“Qualquer associação de classe será tão forte quanto os seus membros queiram fazê-la.”

Retomada leva à falta de insumos; varejo espera normalização

16/12/2020

Francisco De La Tôrre

O presidente do Sincopeças-SP, Francisco De La Tôrre, participa de reportagem do Valor Econômico sobre desabastecimento de insumos e normalização do varejo. Confira

Retomada da indústria leva à falta de insumos, pressionando os preços
Não há desabastecimento generalizado de produtos, mas escassez afeta preços, diz Ibre/FGV

por Anaís Fernandes

A surpreendente recuperação da indústria gerou um sério problema de falta de matéria-prima para diversos segmentos da transformação, mas a escassez de insumos já é uma questão também para alguns empresários na ponta das cadeias de consumo, principalmente no comércio e, em menor escala, em parte dos serviços. O quadro não se traduz, por ora, em desabastecimento generalizado de produtos, mas pressiona preços, afetando a dinâmica da economia, alerta o Instituto Brasileiro de Economia (Ibre/FGV).

As sondagens de novembro mostram que a indústria tem o maior número relativo de empresários reportando dificuldades para obter matéria-prima (55,5%), o que era esperado, já que é o setor mais demandante, diz Viviane Seda, coordenadora das Sondagens do Ibre/FGV. “Vimos uma recuperação realmente surpreendente da indústria. Observamos aumento da demanda forte em alguns segmentos, que não é acompanhado pela oferta interna. As empresas ainda estão cautelosas para aumentar a produção.”

Mas pouco mais da metade dos entrevistados do comércio também relata problemas na aquisição de produtos. “A questão afeta desde o início da cadeia lá na indústria até o consumidor na ponta do comércio. Existem segmentos em que há demanda e faltam insumos para a produção. Com isso, está se deixando de entregar produtos para os consumidores e acaba havendo aumento de preços ou, pelo menos, uma pressão”, diz Viviane.

A principal dificuldade enfrentada pelos empresários como um todo é a escassez de produtos no mercado interno, mencionada por 72,6% dos entrevistados, mas há também problemas no mercado externo (27,2%) e com o aumento dos preços internacionais, em dólares (31,1%). “Vivemos a segunda onda da pandemia em vários lugares. Há uma dificuldade de se obter matéria-prima externamente”, afirma a economista do Ibre.

Uma terceira frente de barreiras se relaciona ao câmbio (e à forte desvalorização do real na pandemia), seja porque insumos importados ficaram mais caros (17%), seja porque, com menor concorrência externa, preços domésticos subiram (26,1%).

No caso da indústria, existem ainda particularidades, como o tempo que alguns segmentos requerem para ampliar produção – não se religa um alto-forno da noite para o dia, por exemplo – e o fato de os estoques, que poderiam segurar gargalos, terem ficado muito baixos, porque foram usados para garantir liquidez nos períodos de paralisação da economia, diz Rafael Cagnin, economista do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (IEDI). “Foi o desalinhamento de cenários, com a queda da resiliência ao longo da cadeia, derivada de estoques comprimidos, que colocou a indústria nessa situação”, afirma ele, citando ainda o impacto dos protocolos sanitários em ramos intensivos em mão de obra.

A transmissão da desorganização da indústria ao varejo fica evidente na cadeia automotiva. A Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea) chegou a falar até em paralisação da produção por falta de matéria-prima. Em novembro, 61,1% dos empresários do segmento reclamaram disso, principalmente da compra de aço (56%). O reflexo aparece nas lojas: 69,1% dos comerciantes de veículos, motos e peças mencionam falta de produtos, sobretudo peças (39,3%).

“Falta produto, principalmente de lataria, paralamas, parachoques. O varejo está tendo muita dificuldade para atender a demanda”, afirma Francisco Wagner De La Tôrre, presidente do Sindicato do Comércio Varejista de Peças e Acessórios para Veículos no Estado de São Paulo (Sincopeças-SP). “Houve represamento de demanda, que está se refletindo hoje. A situação é agravada pelo câmbio. Além da falta de produtos, temos uma inflação significativa.”

Nas indústrias têxtil e de vestuário, mais de 70% dos fabricantes lidam com escassez de matéria-prima. No ramo têxtil, um dos principais problemas é a falta de algodão (21,6%) e no vestuário, de tecidos (55,2%). “O vestuário sofre ainda com a escassez de produtos no mercado externo, porque muita coisa vem da China”, lembra Viviane, do Ibre. O resultado é que, no varejo de vestuário e calçados, 57,9% dos comerciantes dizem enfrentar problemas para comprar produtos, exatamente tecidos (45,9%). “Você vê que as cadeias acabam se refletindo”, diz a economista.

