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Regulação pode (e deve) orientar o futuro da mobilidade sustentável

25/08/2023

Paulo Cardamone, chief executive officer

Por Paulo Cardamone

A indústria automotiva global nunca esteve exposta a tantos movimentos disruptivos de impacto tecnológico como os vividos neste século e que diretamente impactam a escala do setor. Além da descarbonização, outros movimentos em aceleração competem por parcelas do investimento como os relacionados às regulamentações de segurança e emissões, conectividade, digitalização e o futuro dos veículos autônomos.

De todos estes, o que mais tem sido debatido globalmente, inclusive com destaques diários na mídia, é o relacionado ao futuro dos sistemas de propulsão que já consolidou a ideia de que, sem sombra de dúvidas, a eletrificação é o futuro. E está ficando cada dia mais claro que a eletrificação dos sistemas de propulsão está longe de consolidar os veículos puramente elétricos como a salvação da lavoura.

Os principais mercados do mundo começam a cair na real e entender que o remédio para salvar o paciente não é matá-lo, no caso os motores a combustão, e sim alinhar o futuro da mobilidade sustentável às características regionais de cada mercado em relação à capacidade de compra dos consumidores, investimento dos governos e disponibilidade de combustíveis limpos.

No caso do Brasil, a orientação da política setorial para definição do caminho que vamos seguir será fundamental para que os players possam ter previsibilidade e se adequar à escala que precisamos no médio prazo para solucionarmos os desafios da indústria de hoje e em seguida se preparar para a nova realidade da eletrificação. E o novo ciclo do poço a roda sem dúvida será o mais adequado.

Enquanto é ponto pacífico que o futuro da mobilidade é a eletrificação e que devemos preparar o setor automotivo brasileiro para isso, é claro também que a nossa transição para a eletrificação será diferente da de outras regiões e que os legisladores precisam orientar a concertação política de que precisamos, tanto pelas características dos consumidores quanto pelas alternativas energéticas sustentáveis de que dispomos.

No Brasil, no curto prazo, a solução Híbrida Flex é a que mais benefícios trará ao consumidor e contribuirá para que não só olhemos para o ambiental, mas também para o social e econômico, uma vez que a infraestrutura produtiva e a cadeia de suprimentos sofrerão menos impactos durante a transição.

No médio prazo, os Híbridos Plug-in Flex serão a complementação ideal para o portfólio de veículos a serem ofertados aos consumidores brasileiros pois serão os que trarão melhor custo-benefício na mitigação dos gases de efeito estufa.

Tomando-se por base a matriz energética limpa de que dispomos e abastecimento com etanol, um veículo Híbrido Flex emite 34g CO2e/km e sua versão Plug-In apenas 23g CO2e/km, quando comparado a um veículo elétrico puro que emite 18g CO2e/km na matriz elétrica brasileira.

Mobilidade sustentável, como o próprio nome diz, tem que considerar não só a emissão do veículo, mas também os materiais e a transformação envolvidos na fabricação deles. Um BEV, na média, carrega uma bateria entre 50 e 70 KWh, enquanto um Híbrido Plug in uma bateria de 15/18 KWH, ou seja, com uma bateria 70% menor conseguimos uma emissão somente 10% maior sem os custos de uma bateria de grande capacidade e sem a necessidade dos massivos investimentos em infraestrutura de carregamento e futura reciclagem.

Todo momento de disruptura tecnológica como o que vivemos em relação à eletrificação dos veículos traz riscos enormes ao setor industrial e à tomada de decisões das empresas. Esse setor aposta hoje em tecnologias de Ion- Lítio, com investimentos de mais de U$100 bilhões em gigafactories nos EUA e Europa, enquanto floresce uma nova tecnologia de baterias de estado sólido, com menor custo, maior densidade energética e menor risco e que pode mudar completamente o “sourcing” de suprimentos de baterias no mundo. Para um país como o Brasil, no estágio inicial da eletrificação, em qual alternativa apostar? Também deve ser considerado que o hidrogênio a partir de fontes limpas começa a despontar como uma solução de alto valor agregado – não seria essa a alternativa correta de investimento para o Brasil?

Os veículos a serem lançados em 2025 já estão prontos e os destinados a 2027 muito avançados, o que faz com que a assertividade dos legisladores para as próximas fases do programa Rota 2030 deva ser alta com relação à adequação de metas, incentivos e do modelo de tributação. Porém o novo modelo regulatório está atrasado, principalmente pelo fato de o debate sobre a nova política não ter sido aprofundado, aumentando a incerteza do mercado sobre decisões de investimento.

O mercado de veículos leves no Brasil tem andado de lado ao redor de 2 milhões de unidades, sofrido por 3 anos os impactos da pandemia, da crise de componentes, e das restrições provocadas por baixa renda e juros altos. Precisamos encontrar meios de adicionar 1 milhão de veículos ao mercado atual até 2030 para termos uma indústria sustentável e garantir sustentabilidade para o mercado eletrificado do futuro.

A regulação, apesar das críticas, tem se mostrado fundamental para a evolução tecnológica do setor. Em Segurança Veicular, tiramos um atraso que era de 15 anos em 2010 para menos de 5 anos hoje. Em eficiência energética, a partir dos programas Inovar Auto e Rota 2030, evoluímos adicionais 25% em 10 anos, quase quatro vezes mais que no período de 2005 a 2012.

A regulação trata das vendas de veículos novos, porém deixamos de lado a frota de 46 milhões de veículos mal mantidos que poluem, responsável por doenças e mortes em acidentes de trânsito e que consomem mais de R$50 bilhões por ano. É premente a regulação de um programa de Reciclagem de Veículos que seja estruturante e permanente, pois continuamos tratando de programas de subsídios à compra de veículos que nunca funcionarão pois não há dinheiro no mundo que os suporte.

E, se quisermos ser efetivos em desenvolvimento, precisamos urgentemente reestruturar os programas de P&D exigindo celeridade e a boa aplicação dos recursos com metas pré-estabelecidas.

A política setorial deve ser orientada para um crescimento da eletrificação mais pesada já a partir do meio da década, considerando que o carro elétrico puro não é hoje e nunca será a solução única para os problemas de sustentabilidade da mobilidade mundial.

Bright Consulting

A consultoria com sede em Campinas (SP), criada em 2015, tem como missão oferecer um portfólio de serviços de inteligência competitiva orientado para minimizar os riscos relacionados ao processo decisório de seus clientes. Conta com especialistas reconhecidos nos mercados nacional e internacional, que avaliam as grandes transformações do mercado e da indústria, os impactos da evolução tecnológica nos veículos e contribuem na elaboração de projeções mais assertivas de sustentação às decisões das empresas. A consultoria tem vasta experiência em suporte aos programas regulatórios do setor automotivo lançados pelo governo federal nos últimos 10 anos.

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