Recentemente a Justiça do Trabalho – 6ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região, do Rio Grande do Sul, confirmou a condenação de um trabalhador que, num grupo de WhatsApp, falou mal da empresa, desqualificando a instituição de ensino na qual trabalhava.
Decidiu o Juiz da Vara do Trabalho de Porto Alegre, que julgou inicialmente a causa, que tal fato violou o elemento fundamental para a manutenção do contrato de trabalho: a confiança. Quebrada a confiança, decorrente de prática de ato de natureza gravíssima pelo empregado, não haveria como se manter a vigência do contrato de trabalho. Neste caso, e por este motivo, coube a demissão por justa causa deste trabalhador. Foi o que decidiu a Justiça.
Já o trabalhador demitido, em sua defesa, confirma que fez as declarações denegrindo a imagem da instituição de ensino a qual pertencia, mas argumenta que as mesmas foram feitas em um grupo privado e posteriormente vazadas para as redes sociais, fato este que não justificaria sua demissão.
O juiz de primeiro grau, da vara do trabalho, entendeu que foi praticada pelo trabalhador falta grave, “sendo motivo para ruptura do contrato em razão da quebra da confiança e ruptura do ânimo de continuidade da relação empregatícia”, de acordo com o que afirma em sua decisão.
Baseou seu argumento na alínea “k” do artigo 482 da CLT, que assim dispõe:
Art. 482 – Constituem justa causa para rescisão do contrato de trabalho pelo empregador:
k) ato lesivo da honra ou da boa fama ou ofensas físicas praticadas contra o empregador e superiores hierárquicos, salvo em caso de legítima defesa, própria ou de outrem.
Já desembargadora relatora do caso, do Tribunal Regional do Trabalho, ratificou a condenação de primeira instância justificando que “ainda que se admita o direito de liberdade de expressão de qualquer pessoa, seja no mundo real ou pela internet, a desqualificação do trabalho prestado pela empresa viola a boa-fé objetiva que se espera de ambas as partes no desenrolar de um contrato de trato sucessivo”.
Portanto, a decisão da Justiça do Trabalho, tanto de primeiro grau quanto do Tribunal Regional do Trabalho, indica que a Constituição Federal garante o livre arbítrio e a livre manifestação da vontade, inclusive na vigência da relação de emprego. No entanto, não pode – direito de expressão, ultrapassar os limites do razoável, muito menos prejudicar a imagem da empresa perante terceiros, o que foi o caso.
A questão em apreço merece uma reflexão mais apurada, uma vez que gera efeitos em várias direções, no âmbito das relações do trabalho.
A primeira destas se refere ao uso dos meios telemáticos tanto pelos empregados quanto empregadores e seu impacto nas relações do trabalho.
É inquestionável que o mundo do trabalho está em profunda mudança. As tecnologias estão provocando uma verdadeira revolução silenciosa, causando mudanças irreversíveis nas questões trabalhistas. Nunca o direito do trabalho foi tão “sacudido” por tão profundas e rápidas mudanças. Vivemos, na verdade, um novo mundo do trabalho, onde tudo é volátil, instantâneo e, principalmente, virtual.
Basta se verificar, para citar um exemplo, as questões relacionadas com o metaverso e seus impactos nas relações de trabalho. Os avatares vão se constituindo em novos sujeitos de direitos trabalhistas, como se fossem humanos trabalhando a distância.
O direito do trabalho está, a cada instante, se transformando no direito virtual do trabalho. Ou mesmo o exemplo da Inteligência Artificial, quando, por exemplo, direcionada para o processo de seleção de candidatos a uma vaga de emprego. Ou mesmo a I.A. para elaboração de pareceres trabalhistas que antes eram feitos por cérebros de reais humanos.
E os efeitos das tecnologias sobre as relações de trabalho não se restringem somente a empregados e empregadores. O próprio poder judiciário trabalhista está se tornando o mais virtual dos judiciários, quando, por exemplo, se vale do uso intensivo da tecnologia para a comunicação os prazos processuais, realização de audiências virtuais, consideração de provas virtuais no processo do trabalho, dentre outros reflexos.
