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Implicações da insegurança jurídica nas regras trabalhistas superam R$ 9 bilhões

11/11/2024

Evento debateu custo da insegurança jurídica no campo trabalhista

Estudo inédito da FecomercioSP revela que custo dos casos analisados é decorrente de decisões que divergem — e até contradizem — a legislação vigente

A insegurança jurídica no campo trabalhista, causada por leis ambíguas e decisões judiciais de caráter voluntarista, está entre os principais obstáculos a investimentos e geração de empregos de qualidade no Brasil. Esse cenário instável gera custos elevados tanto para as empresas quanto para o setor público, impactando também o preço de bens e serviços consumidos pelos trabalhadores.  

Segundo estimativas de um estudo inédito da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (FecomercioSP), que analisou dez casos reais, o efeito direto nas despesas corporativas supera os R$ 9 bilhões.* Essa incerteza jurídica surge de decisões que divergem e, por vezes, até contradizem a legislação vigente, gerando custos financeiros desproporcionais aos benefícios sociais, uma situação que tem se agravado no País. Como consequência, empresas que cumprem as leis são sobrecarregadas por custos adicionais diretamente relacionados à falta de segurança jurídica. 

O estudo foi conduzido por José Pastore, presidente do Conselho de Emprego e Relações de Trabalho, em parceria com o Conselho Superior de Direito, presidido pelo jurista Ives Gandra Martins, ambos órgãos da Entidade. Os dados foram analisados por grupo de trabalho multidisciplinar e apresentado durante evento conjunto dos conselhos ocorrido na última sexta-feira (8), que contou com a presença de juristas, advogados e desembargadores, além de palestras dos ministros Maria Cristina Irigoyen Peduzzi e Ives Gandra Martins Filho, ambos do Tribunal Superior do Trabalho (TST). O evento ainda teve a participação dos economistas Hélio Zylberstajn e Fabio Pina e dos empresários Alexandre Furlan e Fernando Perez. 

Com o apoio de ferramentas de jurimetria da Data Lawyer, o levantamento analisou o alcance e os custos desses dez casos, ilustrando como o “voluntarismo” judicial afeta o ambiente trabalhista no Brasil, gerando despesas significativas para as empresas, os trabalhadores e o Erário. “Aquilo que nós estudamos nessas situações, na verdade, se multiplica por outras centenas de milhares que existem no Brasil, em contextos em que as sentenças vão se afastando das leis e, às vezes, são até contra elas”, alertou Pastore durante o evento. 

A partir da esquerda: Maria Cristina Irigoyen Peduzzi, ministra do TST; Ives Gandra Martins, presidente do Conselho Superior de Direito da FecomercioSP; José Pastore, presidente do Conselho de Emprego e Relações de Trabalho da FecomercioSP; Ivo Dall’Acqua Júnior, presidente em exercício da FecomercioSP; e Ives Gandra Martins Filho, ministro do TST

Confira, a seguir, os destaques do estudo. 

O custo da gratuidade da Justiça do Trabalho

A Justiça do Trabalho concede isenção de custas processuais a 76% dos reclamantes que solicitam esse benefício, mesmo em caso de abundância de recursos financeiros desses indivíduos, o que não justifica a gratuidade.  

Com essa prática, a despesa  das custas processuais é transferida para o Erário, totalizando mais de R$ 1,1 bilhão nos últimos cinco anos. Além disso, o pagamento de peritos absorve anualmente cerca de R$ 100 milhões das verbas públicas. Desde a decisão da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5.766, em 2021, houve um novo aumento de ações, o que tem elevado ainda mais os gastos públicos. 

Vale lembrar que essa ADI, julgada pelo Supremo Tribunal Federal (STF), abordou a constitucionalidade das novas regras para a gratuidade de justiça, entre outros pontos da Reforma Trabalhista de 2017. 

O custo da desconsideração de Norma Regulamentadora (NR) 

Em dezembro de 2014, o STF estabeleceu uma  tese vinculante no sentido de que o direito à aposentadoria especial decorre da efetiva exposição do trabalhador a agente nocivo à sua saúde, vinculando assim, outros julgamentos de mesma natureza, por força do Tema 555, tendo, ao mesmo tempo, estabelecido presunção da incapacidade de eliminação de ruídos pelo uso de protetores auriculares. 

Com isso, passou-se a exigir das empresas o pagamento de alíquota adicional para a aposentadoria especial, obrigação de natureza previdenciária, incidente sobre a folha de pagamento dos empregados expostos aos agentes nocivos, com alíquotas de 6%, 9% ou 12% (§ 6º do art. 57 da Lei 8.213/91), inclusive de forma retroativa. Ocorre que diversas decisões da Justiça do Trabalho adotaram essa mesma presunção sobre a ineficácia dos protetores auriculares, passando a conceder adicional  de insalubridade e a penalizar o descumprimento dessa obrigação.  

