estufa

NV – Estamos num momento em que a indústria automotiva mundial discute novas tecnologias para diminuir o impacto ambiental dos automóveis. Na sua visão, alguma delas, com destaque para a eletrificação, representam real alternativa para um transporte individual mais sustentável?

DT – Apenas novas tecnologias para automóveis não resolverão os problemas de mobilidade urbana das cidades. O transporte individual motorizado é o menos sustentável entre os modos de transporte. A Política Nacional de Mobilidade Urbana acerta ao estabelecer a priorização dos modos ativos (caminhada e bicicleta) e os modos coletivos (ônibus, metrô e trem) sobre os modos individuais motorizados (automóveis e motocicletas). Mas também é preciso tornar o transporte individual motorizado mais sustentável. A eletrificação se destaca por não apresentar emissões da combustão, algo bastante interessante nos espaços urbanos densamente habitados.

CL – A indústria automotiva recebe forte pressão mundial para reduzir suas emissões tanto de poluentes tóxicos quanto de gases de efeito estufa. Neste sentido, a tradicional tecnologia baseada em motores a combustão interna está sendo aos poucos substituída, sendo que muitos países já preveem metas para banimento da comercialização de veículos que utilizem combustíveis de origem fóssil, lembrando que globalmente os veículos a combustão utilizam majoritariamente combustíveis fósseis, principalmente diesel e gasolina. Essa tendência se aplica tanto aos veículos leves, de uso individual, como veículos de transporte coletivo e de carga. Os motores elétricos se consolidaram como a principal alternativa de substituição dos motores a combustão por não emitirem poluentes tóxicos nem gases de efeito estufa, além de possuírem uma eficiência energética até maior que os motores a combustão. Os veículos puramente elétricos são considerados veículos de emissão zero. Por certo, para que esses veículos possuam emissão zero de GEE em todo o ciclo, é importante que a energia elétrica que irá abastecer esses veículos tenha origem em combustível não fóssil, tais como hidrelétrica, solar, eólica etc. Também no caso da micromobilidade, há uma forte tendência do avanço dos veículos elétricos no mundo, incluindo bicicletas e motocicletas elétricas. No Brasil, embora a introdução desses veículos ainda seja pequena, deve haver um forte crescimento nos próximos anos.

NV – Como você vê o paradoxo entre a busca por novas tecnologias automotivas mais sustentáveis e a dificuldade de manter a frota nacional ‘atualizada’? É preciso que haja políticas públicas de incentivo para a renovação da frota? De que maneira prática isso poderia ser feito?

DT – A incongruência que mais me preocupa é a crescente elitização do automóvel e o sucateamento do transporte público coletivo. Ao mesmo tempo em que o transporte público enfrenta uma crise de financiamento da sua operação, o que temos visto é o desaparecimento da figura do carro popular, com a queda do poder de compra da maioria da população, restringindo a compra de automóveis de nichos mais elevados à pequena parcela mais rica apenas. Isso afeta negativamente a indústria brasileira, que produz menos e importa mais, fechando fábricas, gerando desempregos e desperdiçando habilidades e conhecimentos acumulados ao longo de décadas. É preciso que haja políticas públicas para transformar a indústria brasileira aos moldes de uma mobilidade sustentável, focando no atendimento a uma demanda pela expansão do transporte público e pelo resgaste de um transporte individual acessível, ambos com tecnologias de baixo impacto ambiental. Para que isso faça sentido, é preciso que haja simultaneamente políticas públicas que efetivem a transformação das cidades conforme os princípios da Política Nacional de Mobilidade Urbana.

Davi Tsai destaca o desaparecimento do carro p

CL – Não existe uma incongruência de fato, pois sempre houve ganhos ambientais com a renovação da frota circulante e sempre houve avanços tecnológicos com a introdução de veículos menos poluentes. É evidente que a transição dos veículos para energias mais limpas é um processo mais complexo, pois requer investimentos em matriz energética, infraestrutura de abastecimento, substituição de tecnologias de propulsão, etc. Porém, esse processo não vai se dar de forma imediata e há soluções intermediárias e/ou que serão adotadas em situação de transição, a depender das características do país e de mercado. Acho importante que haja incentivos para a redução da emissão de poluentes e a descarbonização da frota de veículos. Esses incentivos podem ser direcionados à renovação de frota, trazendo inclusive ganhos em termos de segurança, mas do ponto de vista ambiental é importante haver incentivos também para viabilizar a introdução mais rápida de veículos menos poluentes e assim trazer resultados mais efetivos com a renovação de frota.

