Motoristas reclamam de multas em novo pedágio ‘free flow’; entenda como funciona

Usuários da Rodovia Rio-Santos, no trecho de Paraty e Itaguaí, no Rio, relatam problemas no funcionamento do modelo. Concessionária diz acompanhar queixas e adotar sinalização na via
Motoristas reclamam de multas em novo pedágio ‘free flow’; entenda como funciona

Por José Maria Tomazela

Usuários de rodovias têm reclamado da dificuldade para pagar o pedágio sem cabine e cancela, conhecido como free flow, que já funciona em rodovias como a Rio-Santos (BR-101), que liga os litorais paulista e fluminense.

Por ora, o sistema opera apenas em um trecho de 130 quilômetros, no Rio, entre Paraty e Itaguaí. Os motoristas que deixam de pagar a tarifa em 15 dias, mesmo que seja pela dificuldade de acesso à fatura ou desconhecimento, são multados em R$ 195,23 e recebem cinco pontos em seu prontuário por evasão de pedágio, infração de trânsito grave.

O trecho da rodovia foi privatizado em 2022 e a cobrança começou em março do ano passado. Os motoristas alegam que o sistema de cobrança é falho e muitos dizem que tentam pagar pela internet e não conseguem. A concessionária do trecho, a CCR RioSP, disse analisar as reclamações e acrescentou que há sinalização e divulgação do funcionamento do modelo.

Em novembro, um grupo de usuários chegou a fazer um protesto e bloquear duas pistas na rodovia, em Mangaratiba, contra as multas e a falta de divulgação do sistema free flow.

Modelo de pedágio free flow, implementado na BR-101, tem motivado reclamações de motoristas Foto: CCR RioSP

A cobrança automática acontece no km 538, em Paraty, no 447, em Mangaratiba, e no 414, em Itaguaí, por onde passam cerca de 20 mil veículos por dia.

Durante a semana, a tarifa básica custa R$ 4,60. Já nos fins de semana, das 18 horas de sexta-feira às 6 horas de segunda, o pedágio para carro passa a custar R$ 7,60. O mesmo valor da tarifa dos finais de semana é válido para os feriados nacionais, como prevê o contrato de concessão.

  • O free flow é uma nova forma de pagamento de tarifa de pedágio que deve ser implementada também em outras rodovias. O sistema funciona em um pórtico com sensores que substituem as antigas cabines de pedágios com cancelas.
  • A passagem é totalmente livre: o motorista deve apenas passar sob o pórtico, respeitando o limite de velocidade da rodovia, e seguir viagem. Só não pode, depois, esquecer de pagar a tarifa para não ser multado. A tecnologia permite captar as dimensões do veículo, quantidade de eixos e calcular o valor.

O uso do free flow foi aprovado pela Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) e substitui as tradicionais praças de cabines com cancelas, dando maior agilidade ao trânsito. Além da Rio-Santos, há um pedágio com sistema free flow já funcionando na ERS-12, rodovia estadual do Rio Grande do Sul, entre os municípios de Flores da Cunha e Antonio Prado.

Outros estão em fase de instalação em trechos sob a gestão da concessionária Caminhos da Serra Gaúcha. A CCR RioSP já estuda a instalação em um trecho da Via Dutra, na região metropolitana de São Paulo, que deve operar em 2025.

A cobrança é feita por meio de tags, equipamentos instalados no para-brisa do carro, ou pela leitura da placa do veículo que não tem a tag. Neste caso, o motorista precisa realizar o pagamento por outros meios, como o site, o app da CCR RioSP, ou WhatsApp (telefone 11- 2795-2238), ou ainda em totens da empresa, em um prazo de até 15 dias corridos.

Os pagamentos podem ser feitos via pix ou com cartão de débito e crédito.

Motoristas relatam falhas

O problema é que, segundo os motoristas, o sistema tem falhas. No site da concessionária, a reportagem encontrou, nesta segunda-feira, 15, oito reclamações contra o free flow publicadas apenas nas 48 horas anteriores.

Contatado pela reportagem, um usuário que pediu para não ser identificado, disse que foi multado no pedágio de Paraty sem ter recebido qualquer cobrança. Segundo ele, se não há cobrança no local, é obrigação da concessionária enviar boleto ou fatura para o endereço no qual o veículo está cadastrado. “Fui multado de forma arbitrária e já pedi o cancelamento da multa”, disse.

Outro usuário, de São João do Meriti (RJ), disse ter tentado pagar uma tarifa do dia 3 de dezembro. Não conseguiu, segundo ele, porque o sistema estava fora do ar e recebeu a multa pelo atraso.

Já um terceiro motorista acha que está prestes a ser multado, pois viajou para Angra dos Reis no dia 28 de dezembro, com retorno em 3 de janeiro, e não conseguiu localizar o débito no aplicativo e no site. “Informam que não tem débitos na placa registrada, mas a multa com certeza vai chegar”, reclamou.

Também há casos de motoristas que não sabiam da existência do free flow. Um deles, que usa pouco aquele trecho da rodovia, só descobriu que havia passado pelo pedágio quando encontrou duas multas em seu prontuário.

Ele não fazia ideia da cobrança automática e reclamou de não ter sido notificado. E também critica a falta de sinalização a respeito. O reclamante verificou depois que havia uma placa próxima do pórtico, mas com letras difíceis de serem lidas por quem passa pelo local ao volante, prestando atenção no trânsito.

À reportagem, um representante comercial de Angra dos Reis que pediu que não fosse identificado disse que, no dia 25 de dezembro, fez viagem de ida e volta a Mangaratiba, passando pelo free flow.

