Novo Citroën C3 e o fenômeno do carro que evita ser chamado de SUV

Em um mundo no qual fabricantes forçam a barra para posicionar seus produtos como utilitários esportivos, a marca francesa resolveu adotar o caminho inverso (Por Leonardo Felix)
Novo Citroën C3 e o fenômeno do carro que evita ser chamado de SUV

Passados momentos tenebrosos para o mercado de carros populares, chegamos a tempos de fôlego renovado para eles. Em agosto, por exemplo, vimos um crescimento de quase 60% nos emplacamentos de hatches compactos em relação a julho, sendo que o volume no segmento de sedãs compactos dobrou e o de picapes compactas cresceu 40%. Os dados são da Jato Dynamics.

Ao mesmo tempo, a Citroën está jogando quase todas as suas fichas nesse filão ao lançar a terceira geração do C3. Basta ter contato com o novo produto para entender como este projeto indiano força a mão para ser acessível, ao mesmo tempo em que oferece um interessante espaço interno e atributos dignos de um SUV.

Curiosamente, ele é chamado pela marca de “hatch com atitude SUV”, e não de um SUV propriamente dito, o que chama especial atenção em tempos nos quais vem se forçando a barra para classificar qualquer modelo como SUV, mesmo que ele herde a carroceria quase toda de um hatch.

Novo C3 se enquadraria como SUV da Citroën

Em um universo no qual a própria Stellantis se esforça para posicionar Citroën C4 Cactus, Fiat Pulse e Peugeot 2008 como SUVs, a estratégia com o novo C3 gera até estranheza. Principalmente porque ele, pasmem, poderia ser classificado como tal nos parâmetros do Inmetro.

Caso o douto leitor não saiba, o órgão do governo brasileiro responsável pela padronização de qualidade e metrologia de produtos e tecnologias oferecidos no país considera cinco requisitos para classificar ou não um automóvel como utilitário, dos quais o veículo precisa atingir pelo menos quatro. Ei-los:

  • 1.    Ângulo de ataque mínimo de 23°, com tolerância de -1°. Aqui, o novo C3 alcança o número exato.
  • 2.    Ângulo de saída mínimo de 20°, com tolerância de -1°. Neste caso, o estreante chega a 39°.
  • 3.    Ângulo de transposição de rampa mínimo de 10°, com tolerância de -1°. O modelo da Citroën mais que dobra este requisito, com 21°. 
  • 4.    Altura mínima livre do solo entre os eixos de 200 mm, com tolerância de -20 mm. O novo C3 passa raspando, mas passa, com 221 mm.
  • 5.    Altura livre do solo sob os eixos dianteiro e traseiro mínimo de 180 mm, com tolerância de -20 mm. É a exata medida do carro.

Parece fácil “gabaritar” o teste, mas acredite: muitos SUVs que se dizem SUVs, inclusive vários que não têm o caráter “SUV” contestado, não atingem os tais quatro critérios mínimos.

Quer exemplos? Chevrolet Tracker, Honda HR-V de primeira geração, VW Nivus e, pasmem, até Toyota Corolla Cross. Todos cumprem apenas três dos cinco critérios. Enquanto isso, o contestado Renault Kwid atinge quatro parâmetros. O mundo é mesmo cheio de ironias…

Estratégia de mercado

Se é assim, então por que a Citroën não aproveitou para chamar o novo C3 de SUV de uma vez? Questões puramente mercadológicas. O projeto é tão simples e barato que chamá-lo dessa forma o faria ser diretamente comparado a modelos bem mais tecnológicos, como os próprios Nivus e Pulse.

Para completar, a marca não quis arriscar a rejeição que a Renault experimentou ao posicionar o Kwid como “SUV dos compactos”, bordão que até hoje é meme. 

Em vez disso, correu pela tangente e adotou o tal slogan “hatch com atitude SUV”. Posiciona, assim, a terceira geração do C3 no segmento não de Pulse e Nivus, mas sim de Chevrolet Onix, Hyundai HB20, Fiat Argo e Renault Sandero.

E usará os ângulos generosos, o bom vão livre do solo e a posição de dirigir elevada – 10 cm mais alta que a de HB20 e Onix, segundo a Citroën – como trunfos em relação aos rivais, já que em termos de tecnologia e segurança seus atributos são bem mais modestos.


Todo o ecossistema automotivo e da mobilidade em um só lugar: inscreva-se no #ABX22 – Automotive Business Experience


Vai dar certo? Só o tempo dirá, mas a expectativa é alta: fazer dele um dos quatro hatches mais vendidos no Brasil. O sarrafo só não foi colocado mais alto porque a rede da marca ainda não é das maiores, com cerca de 150 pontos (e expectativa de superar 180 até o fim do ano).

Aliás, a Citroën mira em uma expansão agressiva de mercado com uma família de modelos extremamente populares, chamada C-Cubed, a ser formada ainda por um crossover de sete lugares e um sedan, ambos derivados da plataforma CMP simplificada do novo C3 e desenvolvidos na Índia e no Brasil. Mas este é assunto para outro coluna.

Aqui, fica apenas o registro: se você considera os critérios para chamar um carro de SUV não muito claros, saiba que os parâmetros para NÃO chama-lo assim agora ficaram tão confusos quanto.


Leonardo Felix é jornalista especializado na área automobilística há 10 anos. Com passagens por UOL Carros, Quatro Rodas e, agora, como editor-chefe da Mobiauto, adora analisar e apurar os movimentos das fabricantes instaladas no país para antecipar tendências e futuros lançamentos.

*Este texto traz a opinião do autor e não reflete, necessariamente, o posicionamento editorial de Automotive Business

Fonte: Automotive Business

Programa EMPRESA AMIGO DO VAREJO