Por Fátima Fernandes
Uma combinação de preços altos e escassez de pontos para reabastecimento faz com que o carro elétrico represente apenas 5% de toda a frota de veículos comercializada no país.
E faz sentido. Se alguém decidir ir com um carro elétrico de São Paulo a Presidente Prudente (SP), uma distância de 560 quilômetros, muito provavelmente, ficará pelo meio do caminho.
Mas, em São Paulo e em algumas regiões do país, shoppings se preparam para mudar esse cenário, oferecendo pontos de recarga de carro elétrico para que o cliente não fique na mão.
“Está aí uma grande oportunidade para o shopping: ser o novo posto do carro elétrico”, afirma Marcos Hirai, sócio-fundador do NDEV (Núcleo de Desenvolvimento de Expansões Varejistas).
O SP Market, do grupo São Joaquim, criou um hub de 20 carregadores em seu estacionamento, dois para recarga rápida, de uns 15 minutos, e 18 para um período de duas a três horas.
O shopping fez uma parceria com a Enel, empresa de energia elétrica, que paga um aluguel pelo uso do espaço, e cobra a recarga do cliente (cadastrado em aplicativo da Enel).
“Queremos melhorar cada vez mais os serviços para os nossos clientes e fomos pioneiros em oferecer um hub de carregadores”, diz Edélcio Cazelato, superintendente do SP Market.
Com 330 operações, o shopping possui 3.300 vagas de estacionamento. Assim que o shopping fecha, durante a noite, a Enel libera os carregadores para veículos de empresas parceiras.
Cerca de 100 carros, de acordo com ele, já estão cadastrados pela Enel para recarga durante a madrugada. Mercado Livre e Uber são pelo menos duas das empresas com carros autorizados.
Durante o dia, enquanto a bateria do carro recarrega, diz Cazelato, os motoristas vão para o shopping, e de alguma forma acabam consumindo por ali, mesmo que seja um café.
“O cliente tem uma facilidade e uma experiência a mais no shopping, o fluxo de pessoas tende a aumentar e os lojistas, a vender mais”, afirma.
O Grupo Gazit, gestora e desenvolvedora de shoppings, já instalou uma média de cinco pontos de recarga para carro elétrico em todos os seus shoppings.
Morumbi Town, Shopping Light, Top Center, Mais Shopping, Internacional Shopping de Guarulhos e Prado Boulevard, em Campinas, oferecem o serviço gratuitamente.
“Essa é uma tendência que vem crescendo, principalmente com o fato de a chinesa BYD estar com estandes para demonstração dos carros nos shoppings”, diz Sérgio Koffes, diretor da Gazit.
O shopping Metrópole Ananindeua, localizado em Ananindeua, no Pará, do grupo Sá Cavalcante, também acaba de instalar estações para a recarga de veículos.
Murilo Nunes, coordenador de marketing corporativo do grupo, diz que o projeto é colocar o serviço gratuito em seis shoppings, localizados no Pará, Espírito Santo, Piauí e Maranhão.
De acordo com relatório de sustentabilidade dos shoppings brasileiros de 2023, produzido pela Abrasce (associação de shoppings), em pareceria com a ASAS (Agência de Soluções Ambientais e Sociais), 52% dos empreendimentos já possuíam carregadores para carros elétricos.
Na região Sul do país, este percentual era de 61% e, na região Centro-Oeste, de 77%. Na comparação com 2019, os percentuais são cerca de quatro vezes maiores.
ESG
Os pontos para recarga de veículos, diz Nunes, fazem parte de ações do grupo para uma gestão voltada para questões ambientais, sociais e de governança (ESG).
“As estações para veículos elétricos não visam atração de fluxo. É mais uma atividade do grupo de compromisso ESG e que também presta serviço ao público que usa carro elétrico”, diz.
Para Hirai, abriu-se uma oportunidade de competição entre os shoppings. “Um carro elétrico precisa de duas a três horas para recarregar, quem oferece mais vagas?”