As novas tecnologias estão provocando uma verdadeira revolução silenciosa no mundo do trabalho, mas totalmente perceptiva a todos os que nele estão inseridos.
Tanto no direito coletivo quanto no individual, as tecnologias revolucionaram o modo com que ambos se apresentam para o novo mundo do trabalho que vai se erguendo à frente de nossos olhos.
Hoje, por exemplo, já é possível se fazer uma greve virtual, onde a principal liderança política é o WhatsApp; ou ainda realizar uma assembleia virtual, que justamente por ser virtual traz mais quórum, conferindo maior legitimidade à mesma; ou ainda reuniões virtuais de dirigentes sindicais para a preparação e realização de negociações coletivas, estas também virtuais. Tudo graças às tecnologias.
A pandemia foi certamente um elemento que potencializou a importância das tecnologias, quando sustentou o trabalho virtual em tempos de duro isolamento social, consolidando definitivamente o teletrabalho.
Os meios tecnológicos trouxeram para a realidade o que antes era inimaginável, como, por exemplo, a possibilidade da demissão virtual, ou da advertência virtual do empregado, ou ainda o assédio moral virtual, o dano moral coletivo virtual, a justa causa virtual. A realidade hoje para o mundo do trabalho já não é mais real, mas virtual, sendo aqui redundante.
No campo da saúde e segurança do trabalho o impacto das tecnologias não foi menos assombroso. Há o controle das condições do meio ambiente virtual do trabalho, para a fiscalização das condições ergonômicas, por exemplo, do teletrabalho. Consolida-se, neste sentido, a Macroergonomia, que é a verificação do ambiente físico e psíquico do teletrabalho, através do seu controle virtual, por meios telemáticos.
Há ainda o acidente virtual do trabalho, aquele que ocorre no âmbito do domicílio do trabalhador, onde o empregador deve, para evitá-lo – acidente, deve fazer a “fiscalização virtual do trabalho”, esta uma nova forma de se verificar o cumprimento das normas de saúde e segurança a distância, coisa inimaginável antes da pandemia, somente possível graças às tecnologias.
Não menos importante se consolida a subordinação virtual do trabalho, esta tão falada atualmente, onde o magistrado verifica se estão presentes ou não, para o trabalho virtual, os elementos do artigo 3º da CLT, habitualidade, pessoalidade, dependência econômica e subordinação, tudo virtual, graças às tecnologias. Estes antes relacionados somente com o trabalho presencial.
Há ainda o fenômeno do deslocamento geográfico do trabalho, proporcional pelos nómades digitais, do trabalho intercontinental, realizado 100% a distância, graças as tecnologias, inclusive para de geolocalização, controle e fiscalização do trabalho.
Como se pode notar, o impacto das tecnologias sobre as relações do trabalho é colossal, irreversível e deve ser, por tudo o exposto, compreendido, tanto por empregados quanto empregadores, sob pena de as mesmas se voltarem contra ambos. O caso acima referido demonstra a desatenção do trabalhador que, decorrente do uso inadequado das tecnologias, sofreu a pena máxima do direito do trabalho que é a demissão por justa causa.
Por esta razão, há que se atentar para este fenômeno, de ordem planetária. E o direito do trabalho precisa acompanhar estas mudanças. Hoje o princípio do contrato realidade, pedra fundante do direito do trabalho, migra para o princípio do contrato da realidade virtual do trabalho.
O uso indiscriminado das tecnologias sem as devidas cautelas, tanto por empregados quanto empregadores, pode lhes trazer sérias consequências, como, por exemplo o caso em comento. O lema que se deve seguir, portanto, é: TODO CUIDADO É POUCO. Mais do que nunca.
Hoje o tráfego intenso de informações, através dos meios telemáticos, deve receber absoluta atenção, tanto de empresas quanto de trabalhadores.
O dano moral virtual está institucionalizado. Empregados e empregadores devem se atentar a este fato.
Dependendo do que o empregado diz, como, por exemplo através dos meios telemáticos, este conteúdo pode ser favorável ao empregador, como o exemplo acima, onde a imagem da empresa foi denegrida pelo trabalhador incauto, o que ensejou a justa causa virtual. Ou, em sentido contrário, ser extremamente danoso à empresa quando seu representante, por exemplo, atinge a honra de empregado que é denegrido, humilhado virtualmente. Cabe aqui a indenização por dano moral virtual ao empregado ofendido.
