Oplano da União Europeia de reduzir a zero as emissões veiculares de CO2 a partir de 2035 – o que levaria ao banimento total de motores a combustão interna – vem provocando reações contrárias de alguns países da região, que esperam definir uma posição comum sobre o tema no início de julho para votação da legislação final no Parlamento Europeu. Ainda que a proposta não seja aceita, a questão impõe consequências para a indústria automotiva no Brasil e seu mercado.
Se é que ainda existe o desejo de manter o mercado brasileiro minimamente relevante no cenário internacional, o atual horizonte tecnológico desperta – ou deveria despertar – maior urgência na construção de política industrial adequada para o País, porque pode isolar e atrasar o desenvolvimento tecnológico do setor, ainda muito dependente de matrizes na Europa e nos Estados Unidos que estão parando de desenvolver tecnologias ainda usadas aqui por muitas décadas à frente.
Já está pacificado que o Brasil não tem condições e não vai acompanhar o ritmo de eletrificação dos veículos adotados nos maiores mercados do mundo, simplesmente porque mais de 90% da população – chutando baixo – não têm dinheiro para comprar qualquer carro zero-quilômetro vendido hoje aqui, muito menos poderá pagar por um modelo elétrico que, mesmo sem recolher um centavo de imposto de importação, chega ao País custando de três a cinco vezes mais que um já muito caro equivalente a combustão.
Caro demais
Recente levantamento do consultor Orlando Merluzzi, da MA8, constatou que o preço médio de carros elétricos vendidos no Brasil é de estonteantes R$ 376 mil. Os mais baratos deles como o minicarro Caoa Chery iCar e o compacto Renault Kwid E-Tech partem da casa dos R$ 140 mil.
Em um mercado que concentra 70% das vendas de zero-quilômetro em preços de até R$ 122 mil, não à toa os modelos elétricos ocupam o insignificante nicho de 0,45% dos emplacamentos de veículos leves de janeiro a maio, com 2,3 mil unidades vendidas. Os híbridos, também com preço médio no andar de topo do mercado, no mesmo período representaram 2,7% das vendas, com 14 mil veículos emplacados.
Até em países da Europa com poder aquisitivo bem maior que a média do brasileiro, mesmo com pesados incentivos de alguns governos à compra de elétricos que giram de € 4 mil a € 6 mil, os modelos a bateria e híbridos são para poucos – e assim não conseguem cumprir sua função ambiental de reduzir emissões nem a social de garantir mobilidade a todos.
Portanto, tanto lá como muito mais é aqui, elétricos e híbridos estão elitizando os carros e reduzindo o mercado. E ao contrário do que vinha sendo projetado – por muitos consultores apressados em suas análises – os preços dos veículos eletrificados não vão cair tão cedo, pois não param de subir as cotações de minérios como lítio e cobalto essenciais para produzir baterias, a parte mais cara de qualquer modelo elétrico.
Nesse cenário, para além de soluções tecnológicas ambientalmente amigáveis, a indústria precisa resolver uma equação difícil: encontrar caminhos de sobrevivência para trabalhar com volumes menores de produção e ao mesmo tempo desenvolver fórmulas de baratear o custo da eletromobilidade.
E o Brasil como fica?
Em comparação com os maiores mercados do mundo, a matriz energética brasileira é bem melhor posicionada com relação às emissões de CO2. Segundo dados de 2018, o setor de transportes no Brasil participa com 13% das emissões do gás de efeito estufa e a geração de energia com 17% – isso porque algo em torno de 70% da eletricidade produzida vêm de fontes renováveis como hidrelétricas.
Os maiores emissores no País são a agropecuária, 35% do total, e o desmatamento por queimadas, 27%. Basta levar em conta que oito das dez cidades brasileiras que mais emitem CO2 estão na Amazônia, onde atualmente mais se queima para desmatar, segundo dados revelados recentemente pelo Observatório do Clima, composto por mais de setenta organizações da sociedade civil.
Na China os transportes geram 7% da emissões de CO2 e a geração energética 76%, enquanto nos Estados Unidos esta relação é de 29% e 58%, na União Europeia de 23% e 59%, e no Japão de 17% e 75%. Os porcentuais sugerem, portanto, que de nada vai adiantar a adoção de carros elétricos se a fonte de energia continua sendo suja, por usinas termelétricas a carvão ou diesel.
Ou seja, o Brasil está em uma exótica posição em que os carros elétricos teriam efeito muito mais positivo para reduzir emissões do que nos países que estão adotando esta solução em massa, mas não precisa deles, pois têm o etanol, um biocombustível neutro que tem 90% do CO2 emitido reabsorvido pela própria planta da qual é extraído, nas plantações de cana-de-açúcar.
Contudo, essa posição não isenta o Brasil de escolher seu caminho no cenário global do qual é muito dependente de tecnologia externa. Se as matrizes vão parar de desenvolver e produzir motores a combustão, poucas empresas aqui teriam condições e escala para continuar investindo e produzindo apenas para o mercado local, reduzindo ainda mais as chances de exportar.
É preciso adotar uma política para que o País utilize suas vantagens ambientais competitivas sem perder o bonde da evolução global, sem se transformar – mais uma vez – em uma ilha de atraso tecnológico. Essa evolução precisa ser seriamente discutida e estrategicamente planejada por governo e empresas do setor, para além de bajulações e discursos vazios.
* Pedro Kutney é jornalista especializado em economia, finanças e indústria automotiva. É autor da coluna Observatório Automotivo, especializada na cobertura do setor automotivo. Ao longo de mais de 35 anos de profissão, foi editor do portal Automotive Business, editor da revista
Fonte: AutoIndústria- Foto: Divulgação