Pandemia expõe necessidade de se rever contratos entre lojistas e shoppings

Lojistas querem que aluguel seja um percentual sobre as vendas, pedem ainda participação nas escolhas de serviços e mais transparência nos gastos com condomínio e fundo de promoção (Por Fátima Fernandes | Jornalista especializada em economia e negócios e editora do site varejoemdia.com)
Pandemia expõe necessidade de se rever contratos entre lojistas e shoppings

Em quase dois anos de pandemia do novo coronavírus, se tem uma relação que ficou duramente estremecida foi a de lojistas e administradores de shoppings centers.

Prova disso é que milhares de ações de ambos os lados correm hoje na Justiça por falta de entendimento em assuntos envolvendo os contratos de locação.

Não é de hoje que os lojistas reclamam de contratos ‘abusivos’ com as empresas de shoppings. A pandemia, dizem eles, apenas escancarou a necessidade de uma revisão.

Geralmente, os alugueis pagos pelos lojistas variam entre 5% e 7% do faturamento bruto e também é estabelecido um valor mínimo. Vale sempre o que for maior.

Além disso, os lojistas pagam luvas, 13º aluguel, condomínio, fundo de promoção e outros valores referentes ao IPTU (Imposto Predial e Territorial Urbano) e ao estacionamento.

Quando as vendas estão em alta, quase tudo é pago no piloto automático, sem muitos questionamentos, até porque a receita, geralmente, é maior do que as contas a pagar.

Com pandemia, inflação e juros em alta, consumo retraído, instabilidade econômica e política, o cenário neste final de ano é desafiador.

“Os contratos já precisavam mudar. A pandemia apenas evidenciou o desequilíbrio entre as partes”, afirma Marcelo Dornellas, advogado especializado em direito contratual e imobiliário.

Um dos principais embates na relação entre lojistas e shoppings é o reajuste do aluguel, que tem como base o IGP-M (Índice Geral de Preços – Mercado).

Nos últimos 12 meses terminados em outubro deste ano, o indicador acumulou alta de quase 21%. Em alguns meses, o índice superou os 30% em um ano.

“Como o lojista pode pagar este aumento de aluguel quando as vendas chegam a ser a metade do que era antes da pandemia? A conta, simplesmente, não fecha”, diz Dornellas.

Lojistas estão conseguindo na Justiça a troca do IGP-M pelo IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo), que foi de 10,67% nos últimos 12 meses terminados em outubro.

A NB Brasil Comércio de Calçados obteve, no último dia 16, por exemplo, decisão da Justiça para a troca do IGP-M pelo IPCA no contrato vigente de locação com o shopping Eldorado.

Este é apenas um exemplo de decisão da Justiça que vem sendo dada em todo o país num momento em que as vendas do varejo continuam em ritmo lento.

MODELO DA DÉCADA DE 80

Os contratos entre lojistas e administradores de shoppings têm como base um mercado da década de 1980, de acordo com lojistas e advogados ouvidos pelo Diário do Comércio.

“Os contratos são atípicos, pois não são submetidos a uma legislação única e, por conta dessa atipicidade, era feito para que ambas as partes saíssem ganhando”, afirma Marcelo Fernandes, advogado especializado em contratos entre shoppings e lojas.

O shopping entrega um modelo de negócio que oferece segurança, conforto e gente circulando, e as lojas âncoras ou satélites dão musculatura às marcas.

“A pandemia mudou tudo isso, pois um lugar fechado já não é mais tão seguro como antes. É preciso repensar este modelo para que os dois lados ganhem”, diz Fernandes.

SUGESTÕES PARA UMA RELAÇÃO AMISTOSA

A relação entre lojistas e shoppings pode voltar a ser amistosa, dizem eles, se o valor do aluguel corresponder apenas a um percentual sobre o faturamento da loja.

Se faturou R$ 100 mil, por exemplo, e a taxa estabelecida for de 5%, a loja vai pagar R$ 5 mil de aluguel. Se for R$ 90 mil, vai pagar R$ 4.500.