As tecnologias, dependendo de como são usadas, tanto por empregados quanto por empregadores, podem ser poderosos instrumentos para estabelecer condutas de respeito no mundo virtual, ou se voltarem contra os mesmos, para aqueles que as utilizam com desatenção, ignorando o poder colossal que as tecnologias têm para edificar ou fulminar com a reputação de pessoas físicas ou jurídicas. Inclusive com a perda de emprego, no caso em apreço.
A título de exemplo, cita-se recente decisão da Justiça do Trabalho que condenou à litigância de má fé reclamante e testemunhas que, após prestarem depoimentos na audiência- que foi virtual, apareceram dançando no aplicativo TikTok, dizendo que estavam lá para processar a “empresa tóxica”. A proprietária da empresa, assistindo o vídeo, juntou o mesmo no processo afirmando que a empregada reclamante e testemunhas eram amigas íntimas, pedindo a condenação de todas.
Este fato levou a Justiça do Trabalho anular os depoimentos das testemunhas aplicando multa por litigância de má-fé à autora da ação e às duas testemunhas. Com isso, os depoimentos das mesmas foram anulados.
A anulação dos depoimentos das testemunhas está prevista no artigo 829 da CLT, que dispõe que “a testemunha que for parente até o terceiro grau civil, amigo íntimo ou inimigo de qualquer das partes, não prestará compromisso, e seu depoimento valerá como simples informação do processo, podendo ser anulado”.
Mais uma vez, foi a tecnologia, através de uma plataforma virtual, o elemento chave para anular uma prova na Justiça do Trabalho. Decisão esta contrária aos interesses da trabalhadora autora da ação.
Não raros documentos virtuais, oriundos do facebook , por exemplo, são usados na Justiça do Trabalho para configurar a amizade íntima, que pode fulminar com depoimentos antes não identificados, só possível por conta das novas tecnologias.
Como se pode notar, as tecnologias estão reinando absolutas no âmbito das relações do trabalho, tanto para inocentar quanto para condenar empregados ou empregadores. Como já dito anteriormente: TODO O CUIDADO É POUCO.
Não há como negar, portanto, o impacto das tecnologias no âmbito das relações do trabalho. Os precedentes acima mencionados justificam a necessidade de forte empenho das empresas e empregados quanto ao uso das mesmas, sob pena de serem responsabilizados, a título indenizatório, pela não compreensão da sua influência sobre as questões trabalhistas. O uso inadvertido das tecnologias pode condenar ou absolver o empregador ou o trabalhador na audiência trabalhista, como foi o caso da relatada demissão por justa causa.
Por fim, não há como desconsiderar a louvar a postura do judiciário trabalhista que está demonstrando maturidade e muita sensatez ao analisar provas relacionadas às tecnologias que lhes chegam para apreciação. A Justiça do Trabalho tem desenvolvido papel fundamental, como um dos poderes da república mais bem equipados com as novas tecnologias, justamente para bem julgar e fazer justiça.
Neste contexto, também para se fazer justiça, não há como desconsiderar e não mencionar a influência da Lei 13.467/17 que está, ao final, provocando um “novo pensamento jurisprudencial”, impondo às partes o que se denomina de “uma nova responsabilidade processual”. A referida lei determina que os pedidos no pedido inicial sejam certos e identificáveis, trazendo racionalidade para o processo do trabalho. Estas evoluções legislativas, trazidas pela Lei da Reforma Trabalhista, juntamente com as tecnologias são, certamente, elementos que estão , como dito, “sacudindo” de forma positiva o mundo do trabalho. Até porque litigância de má-fé está em pleno vigor. A Justiça do Trabalho deve ser tratada de forma respeitosa.
As tecnologias, portanto, devem estar a favor tanto de trabalhadores quanto de empregadores, e podem ser poderosos instrumentos de elevação dos interesses legítimos de ambos, no contexto do desejável e saudável ambiente do trabalho.
É para isso que devem servir. É desta forma que devem ser usadas.
Fonte: FecomercioSP – Assessoria Técnica