Nenhuma fabricante investe em um modelo para deixá-lo em linha por menos de cinco anos. Nenhuma. Especialmente no Brasil, país no qual se costuma esticar ao máximo a vida útil de determinados modelos e plataformas.
Portanto, o Honda WR-V pode ser considerado um dos maiores fracassos da marca no Brasil. Mais do que isso, é um grande gol contra da própria indústria automobilística nacional, o que é uma grande pena. Afinal, ele foi o primeiro projeto liderado pela divisão local da Honda, a partir de um Centro de pesquisa e desenvolvimento (P&D) inaugurado em Sumaré (SP) pouco antes de sua chegada.
Seu sucesso significaria uma maior autonomia regional da Honda na criação e desenvolvimento de novos produtos. Como ele não veio, voltamos a ficar quase 100% dependentes das decisões da matriz, tomadas por executivos que estão a milhares de qiolômetros de distância daqui e sequer conhecem a fundo nosso consumidor.
O fim precoce do WR-V mostra que nem mesmo os meticulosos, conservadores e cautelosos fabricantes japoneses estão imunes a erros estratégicos num mercado tão sensível e complexo como o nosso.
Mas o que pode ter dado errado? Afinal, a marca Honda, por si, traz uma bagagem de muita solidez e confiança. Além disso, o modelo carregava consigo uma receita que foi seguida quase à risca por dois outros produtos que chegaram anos depois e foram muito mais bem aceitos no mercado nacional: Volkswagen Nivus e Fiat Pulse.
Os erros decisivos da Honda no projeto do WR-V
Vejamos: o WR-V aproveitava a plataforma GSC (Global Small Car) de Fit, City e HR-V – base esta que, aliás, segue presente nos novos City hatch e sedã, e será usada pela segunda geração do HR-V – e utiliza boa parte da estrutura do próprio Fit.
Para diferenciá-los, a Honda trocou todo o balanço dianteiro, adotando faróis e para-choque exclusivos, além de um capô mais alto. Na traseira, trocou a tampa do porta-malas e adotou lanternas bipartidas.
Manteve o conjunto mecânico do Fit, mas robusteceu as suspensões com soluções próprias ou herdadas do HR-V, elevando ainda a altura do solo. E utilizou um ou outro truque exclusivo para renovar o acabamento interno em relação ao monovolume.
Não é praticamente a mesma coisa que Volkswagen e Fiat fizeram com as estruturas de Polo e Argo para criar Nivus e Pulse? Sim. A diferença é que a Honda não soube disfarçar direito, talvez por acreditar que, com a reputação que tem, não precisaria investir tanto assim para diferenciar um modelo do outro.
O parentesco entre Fit e WR-V fica escancarado principalmente nas laterais e traseira. Manter a parte externa das lanternas e os vincos do monovolume sem alterações, não camuflar direito a coluna C e mexer tão pouco na tampa do porta-malas foram erros fatais da fabricante nipônica. Quem olhava o WR-V por esses dois ângulos enxergava o Fit, não tinha jeito.
VW e Stellantis souberem aprender com os acertos e, mais importante, os erros da Honda nesse sentido. Tanto que Nivus e Pulse seguem quase ipsis litteris a receita do próprio WR-V na parte dianteira: faróis e para-choque diferentes, capô mais alto e hastes para elevar os para-lamas dianteiros. O ponto chave está na traseira desses modelos.
Como VW e Fiat aprenderam com os acertos e erros da Honda
A Volkswagen, por exemplo, criou uma totalmente nova para o Nivus, com coluna C, para-lamas traseiros, lanternas, vidro traseiro e tampa do porta-malas exclusivos. Com isso, o SUV cupê se distanciou do Polo, embora por dentro o acabamento seja praticamente o mesmo, exceto pela presença de um volante e uma central multimídia novos.
O motor 1.0 turbo, o câmbio automático e toda a mecânica foram herdados do hatch, com suspensões elevadas sem muitas modificações. Ou seja, estamos falando de um índice muito alto de carryover (compartilhamento de componentes) entre os dois modelos.
No caso do Pulse, a coluna C e os para-lamas traseiros são os mesmos do Argo. Só a tampa do porta-malas é bem maior e mais proeminente. Além disso, o desenho externo das lanternas é até igual ao do hatch, porém com arranjos de iluminação totalmente distintos. A parte interna delas também ajuda a disfarçar o parentesco dos modelos com mais competência.
Só que a Fiat foi um pouco além: promoveu atualizações em todo o painel, no sistema de direção, nos bancos, no chamado underbody da carroceria e na motorização. Com isso, o SUV adotou o inédito 1.0 GSE turbo nas versões de topo. Nas de entrada, aproveitou o 1.3 aspirado do irmão, porém estreando o seu casamento com um câmbio CVT.
Foi o suficiente para a marca dizer aos quatro cantos, de maneira até forçosa, que o Pulse inaugurava uma “plataforma nova”, a MLA, que nada mais é do que uma evolução da base MP1 do próprio Argo.
Como se vê, a estratégia de usar o projeto pronto de um hatch para criar um SUV está aí e ainda deve ser replicada por muitas outras fabricantes. É uma excelente forma de se desenvolver um carro dito novo pulando etapas e otimizando custos. Mas não basta só querer copiar a fórmula.
É preciso convencer os consumidores de que as mudanças feitas são dignas de se chamar aquele carro de “novo”. A Honda até tem seus méritos por ter, com o WR-V, estreado no Brasil a receita. No entanto, ficou só com o desgaste e os prejuízos de um projeto malsucedido. VW e Fiat é quem estão, de fato, colhendo os frutos. Nem sempre ser pioneiro é um trunfo…
Leonardo Felix é jornalista especializado na área automobilística há 10 anos. Com passagens por UOL Carros, Quatro Rodas e, agora, como editor-chefe da Mobiauto, adora analisar e apurar os movimentos das fabricantes instaladas no país para antecipar tendências e futuros lançamentos.
*Este texto traz a opinião do autor e não reflete, necessariamente, o posicionamento editorial de Automotive Business
Fonte: Automotive Business