Nos últimos cinco anos, foram registradas mais de 500 ações desse tipo na Justiça do Trabalho e mais de 27 mil na Justiça Federal, totalizando mais de R$ 4 bilhões em disputas judiciais. Considerando, de forma conservadora, um índice de condenação em torno de 50%, os custos gerados pela controversa decisão do Supremo ultrapassaram R$ 1,7 bilhão no período. 

O custo financeiro das interpretações da Reforma Trabalhista 

A Reforma Trabalhista (Lei 13.467/2017) passou a regulamentar as relações de emprego com efeitos imediatos, incluindo o fim do pagamento das horas in itinere. O termo refere-se ao tempo que o trabalhador gasta em deslocamento entre a própria residência e o local de trabalho.  

Contudo, ainda que a questão já esteja estabelecida em lei, tramita no Tribunal Superior do Trabalho (TST) um Incidente de Resolução de Recursos Repetitivos, para responder à seguinte questão: as empresas terão de continuar pagando direitos antigos para contratos em andamento, ou poderão se ajustar totalmente à nova legislação para todos os trabalhadores, até mesmo para contratos antigos? 

A decisão do Pleno do TST pode expor as companhias a um grande passivo trabalhista. Nos últimos cinco anos, mais de 9 mil ações foram ajuizadas nessa área, somando um valor superior a R$ 1,4 bilhão. Uma indústria com cem empregados, por exemplo, pode ser obrigada a arcar com R$ 1,2 milhão por ano apenas para o pagamento dessas horas. Mais preocupante do que o montante em si é o precedente que essa decisão poderá criar, permitindo a extensão desse critério para outras regras da Reforma Trabalhista. 

O custo da generalização da periculosidade  

Segundo decisão da Justiça do Trabalho, em decorrência do armazenamento de líquido inflamável usado pelo gerador de energia, o adicional de periculosidade é devido ao reclamante, uma vez que todo o espaço interno de um edifício de vários andares foi considerado como área de risco. 

Essa decisão foi tomada a despeito de a NR 16 restringir a periculosidade apenas aos trabalhadores que entram efetivamente na bacia de contenção dos tanques de inflamáveis. Uma empresa de grande porte, ocupando vários andares com pessoal administrativo, foi obrigada a reservar mais de R$ 108 milhões anuais para cobrir o risco imposto pela sentença judicial. Nos últimos cinco anos, mais de 3 mil ações semelhantes foram movidas, afetando diversas empresas. 

O custo da desconsideração da terceirização 

Embora as leis da Reforma Trabalhista e da Terceirização (13.429/2017) tenham autorizado e regulamentado a prática para qualquer atividade, muitas decisões judiciais ainda anulam contratos de terceirização em atividades-fim. Nos últimos cinco anos, foram mais de 40 mil ações desse tipo, totalizando mais de R$ 7 bilhões em disputas judiciais. Mesmo com uma estimativa conservadora, em que 20% dessas ações sejam julgadas procedentes, as empresas lidariam com despesas superiores a R$ 1,4 bilhão nesse período. Vale lembrar que, em 2020, o próprio STF reconheceu a constitucionalidade da lei.  

O custo da desconsideração do banco de horas 

Muitos julgados têm desconsiderado o banco de horas estabelecido regularmente por negociação coletiva. No setor de atendimento domiciliar (home care), isso resultou em cerca de 22 mil ações nos últimos cinco anos, com um valor estimado em quase R$ 2,5 bilhões. 

Mesmo frente a um cálculo conservador, essas decisões geraram um aumento de mais de R$ 500 milhões em despesas para as famílias dos pacientes no período analisado. Além disso, há custos adicionais para as empresas desse ramo e para o Erário, já que algumas famílias recorrem ao Sistema Único de Saúde (SUS) por não conseguirem arcar com o tratamento domiciliar. 

O custo da desconsideração da prevalência do negociado 

A resistência de diversos magistrados à prevalência do negociado sobre o legislado tem levado à anulação de acordos e convenções coletivas. Uma empresa, por exemplo, foi obrigada a desembolsar R$ 5,3 milhões para atender a sentenças de 92 ações trabalhistas desse tipo.  

Só nos últimos cinco anos, foram registradas mais de 25 mil ações dessa natureza, com valores totais de R$ 3,96 bilhões e custos efetivos para as empresas de quase R$ 1,2 bilhão. “A espinha dorsal da Reforma Trabalhista foi o prestígio da negociação coletiva. E essa base é enfraquecida por decisões da Justiça do Trabalho, contrárias até mesmo à orientação da Suprema Corte”, advertiu o ministro Gandra Martins Filho, do TST.

O custo do ‘limbo previdenciário’ 

Muitas empresas estão sendo condenadas a pagar salários, benefícios e encargos a empregados licenciados que foram considerados aptos para o trabalho pelos médicos do INSS, mas inaptos pelos médicos das próprias empresas. Esses pagamentos retroativos incluem juros e correção monetária. Nos últimos cinco anos, ocorreram aproximadamente 18 mil ações do tipo, totalizando mais de R$ 2,4 bilhões e resultando em uma despesa de cerca de R$ 490 milhões para as empresas. 

