Por Priscila Ferreira
“Os veículos pesados de carga e transporte de passageiros, apesar de representarem somente 4% da frota, são responsáveis por 40% dos sinistros fatais”. Para o médico do tráfego e diretor administrativo da Associação Brasileira de Medicina do Tráfego (ABRAMET), Dr. José Heverardo Montal, o ser humano não só não é biologicamente evoluído para lidar com o impacto de uma máquina desta proporção, como grande parte dos acidentes podem ser evitados.
Ao fim de mais um Maio Amarelo, em meio a muitas campanhas realizadas por diversas entidades, órgãos governamentais e empresas, o assunto, ainda assim, é pauta para o ano todo. Reforçar campanhas de segurança no trânsito este mês eleva a discussão, mas as estatísticas continuam apontando um aumento preocupante no número de sinistros ano a ano.
Em 2022, a Polícia Rodoviária Federal (PRF) registrou 170 mil sinistros (evento indesejado) nas Rodovias Brasileiras. Esse número deixou 70,8 mil feridos e quase 8 mil mortos, números que representam aumento de 28% em relação a 2021.
Para o Dr. Heverardo, a entidade atribui esse aumento a alguns fatores como: as alterações de humor causadas pelo isolamento e o estresse social do período, o que pode ter levado condutores a um comportamento menos pacífico no trânsito; a redução de carros nas vias, que pode ter elevado velocidade dos veículos, métrica definida pelo médico como “principal vilão do trânsito”. Ele enfatiza que a velocidade não apenas provoca acidentes, como agrava grande parte deles. “Temos impressão que esses fatores poderiam explicar o aumento da sinistralidade nesse período”, explica.
Fator humano
Por meio dos dados da PRF, a ABRAMET analisou que 80% dos sinistros foram motivados exclusivamente pelo chamado fator humano (imprudência ou transgressão às leis de trânsito). De acordo com o médico, quase nunca existe uma causa única para um acidente no trânsito. Geralmente, é uma “somatória de falhas que acontece no mesmo tempo e no mesmo espaço.”
Dito isso, Dr. Heverardo define o ser humano como a causa principal em todas as ocorrências. “Por exemplo, o motorista sai com uma mercadoria no seu caminhão sem ter dormido direito, com o pneu ‘careca’, está chovendo e a pista está mais escorregadia. O limpador de para-brisa não está em perfeita condição, o freio não está bem regulado, a manutenção não está em dia. Essa somatória de fatores é o que vai provocar o acidente”.
Saúde em dia
A associação chama a atenção para a importância dos cuidados com a saúde, pois entre as categorias mais recorrentes de causas de acidentes estão a falta de atenção, ingestão de álcool e substâncias psicoativas, sonolência do condutor e o mal súbito.
“Quando esse ser humano tem uma doença orgânica, por exemplo uma hipertensão que pode levar a um infarto, uma síncope, um derrame, um AVC, isso, somado com as outras condições, vai aumentar ainda mais a possibilidade que esse sinistro ocorra”, salienta o diretor administrativo.
O executivo reforça que, atualmente, a medicina do tráfego já avançou com recursos capazes de prever grande parte dessas doenças que podem provocar sinistros. Por isso a importância de realizar os exames periódicos dentro do prazo estabelecido pela legislação.
Levantando todas essas questões como preveníveis, Dr. Heverardo tem a convicção de que é possível reduzir muito esse número e controlar de maneira efetiva. “A própria Organização Mundial de Saúde diz que cada país terá o número de mortos no trânsito que estiver disposto a tolerar, nós ainda somos muito tolerantes com sinistros de trânsito.”
O papel das transportadoras
Segundo o Dr. Heverardo, um condutor comum de automóvel dirige, em média, 250 horas por ano. Já um motorista de caminhão ou ônibus, dirige mais de 2500 horas por ano, o que eleva muito o tempo de exposição ao risco. Ele também leva em consideração de que se começa a dirigir com uma condição física e à medida que a atividade é realizada, há um desgaste comum. “Depois de oito horas dirigindo continuamente, você dirige como se estivesse embriagado, seria algo como ter tomado uma garrafa de aguardente”, compara.
Para ele, o fato de o ganho financeiro desse profissional estar relacionado as entregas realizadas, o motorista, muitas vezes, se sente obrigado a usar estimulantes para continuar a viagem.
“Como poderíamos diminuir os sinistros de trânsito que são provocados por esta condição sob a exigência do trabalhador precisar trabalhar exaustivamente e se colocar em risco, e aos outros demais usuários, para conseguir sobreviver dignamente com um ganho que seja considerado justo? Isso tudo pode ser possibilidade de regulação no sentido de evitar mortes, acidentes e esses efeitos indesejados no trânsito”, completa.
Além disso, tecnologias de segurança e monitoramento são sempre bem-vindas. “Hoje já existe tecnologia que permite que você detecte se o condutor está com sono, muitas empresas já utilizam essa tecnologia. Já existem equipamentos que detectam se o condutor está alcoolizado ou não, os alcolocks (foto) são um mecanismo que não permitem que a ignição dê a partida se o condutor estiver alcoolizado.”
Maio Amarelo
As campanhas de conscientização reforçam os meios e comportamentos seguros que grande parte dos motoristas já conhecem, muitos que, inclusive, são obrigatoriedades, como é o caso do cinto de segurança, por exemplo. Mas na prática, as estatísticas apontam que comportamentos inseguros acontecem com maior frequência do que se espera.
O diretor administrativo da ABRAMET tem a percepção de que existe uma forma de negligência humana em relação aos sinistros de trânsito, por isso o Maio Amarelo vem como esse fator importante de lembrança anual das práticas seguras. “A mobilidade humana paga um preço que não precisava pagar para se movimentar.”
Mas, embora as campanhas estejam concentradas somente no mês de maio, “a prevenção é algo que deve estar na cabeça de cada um a todo tempo. Todas as vezes que você pega a chave do seu carro, você tem que estar motivado a ser a conviver no trânsito de uma maneira cidadã, sob pena de pagar um preço muito alto”, finaliza Dr. Heverardo.
Fonte: Frota&Cia