No início da pandemia, as lojas do segmento tiveram de fechar estocadas com produtos de inverno, mas, na reabertura, precisaram mudar para a coleção primavera-verão, explica Edmundo Lima, diretor-executivo da Associação Brasileira do Varejo Têxtil (Abvtex). “As empresas não estavam preparadas para essa retomada ao mesmo tempo. As fiações e tecelagens começaram a sentir falta do algodão em agosto e setembro”, diz Lima. Segundo ele, o problema com tecidos nas confecções tem melhorado, mas o setor ainda sente falta de plásticos, borrachas, aviamentos, cartonagem, além de insumos químicos como corantes, atrelados ao dólar. “Não faltam produtos, mas temos reflexo em aumento de preços. É impossível a ponta da cadeia não repassar nada.”

O desalinhamento na indústria alimentícia chega, inclusive, aos serviços. Dos empresários do ramo, 52,7% dizem ter dificuldade de adquirir matéria-prima. Na ponta, 51,3% dos supermercados relataram problemas para comprar produtos, e 35,5% mencionam escassez dos próprios alimentos e bebidas. O setor de serviços em geral foi bem menos afetado – apenas 17,2% citam falta de produtos -, mas quase metade (46,9%) dos entrevistados do ramo de alimentação reportam dificuldades, com 30,2% se referindo aos alimentos.

“Temos desabastecimento de produtos e impacto nos preços. É um baque alto, maior até do que foi com alimentos”, afirma Paulo Solmucci, presidente-executivo da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel). A consequência aparece no cardápio, seja com repasse parcial de valores, seja na substituição de produtos, o que, segundo Solmucci, gera situações “muito desagradáveis” com os clientes e afeta a qualidade do serviço. Além disso, o capital de giro é impactado, porque os prazos de entrega aumentaram muito e, quem pode, antecipa pedidos para estocar.

A Federação do Comércio do Estado de São Paulo (FecomercioSP) avalia que não há uma situação grave de desabastecimento, mas um “fornecimento irregular”, diz o assessor econômico Thiago Carvalho, destacando como exemplo a construção. Na sondagem da FGV, 81,2% dos varejistas do segmento relatam problemas com produtos. Para Waldir Abreu, superintendente da Associação Nacional dos Comerciantes de Material de Construção (Anamaco), o que acontece é que “faltou produto para quem não quis pagar o preço”.

Varejo espera normalização ao longo do 1º semestre
Descompressão na demanda é esperada com a desaceleração da atividade na virada do ano

Associações setoriais do varejo esperam que o problema com a falta de produtos se normalize ao longo do primeiro semestre de 2021. Alguma descompressão na demanda é esperada com a desaceleração da atividade na virada do ano. A recente valorização do real ante o dólar também traz alívio, mas ele pode ser temporário se não houver encaminhamento para questões estruturais e avanço na confiança, dizem economistas.

O sindicato do comércio de peças para veículos do Estado de São Paulo (Sincopeças-SP) prevê melhora a partir de fevereiro e aposta na pulverização do setor para conseguir dar conta da demanda. Para a associação de bares e restaurantes (Abrasel), será difícil alguma acomodação antes de março. “Vai ficar, pelo menos, mais uns três meses assim”, diz o presidente-executivo Paulo Solmucci. No varejo têxtil, o primeiro trimestre já costuma ser de maior pressão. “A depender do volume de vendas do fim de ano, as empresas têm de repor estoques. A busca por recomposição deve continuar, mas esperamos regularização no primeiro semestre”, afirma Edmundo Lima, da Abvtex.

A acomodação do desalinhamento na indústria, que chega ao comércio, é o caminho natural, conforme ela vai vencendo barreiras técnicas, diz Rafael Cagnin, economista do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi). Além disso, ele observa que o fim de medidas como o auxílio emergencial deve ajudar a frear a demanda. “Já vimos uma desaceleração em outubro da produção industrial.”

André Braz, coordenador dos Índices de Preços da Fundação Getulio Vargas (FGV), lembra ainda que o período de desvalorização mais aguda da moeda brasileira coincidiu com uma época em que a indústria ainda se preparava para uma demanda crescente, enquanto compradores tentavam antecipar pedidos para evitar preços maiores. “O fato novo é que começou uma valorização até rápida do real, que pode jogar a favor agora e tirar um pouco a pressão de custos. Mas vejo com certa desconfiança, porque, se não houver estratégia para sinalizar controle fiscal, corremos o risco de a volatilidade voltar”, afirma o economista.

Para Viviane Seda, coordenadora de Sondagens do Ibre/FGV, a falta de produtos e insumos tem relação com o elevado nível de incerteza. “Apesar de ter demanda, as empresas estão com certa cautela para investir, contratar novamente”, diz. “O que podemos esperar desse cenário de dificuldade de obtenção de insumos e cautela das empresas é uma recuperação mais lenta.”

Fonte: Valor Econômico

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