No último dia 7, fez o mesmo percurso. Nos dois casos, relata o motorista, as passagens não foram lançadas nem no site nem no aplicativo do sistema, o que impediu o pagamento. “Registrei tudo para provar, em caso de multa, que não houve evasão e, sim, falta de cobrança, o que indica mau funcionamento do sistema”, disse.

Lei prevê multa por evasão

Para possibilitar a aplicação de multa de R$ 195,23 por evasão de pedágio mesmo não existindo a praça de cobrança, o Código de Trânsito Brasileiro foi alterado pela Lei 14.157, em junho de 2021.

A lei estabelece condições para a cobrança pelo uso de rodovias por meio de sistemas de livre passagem e equipara o evasor de pedágio – aquele que burla o pedágio de forma intencional, passando direto pela cabine de cobrança – com o usuário que não conhece o free flow, não baixou o aplicativo da concessionária ou se esqueceu de pagar.

Nos primeiros seis meses de funcionamento, a evasão de pedágio no free flow foi de 14,3%, segundo relatório da ANTT. Considera-se evasão quando o usuário não paga a tarifa no prazo de 15 dias após o uso da rodovia.

A inadimplência, que leva em conta o não pagamento mesmo após a autuação pela evasão, foi de 11%. A queda no número de inadimplentes se acelerou depois que as multas começaram a ser aplicadas, em agosto.

No sistema convencional, nem as concessionárias, nem a Associação Brasileira de Concessionárias de Rodovias (ABCR) divulgam esses índices, mas a inadimplência fica abaixo de 3%, conforme apurou a reportagem.

Como pagar

Segundo a CCR RioSP, após se cadastrar no App CCR Rodovias, toda vez que o usuário passar pelo pórtico ele recebe mensagem via celular (SMS) identificando a passagem do veículo. Esse aviso pode levar até 48 horas para chegar.

Ele traz o valor da tarifa e informa até quando o pagamento deve ser feito – 15 dias após a passagem pelo pórtico. Quem usa tag tem o valor lançado em sua conta com desconto direto de 5%, segundo a empresa.

Outra opção de pagamento são os totens de autoatendimento instalados em cinco bases da concessionária na rodovia Rio-Santos, em Ubatuba, Paraty, Angra dos Reis (2) e Mangaratiba.

O gerente de Operações da CCR RioSP, Rodolfo Martinez Borrel, disse que o sistema free flow é o futuro da tarifação de pedágio no Brasil e, por ser uma inovação, ainda opera em ambiente experimental.

“Estamos dando atendimento às reclamações, mas é uma pequena parcela de usuários. Junto com a ANTT, buscamos soluções para tornar o sistema muito acessível inclusive para pessoas que não têm muita familiaridade com as tecnologias”, afirma ele.

Borrel lembra que, antes de propor o pedágio de fluxo livre, a empresa foi conhecer modelos que funcionam no Chile, Europa e Estados Unidos.

Conforme o gerente da concessionária, é importante o usuário fazer o cadastro no aplicativo da CCR RioSP para ter benefícios, como o desconto progressivo para o usuário frequente do trecho que pode chegar a 70%.

“A evasão está dentro do patamar esperado para o projeto que vimos quando visitamos outras soluções pelo mundo afora. A taxa de adimplência é muito alta, em torno de 90%, num sistema inovador como este e numa rodovia que nunca foi ‘pedagiada’”, acrescenta ele.

“Isso mostra que toda a evolução que estamos fazendo no sistema e nos canais de pagamento vão nos permitir consolidar esse primeiro projeto de free flow no Brasil, o que é importante para que ele possa ser reproduzido no País”, disse.

Borrel afirma que o sistema está bem sinalizado, com placas no local dos pórticos e outras 70 faixas ao longo da rodovia.

Além disso, destaca um trabalho de divulgação em cidades lindeiras à rodovia e distribuição de folders em postos de abastecimento e hotéis na região.

Ele reconhece que a evasão é bem maior que no pedágio convencional, mas diz que não são dados comparáveis, já que os comportamentos dos usuários são diferentes nos dois sistemas.

O gestor contou que o contrato original previa praças convencionais na Rio-Santos. Quando a empresa percebeu que havia uma tendência de pagamentos eletrônicos mesmo nos pedágios convencionais, fez todo sentido propor o free flow. “Hoje, mas praças convencionais, há menos de 11% de pagantes em dinheiro. Quase 90% pagam por meio eletrônico, com cartões ou tags.”

Saiba como tirar dúvidas

A ANTT informou, em nota, que acompanha o desenvolvimento do sistema free flow e solicita melhorias à concessionária. “Vale destacar que qualquer adversidade no sistema free flow pode ser corrigida ou adaptada com base em sinalizações dos usuários e análises técnicas”, disse.

Desde agosto, para facilitar a consulta dos débitos, os clientes não precisam mais informar a data e horário da passagem pelos pórticos. Basta se cadastrar no site ou aplicativo da CCR RioSP e, em até 48 horas, os valores aparecem nos canais para pagamento.

Quanto às multas, os motoristas têm a opção de apresentar contestação preferencialmente de forma eletrônica (https://processos-radar.serpro.gov.br), ou, no caso de residentes no Rio, na Regional da ANTT, à avenida Augusto Severo, n.o 84, 6.o andar, Edifício Barão de Mauá, Bairro Glória.

Além dos canais de concessionárias, a agência disse que está à disposição dos usuários para orientar e tirar dúvidas sobre o pedágio free flow por meio dos canais de atendimento da Ouvidoria: telefone 166 ou o portal da Agência. Os usuários também devem contatar a concessionária pelo 0800 017 3536, WhatsApp 11 2795 2238 e www.ccrriosp.com.br.

Fonte: Estadão

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