“Qualquer associação de classe será tão forte quanto os seus membros queiram fazê-la.”

Maio Amarelo e a Inspeção Técnica Veicular (ITV)

O Brasil é um dos líderes globais em acidentes de trânsito. A ITV é indispensável para reduzir as emissões e evitar veículos circulando em condições inadequadas

20/05/2025

Por Karin Fuchs

A campanha Maio Amarelo começou no Brasil em 2014, criada pelo Observatório Nacional de Segurança Viária, como uma resposta à resolução da ONU, Organização das Nações Unidas, que estipulou a década (iniciada em 2011) como um período para promover ações por um trânsito mais seguro. No Brasil, a campanha tem como objetivo estimular o debate sobre segurança viária e promover a adoção de práticas sustentáveis de mobilidade urbana.

Por aqui, há um longo caminho a ser percorrido. Pelo ranking da Organização Mundial da Saúde (OMS), o Brasil é o 3º país do mundo com o maior índice de mortes em acidentes de trânsito. Segundo a Federação Nacional da Inspeção Veicular (Fenive), um programa nacional de Inspeção Técnica Veicular (ITV) só traria benefícios para a sociedade, podendo evitar acidentes, em função de veículos circulando em condições inadequadas, colocando em risco a população e agravando as consequências sociais e econômicas do trânsito no País. Confira a entrevista com Daniel Bassoli, diretor-executivo da Fenive.

Balcão Automotivo – A Fenive tem números referentes à redução de acidentes e de emissões de poluentes no período em que vigorou a Inspeção Técnica Veicular (ITV)? 

Daniel Bassoli – Infelizmente, o Brasil nunca implantou de fato um programa de ITV que englobasse a verificação dos sistemas de segurança veiculares, além das emissões de poluentes. Devido a uma peculiaridade da legislação brasileira, os requisitos referentes à segurança veicular são regulamentados pelo Contran, enquanto aqueles relativos às emissões têm regulamentação publicada pelo Conama.

O Conama fez o seu dever de casa, regulamentando a parte que lhe cabe sobre o artigo 104 do CTB. Por isso, o município de São Paulo conduziu com sucesso as inspeções ambientais por alguns anos. O Contran já tentou emplacar resoluções em algumas ocasiões, mas sempre sem sucesso. Inclusive, a resolução 716 de 2017, que foi a última tentativa, está suspensa por período indeterminado, sem justificativa plausível, aguardando a ser priorizada na agenda regulatória da Senatran para revisão. Enquanto a cidade de SP teve a inspeção, houve um benefício relevante na saúde das pessoas, com a redução dos poluentes veiculares, devido à manutenção provocada na frota.

BA – E quais foram os resultados em São Paulo?

DB – Segundo estudo da Faculdade de Medicina da USP, somente em 2011 foram evitadas 1.515 internações hospitalares e 584 mortes por problemas respiratórios. Sobre a inspeção de segurança veicular, há países como a Espanha, que possui programa consagrado de ITV, informando evitar mais de 15.000 acidentes ao ano, deixando de ter mais de 13 mil feridos e 150 mortes. Há diversos outros estudos realizados em países que adotam o programa há anos, que manifestam reduções de acidentes por falhas mecânicas entre 5% e 21%, como na Suécia (1992), Alemanha (1985) e EUA (1979).

BA – Quais são as iniciativas da Fenive para a Inspeção Técnica Veicular (ITV) no Brasil?

DB – A Fenive, como representante das associações de organismos de inspeção, levanta a bandeira da inspeção veicular naturalmente. Pois, acreditamos que um país dos que mais matam no trânsito deve buscar ações efetivas para reduzir o cenário inaceitável de fatalidades. A inspeção veicular é ferramenta fundamental para reduzir risco de sinistros por falhas mecânicas. Há vários exemplos de países que adotaram um programa de inspeção veicular periódico, com êxito para redução de mortes e lesões no trânsito.

Desta forma, a Fenive tem feito o seu trabalho junto à Senatran, Inmetro e ANTT para mostrar a necessidade de cumprimento da legislação de trânsito, no que tange à regulamentação dos artigos 104, 136 e 139A, que tratam, respectivamente, das inspeções periódicas da frota, dos escolares e das motocicletas para transporte de passageiros.

