Silvia Pimentel
A reforma tributária entrou na lista de prioridades do governo, que já inicia articulações para sensibilizar o Congresso sobre a importância de se promover alterações no sistema tributário ainda no primeiro semestre deste ano.
A ideia inicial é desengavetar duas das principais propostas em tramitação no Congresso – as PECs 45 e 110 – e aproveitar pontos considerados importantes e propor um texto “robusto” antes de ser levado à discussão.
Ambas as propostas chegaram a ser discutidas no Congresso no ano passado, mas não avançaram por falta de consenso e quórum nas votações. Os dois textos propõem uma simplificação no sistema tributário – a primeira fase da reforma tributária – a partir da unificação de tributos sobre o consumo.
Os presidentes da Câmara e do Senado, Arthur Lyra e Rodrigo Pacheco, respectivamente, já sinalizaram apoio às investidas do governo para retomar a discussão. O mesmo não se pode dizer de setores econômicos, como o comércio e serviços.
IMPACTOS
Cálculos preliminares apontam que o objetivo de simplificar o sistema de tributos previsto nas duas propostas, mantendo o mesmo nível de arrecadação atual, levaria a uma alíquota de IVA (Imposto sobre Valor Agregado) de, no mínimo, 25%.
Um estudo da Cebrasse (Central Brasileira do Setor de Serviços) mostra que o setor de serviços seria o maior prejudicado com as mudanças previstas nos textos, pois não contempla a questão dos encargos trabalhistas, que representam 40% do faturamento do segmento.
De acordo com o estudo, a carga tributária para as empresas do lucro real de 128 setores pesquisados passaria dos atuais 26,64% para 35,88% com a adoção da alíquota única, resultado da fusão de vários tributos. Para as empresas do lucro presumido, a carga média saltaria de 21,93% para 34,48%.
“As duas propostas não levam em conta que importantes serviços prestados ao consumidor final, ligados à educação e saúde, por exemplo, serão onerados, gerando aumento de inflação e distorções na economia”, prevê João Batista Diniz Júnior, presidente da Cebrasse.
Para o dirigente, existem outras propostas, esquecidas até o momento pelo governo, que devem ser levadas à discussão e que gerariam menos impacto ao setor de serviços, sem gerar aumento da carga tributária. É o caso da PEC 46, conhecida como Simplifica Já, que propõe unificação das leis estaduais e municipais e avança na questão da desoneração da folha de pagamentos para os setores que mais empregam.
MAIS CARGA E BUROCRACIA
Na avaliação do economista da ACSP (Associação Comercial de São Paulo), Marcel Solimeo, esse não é o momento oportuno para promover mudanças profundas no sistema tributário que causem impactos na distribuição de recursos aos Estados e Municípios, pois a economia ainda não se recuperou totalmente dos impactos da pandemia.
“As premissas das PECs 45 e 110, de que não haverá aumento da carga tributária, não correspondem aos textos. Não há como saber, a priori, o valor da alíquota do IVA que manterá a carga tributária neutra e isso pode trazer consequências desastrosas”, analisa.
Além de onerar o setor de serviços, outro ponto preocupante apontado pela ACSP diz respeito ao período de transição entre o sistema atual e o proposto, que varia de 8 a 10 anos, nas duas propostas. Mantido esse período, os contribuintes teriam que conviver com dois regimes tributários distintos ao mesmo tempo, aumentando a burocracia.
Para o economista da ACSP, alterações profundas no sistema tributário devem ser precedidas de mudanças infraconstitucionais, que contemplem a criação de sistemas digitalizados e unificados, além da correção de distorções na cobrança do ICMS. Dessa forma, seria possível ao governo cruzar dados de forma mais eficaz e antever o valor da alíquota única.
Por enquanto a indústria é o único setor que vê com bons olhos as propostas. Para a CNI (Confederação Nacional da Indústria), a reforma tributária deve contemplar a substituição dos principais tributos incidentes sobre o consumo por um modelo baseado no IVA, em formato dual, que é a essência da PEC 110.
ENTENDA AS PROPOSTAS
A PEC 110 foi apresentada ao Senado em 2019, mas só teve o parecer lido dois anos mais tarde. Relatado pelo então senador Roberto Rocha (PTB-MA), o texto cria dois tributos: a CBS (Contribuição sobre Bens e Serviços), que ficaria com a União, e o IBS (Imposto sobre Bens e Serviços).
Pela proposta, a CBS substituiria a Cofins (Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social), o PIS (Programa de Integração Social) e o Pasep (Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público. Já o IBS substituiria o ICMS (Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) e o ISS (imposto sobre Serviços).
Em relação ao IBS, o texto propõe uma lei complementar única para os 26 estados, o Distrito Federal e os municípios. Cada ente público poderia fixar a alíquota do IBS, que seria a mesma para bens e serviços. A cobrança seria no destino, no local onde a mercadoria foi consumida.
A lei complementar poderia manter benefícios fiscais para vários setores da economia, mas as medidas seriam definidas nacionalmente, não a critério de cada estado ou município. A Zona Franca de Manaus, o Simples Nacional, as Zonas de Processamento de Exportação e o regime especial para compras governamentais (compras feitas pelo governo) seriam mantidos.
O IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados) seria substituído pelo Imposto Seletivo, que incidiria sobre bebidas alcoólicas, derivados do tabaco, alimentos e bebidas com açúcar e produtos prejudiciais ao meio ambiente. Assim como ocorre no IPI, a União arrecadaria o imposto, destinando parte das receitas aos estados e aos municípios.
PEC 45 – De autoria do deputado federal Baleia Rossi (MDB-SP), a PEC 45/2019, embasada nas ideias do economista Bernard Appy, nomeado secretário extraordinário da Reforma Tributária no novo governo, foi relatada pelo deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB). O relatório chegou a ser lido na comissão especial da Câmara dos Deputados para a reforma tributária, mas teve a tramitação suspensa.
A PEC 45 também prevê a criação do IBS, resultado da fusão de contribuições como PIS e Cofins e de três impostos, o IPI, ICMS e ISS. A alíquota do IBS seria composta por uma soma das alíquotas da União, dos estados e dos municípios. Cada esfera de poder poderia definir a alíquota por meio de lei ordinária. A base de cálculo (onde o tributo incide) seria regulamentada em lei complementar.
O texto também propõe a criação do Imposto Seletivo, que incidiria sobre o consumo de cigarros, álcool e derivados de açúcar. A PEC também prevê a cobrança do IBS no destino, no estado onde a mercadoria é consumida. Isso acabaria com a guerra fiscal entre as unidades da federação.
Fonte: Diário do Comércio