Este movimento dos shoppings para oferecer energia para recarga de veículos, diz, é recente e ainda há executivos que subestimam o potencial de oportunidade do negócio.
Alguns números são o motivo. De janeiro a março deste ano, foram comercializados cerca de 36 mil carros eletrificados, de acordo com a Associação Brasileira do Veículo Elétrico (ABVE).
Dos quase 1,4 milhão de carros comercializados em 2023, os elétricos representaram 5%.
Para Hirai, este é um mercado que tende a crescer e os shoppings que estiverem mais preparados para prestar o serviço deverão ter a preferência dos consumidores.
Para Luiz Alberto Marinho, sócio-diretor da Gouvêa Malls, a expansão ou não desses pontos para recarga de veículos depende do tamanho do mercado.
“O mercado de carro elétrico ainda não é significativo no Brasil, mas, de alguma maneira, o shopping que tem os pontos presta um serviço a mais e dá sinais de modernidade.”
Também sugere ao mercado e ao cliente, de acordo com Marinho, uma preocupação com sustentabilidade, de apoio às fontes de energia limpa e renováveis.
EXPANSÃO
Há empresas do mercado de veículos premium que vislumbram uma expansão rápida do mercado de carros elétricos no Brasil.
Um exemplo é a Osten Group, concessionária que representa as marcas Jeep, Jaguar, Land Rover, Dodge e da BYD, fabricante chinesa de carros elétricos a bateria e híbridos plug-in.
O crescimento na venda de carros elétricos no país levou o grupo a criar há um ano a Revo, uma empresa para cuidar exclusivamente da infraestrutura para recarga dos automóveis.
“Nossas concessionárias estão no Tatuapé e, por isso, instalamos boxes para abastecimento em shoppings da região”, afirma Jorge Yamaniski Filho, superintendente do Osten Group.
A empresa está à procura de cerca de 50 locais em São Paulo para instalação de novos pontos para a recarga de veículos.
“Estamos atrás de locais onde existe grande concentração de veículos, como shoppings e grandes supermercados, e já estamos fazendo as instalações de forma bastante agressiva”, diz.
O processo de instalação de pontos de eletrificação, diz, começou há uns dois anos, de forma acanhada, mas agora sente os shoppings bem mais interessados em oferecer esse serviço.
“É uma prestação de serviço importante, pois, quem tem carro elétrico, vai dar preferência para ir aos locais onde pode recarregar o veículo”, afirma.
NOVO VAREJO
Um especialista do varejo envolvido com negociações de espaços em shoppings diz que a instalação de pontos de recargas de veículo é apenas um grão de areia no que está por vir.
Com a mudança da matriz fóssil para a elétrica, os shoppings podem também abrigar o que ele chama de micro concessionárias, em um espaço de apenas 50 metros quadrados.
Os shoppings, diz, podem ter concessionárias, locais para manutenção e também para recarga dos carros, aproveitando os espaços vazios que ainda enfrentam após a pandemia.
Os aeroportos também podem se transformar em áreas para manutenção e recarga de carros, diz ele, enquanto o motorista faz uma viagem a trabalho ou a passeio.
Para o especialista em varejo, a mudança da matriz energética vai mudar o desenho do varejo e já há bancos interessados em financiar as chamadas ‘soluções verdes’ para os shoppings.
CONSULTA CORPO DE BOMBEIROS
Uma notícia recente envolvendo a instalação de recarregadores de veículos elétricos deixou os executivos de shoppings na expectativa de novas regras para prestação do serviço.
O Corpo de Bombeiros de São Paulo lançou uma consulta pública com o objetivo de estabelecer regras para as vagas de recarga visando a prevenção e o combate a incêndios.
Entre as sugestões estão: afastamento de no mínimo cinco metros em relação às demais vagas do estacionamento, sistema de chuveiros automáticos e de ventilação mecânica, etc.
“Vamos aguardar as regras para ver se será possível manter o serviço de recarga nos shoppings”, diz Koffes, da Gazit.
Fonte: Diário do Comércio – Imagem: SP Market/divulgação