NV – Alteração da configuração dos motores dos veículos ou mudança de paradigma, saindo do transporte individual para modelos mais compartilhados de mobilidade? Qual dos dois cenários você vê como mais promissor em termos de sustentabilidade ambiental?

DT – Não são opções mutuamente excludentes. Para enfrentar a emergência climática no mundo, ambas são necessárias. Se apenas a alteração tecnológica acontecer, será um cenário de transição energética que não endereçará as injustiças hoje presentes no usufruto das cidades. É necessário que ambos os caminhos sejam percorridos, num cenário de transição energética justa.

CL – É difícil dizer ao certo como se dará a mobilidade no futuro, mas certamente caminha para a sustentabilidade ambiental. Entendo que os dois cenários são complementares e não concorrentes. A alteração dos motores é um fenômeno que deve ocorrer e a velocidade vai depender, sobretudo, do avanço da viabilidade técnica e econômica. A mudança de paradigma acredito que também vem ocorrendo, mas é de mais difícil mensuração, pois mesmo aparecendo alternativas tecnológicas ainda há influência grande de aspectos culturais e comportamentais.

NV – Alguns especialistas com os quais conversamos destacam o uso do etanol e suas variações como soluções tão ou mais sustentáveis do que a eletrificação da frota, mas que têm sido negligenciadas pela indústria automotiva internacional. Gostaria de saber sua visão sobre o tema: deveríamos estar olhando mais para o etanol como uma alternativa ambientalmente viável?

DT – A produção de etanol no mundo é bastante inferior à demanda total de combustíveis do ciclo Otto, além de ser localizada principalmente somente nos EUA e no Brasil. Assim, é difícil imaginar um cenário em que a indústria automotiva internacional aposte amplamente as suas fichas nesse combustível. Esse cenário poderia ser alterado talvez pela produção em escala comercial de etanol de segunda e terceira geração, ampliando as possibilidades de biomassa como matéria-prima. No entanto, a eletrificação vem caminhando a passos mais rápidos. No Brasil, temos a vantagem da produção local de etanol e da tecnologia flex já dominada, o que poderia contribuir com uma descarbonização mais rápida do que aquela baseada apenas na eletrificação.

CL – O Brasil possui uma condição privilegiada para uso de biocombustíveis como o etanol e isso deve influenciar bastante na evolução dos motores por aqui, sobretudo porque dispomos de tecnologia que já permite o uso nos veículos leves na maior parte da frota. Para o controle de gases de efeito estufa, os biocombustíveis são bastante efetivos, pois substituem em condição similar os combustíveis fósseis. Embora os veículos queimando biocombustíveis emitam CO2 pelo escapamento, ele é compensado pelo sequestro no cultivo dos vegetais. No entanto, o veículo utilizando etanol ou biodiesel em motores a combustão emite poluentes tóxicos em condições quase similares aos veículos a gasolina ou diesel. Desta forma, ainda que seja uma ótima solução para o controle dos GEE, não resolve o problema da contaminação nos grandes centros urbanos.

NV – Existem pesquisas e até protótipos envolvendo o hidrogênio e a luz solar como forças motrizes automotivas. Você vê essas soluções como alternativas viáveis no médio prazo ou ainda estamos distantes de torná-las economicamente viáveis o suficiente para torná-las populares nas ruas, sobretudo as brasileiras?

DT – Diversos estudos no mundo têm apontado o hidrogênio como uma solução para o transporte de cargas de longas distâncias, inclusive com uma viabilidade que precede a eletrificação nessa categoria. Mas não tenho visto movimentações da indústria brasileira relacionadas à tecnologia. CL – As tecnologias têm avançado bastante rápido, então é possível que se tornem competitivas daqui alguns anos. No caso da energia solar, não há dúvida que terá um papel cada vez maior, se não diretamente coletada nos automóveis, mas certamente na geração de energia elétrica que deverá ser produzida para o setor de transportes.

Fonte: Novo Varejo

Programa EMPRESA AMIGO DO VAREJO