Em especial, atuamos em eventos realizados por diversas entidades (Inmetro, Sindirepa, Sindipeças, Confea, Fenemi, Sincopeças), enviamos releases para imprensa, realizamos campanhas nas nossas redes sociais, além da elaboração de estudos com outras entidades. Por exemplo, fizemos em 2021 um artigo junto com IPEA para mostrar o custo e benefício da inspeção veicular periódica da frota. Outra ação relevante é a participação de membros da Fenive na câmara temática para acompanhamento das ações do Pnatrans, que engloba a implantação da inspeção veicular.

Para ler o artigo completo sobre o custo e benefício da inspeção veicular periódica da frota, acesse: https://repositorio.ipea.gov.br/handle/11058/10836

BA – Há um movimento do setor de reposição automotiva, envolvendo as principais entidades representativas, para o retorno da ITV. Esse movimento é de conhecimento de vocês?

DB – Conhecemos o movimento. Somos parceiros tanto do Sinderepa Nacional quanto do Sincopeças na divulgação dos benefícios do programa de inspeção, que vai desde a redução de mortes e lesões por falhas mecânicas até benefícios para o setor de manutenção e vendas de peças. Vale lembrar que a frota brasileira nunca esteve com idade tão avançada e sofre com falta de manutenção preventiva. E um programa eficaz de reciclagem da frota só será possível com uma boa iniciativa de inspeção periódica para retirar os veículos em más condições de conservação das ruas.

BA – Uma das constatações das entidades do setor de reposição automotiva para o não retorno da ITV é por ela não ser ‘popular e um custo para a população’, outra, é a questão do veículo social, o qual a pessoa necessita dele para o seu sustento. Em sua opinião, o que falta para conscientizar a sociedade e os políticos sobre a importância da ITV como fator primordial para a redução de acidentes e de emissões de poluentes?

DB – Um programa de inspeção veicular periódico pode até ser visto como antipopular, já que irá forçar a manutenção da frota. A população vê iniciativa deste tipo como meramente arrecadatória, já que englobará nova taxa a cada serviço, bem como custos de manutenção. Do ponto de vista econômico, o custo e benefício de um programa de inspeção veicular é facilmente comprovável, já que o custo para a realização de serviço é muito menor que os custos referentes ao tratamento dos sinistros de trânsito, às perdas materiais, gastos com hospitalização e indenizações, por exemplo. Do ponto de vista humanitário, o benefício da redução do risco de falhas mecânicas em veículo é facilmente aceito quando se trata de redução de possibilidade de mortes e lesões nos membros queridos das nossas famílias.

BA – Finalizando, qual seria um modelo de ITV ideal para ser implementado no Brasil?

DB – O Brasil é um país de dimensões continentais, com características regionais muito diversas, sem precedentes no mundo. E, desta forma, o programa de inspeção não poderia ser operado da mesma forma em todas as partes do país. Acreditamos que os procedimentos técnicos devam ser fornecidos pela Senatran, de forma única para todo o Brasil, bem como os critérios de aprovação dos veículos. Entretanto, o modelo de operação das estações de inspeção deve garantir atendimento em todo o País, com equipamentos móveis para realização dos serviços em localidades remotas ou com frota pequena, e grandes organismos de inspeção em cidades grandes, com grandes frotas, com objetivo de alta produtividade.

As estações devem possuir alto grau de automação e integração entre dispositivos, para maior transparência e confiabilidade dos processos, com realização rápida do serviço. Os departamentos estaduais devem realizar a fiscalização destas empresas, bem como coordenar o seu credenciamento conforme regras federais. Dependendo da região, pode-se ou não realizar as inspeções ambientais, conforme necessidade levantada em inventário de emissões. E, finalmente, o programa deve ser escalonado, inspecionando, em primeiro lugar, os veículos com maior idade e que possam oferecer maior severidade em sinistro, como os caminhões. Obviamente, deveremos adotar boas práticas já testadas e consagradas nos países com grande experiência na operação de ITV. Temos vizinhos que podem ajudar muito, como a Argentina, Chile, Peru e Equador, além dos europeus que mantêm seus processos há décadas.

Fonte: Balcão Automotivo

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