O lojista também precisa, diz ele, participar da ingerência das contas de condomínio e fundo de promoção. Hoje, para ter acesso a esses custos, comerciantes têm de recorrer à Justiça.

Todo o dinheiro administrado pelos empreendimentos, de acordo com os lojistas, tem de ser prestado, como em um condomínio residencial.

“O comerciante precisa participar da administração do condomínio e do fundo de promoção, até porque é ele quem paga esses custos”, afirma Dornellas.

A pressão para transparência nas contas dos empreendimentos tem sido grande, de acordo com um lojista que possui duas franquias de fast food em shoppings no interior de São Paulo.

Um shopping na região de Guaratinguetá, diz ele, passou agora a prestar conta de gastos com condomínio, mas ainda de forma bastante genérica.

“Há muita coisa errada nos contratos com os shoppings”, diz o lojista que preferiu não se identificar porque está no meio da negociação com dois shoppings do interior de São Paulo.

Em uma mesma região, de acordo com ele, o custo do condomínio de um centro comercial chega a ser o dobro do de outro.

“Nós lojistas já tentamos oferecer ajuda para a escolha de serviços e corte de custos, mas ouvimos dos shoppings que isso era por conta deles”, diz.

Uma prova de que não há parceria entre lojistas e shoppings, diz Fernandes, foi uma declaração de Carlos Jereissati, CEO do grupo Iguatemi, em março deste ano.

Jereissati disse que não seria mais preciso isentar os alugueis neste ano e que os descontos seriam cirúrgicos, estudados caso a caso.

“Como um representante de um shopping pode se vangloriar de não conceder descontos numa situação como esta?”, diz ele.

A cláusula de raio também causa muito embate entre as partes, de acordo com Daniel Cerveira, advogado especializado em direito contratual, e precisa ser eliminada.

Lojistas instalados no shopping Iguatemi, por exemplo, diz ele, estão impedidos de entrar no shopping Cidade Jardim por conta de cláusula de raio.

“Os shoppings precisam flexibilizar mais nas negociações e evitar a saída em massa de lojistas. Da forma como eles agem, até parece que eles não querem preservar os lojistas.”

Assim como os lojistas têm de correr atrás de cortar custos e ter uma boa gestão, diz ele, os shoppings também precisam ter uma administração cada vez mais eficiente e transparente para viabilizar uma operação de longo prazo com menor índice possível de vacância.

Em um dos shoppings mais tradicionais de São Paulo, o Pátio Higienópolis, é evidente a dificuldade para repor lojistas que saíram durante a pandemia.

Em todos os andares é possível ver tapumes à espera de novas marcas. Algumas até trocaram de lugar, para espaços menores, como a MINi, de produtos para crianças.

Dornellas, que tem um escritório que acompanha aproximadamente 500 ações na Justiça movidas por lojistas e administradores de shoppings, diz que até a venda pela internet acabou respingando nas relações entre eles.

Se o cliente faz uma compra on-line e retira no shopping, o shopping entende aquela venda como feita na loja de seu empreendimento, o que é mais um motivo para discussão.

Outra questão controversa é que o sistema da loja é espelhado com o do shopping. Isto é, tudo o que a loja vende, o shopping tem acesso e, se desejar, tem direito a fazer auditoria.

Além disso, o shopping pode pedir informações retroativas a cinco anos de vendas, se quiser saber quanto a loja faturou neste período para uma avaliação de performance.

“O desequilíbrio, na verdade, não está em mostrar faturamento, mas na cobrança de alugueis que são desproporcionais em relação à receita.”

Depois de analisarem e participarem de tantas disputas entre lojistas e empreendedores de shoppings, advogados e lojistas sugerem que um novo índice para locações seria o ideal para este setor com relações tão abaladas.

Um índice, dizem eles, que considerasse aspectos ligados à locação e às atividades comerciais. Já houve tentativa neste sentido, mas não foi para a frente.

Fonte: Diário do Comércio

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