O custo da desconsideração das dispensas coletivas 

Embora a Reforma Trabalhista esclareça que dispensas sem justa causa — individuais, múltiplas ou coletivas — devem ser tratadas da mesma forma, sem a necessidade de autorização sindical ou de acordo coletivo, muitas decisões judiciais continuam a contrariar essa diretriz.  

Nos últimos cinco anos, tramitaram mais de 14 mil ações pedindo indenizações e reintegrações, somando mais de R$ 4,5 bilhões.  

Mesmo considerando uma estimativa conservadora de 20% de procedência dessas demandas, as empresas precisaram arcar com aproximadamente R$ 900 milhões em custos imprevistos, uma vez que a lei equipara as dispensas coletivas às individuais, impactando diretamente o planejamento produtivo e, em alguns casos, a viabilidade do próprio empreendimento. 

O custo da desconsideração do prazo de prescrição 

Uma empresa celebrou um acordo coletivo no qual se comprometeu a pagar o adicional de insalubridade ou periculosidade retroativamente, a partir do momento em que os empregados foram expostos ao agente nocivo. O TST entendeu que, ao concordar com o pagamento retroativo, a empresa renunciou implicitamente ao prazo prescricional. Com isso, a companhia foi obrigada a pagar esses adicionais desde a data de admissão dos empregados. 

Em uma indústria com 200 empregados, com um salário médio de R$ 3 mil e tempo médio de serviço de oito anos, o pagamento do adicional de periculosidade (30%), limitado ao prazo prescricional de cinco anos, resultaria em uma despesa de R$ 10,8 milhões, sem considerar juros e correção monetária.  

Para cumprir a decisão do TST, a empresa precisará pagar, a cada empregado, R$ 10,8 mil por ano, totalizando R$ 86,4 mil por pessoa ao longo de oito anos. No total, para os 200 funcionários, a despesa alcançará R$ 17,280 milhões. 

A importância da redução das imprecisões legais e do equilíbrio entre direitos e custos

O Conselho de Emprego e Relações de Trabalho da FecomercioSP destaca ser essencial que os poderes públicos atuem para minimizar e, se possível, eliminar as imprecisões nas leis, nos atos administrativos e nas decisões judiciais voluntaristas que se afastam do marco legal. “Essas decisões são influenciadas por fatores humanos, como o grave quadro de desigualdade no Brasil. Essas deliberações são influenciadas por ideologias, posicionamentos políticos, pressão da opinião pública e, por vezes, pela desconsideração do fato de que todo direito tem um custo. No exercício da magistratura, o maior desafio é equilibrar as necessidades dos trabalhadores com os limites dos empresários e do próprio governo na esfera econômica”, salientou Pastore. 

Gandra Martins, da FecomercioSP, destacou que a segurança jurídica é um pilar essencial para a estabilidade e o desenvolvimento do País. Dessa forma, “quando o Judiciário assume posições interpretativas que entram no campo legislativo, surgem incertezas que impactam negativamente a confiança de investidores e cidadãos. Por outro lado, quando os poderes trabalham em harmonia e respeitam as próprias competências, os cidadãos e as instituições se beneficiam de um sistema jurídico confiável e equilibrado. Sem isso, será muito mais difícil criar oportunidades e espaço para o desenvolvimento social”, ressaltou. 

Maria Cristina, do TST, complementou destacando que “só podemos constituir uma sociedade democrática e livre, regida pelo direito, se os cidadãos tiverem expectativas normativas estáveis sobre os seus direitos e obrigações. Esse é o caminho para garantir a estabilidade social, que anda de mãos dadas com o crescimento econômico”, frisou.

Ivo Dall’Acqua Júnior, presidente em exercício da FecomercioSP

Por fim, Ivo Dall’Acqua Júnior, presidente em exercício da FecomercioSP, concluiu que “o equilíbrio é fundamental para que a economia flua e a cidadania seja respeitada tanto na sua individualidade quanto na sua organização. Esse tema em discussão não é nosso único objetivo. Estamos engajados em uma verdadeira modernização do Estado, defendendo uma Reforma Administrativa que também elimine a insegurança jurídica para quem emprega e gera renda.” 

*Observação de cautela! Quanto ao montante de R$ 9,348 bilhões, algumas ressalvas devem ser consideradas: é possível que as empresas tenham recorrido de algumas decisões, reduzindo o valor final; o leading case pode envolver outros temas correlatos, influenciando o resultado das ações; e, por fim, o porcentual de precedentes utilizado foi sempre conservador. Além disso, existem impactos indiretos ainda não quantificados, que também podem representar custos relevantes para o setor.

Fonte: FecomercioSP

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