A data da sanção presidencial e da publicação no Diário Oficial da União (DOU) da Lei Complementar (LC) 190/2022, em 4 de janeiro, instaurou um clima de insegurança jurídica nos casos em que há recolhimento do diferencial de alíquotas do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (Difal/ICMS) nas operações e prestações entre os Estados envolvendo consumidores finais não contribuintes do imposto.
Isso porque os efeitos de tal alteração levantam dúvidas sobre a aplicação do princípio da anterioridade à LC 190/2022; se as normas estaduais são válidas mesmo editadas antes da Lei Complementar; e se a base do cálculo do Difal está sobreposta, ou seja, com incidência de tributo sobre tributo.
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O tema – fundamental e do interesse das empresas contribuintes de ICMS – tem sido acompanhado pela Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (FecomercioSP). Assim, o debate sobre tais questionamentos foi o assunto central da primeira reunião deste ano do Conselho Estadual de Defesa do Contribuinte de São Paulo (Codecon-SP), mediada pela vice-presidente do Conselho, Valdete Marinheiro.
“A Lei Complementar 190/2022, resultado do Projeto de Lei (PL) 32/2021, após ter sido aprovado no Senado Federal, foi aprovado pela Câmara dos Deputados em 16 de dezembro de 2021, mas a falta da sanção por parte do Executivo até o dia 31 de dezembro do mesmo ano levanta a dúvida sobre a data de vigência da legislação. O assunto é de abrangência nacional e, portanto, também tem relevância para o Estado de São Paulo”, explica Valdete.
Na análise do tributarista Fernando Facury Scaff, professor titular de Direito Financeiro da Universidade de São Paulo (USP), Doutor e Livre Docente em Direito Pela USP e advogado sócio do escritório Silveira, Athias, Soriano de Mello, Bentes, Lobato & Scaff Advogados, a data para aplicação da LC 190 será motivo de divergência entre os envolvidos. “Não tenho a menor dúvida que os estados cobrarão o Difal em 90 dias decorridos da publicação da referida lei. Então, haverá confusão a partir de 1º de abril, com bloqueios e exigências de pagamentos. Os conflitos entre o Fisco e o contribuinte vão surgir em todos os estados porque em muitos deles já foram publicados regulamentos (comunicados, portarias etc.) prevendo tal cobrança”, alerta.
Princípio da anterioridade
Diante dessa possibilidade, Scaff lembra que essa lei deveria obedecer aos princípios da anterioridade plena, previstos na Constituição Federal, que buscam, justamente, proteger os contribuintes de serem surpreendidos pelos entes tributantes, trazendo maior segurança jurídica. O texto diz que está vedada a cobrança de tributos “no mesmo exercício financeiro em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou”. Assim, o Difal somente poderia ser exigido no próximo exercício financeiro, em 2023.
Além da questão do ano, o princípio de anterioridade está previsto em dispositivo da Constituição que diz ser proibida a cobrança de tributos “antes de decorridos noventa dias da data em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou”.
Estados de origem e de destino
Sobre a anterioridade, uma vez tendo sido publicada essa lei no dia 4 de janeiro de 2022, os efeitos só poderão ser efetivados no ano seguinte, a partir do primeiro dia do próximo ano. O argumento do Fisco para cobrar o Difal em 2022 é de que esse não se trata de novo tributo, mas somente de divisão de tributo já existente e, logo, não se submete ao princípio da anterioridade.
Tal defesa cai por terra com a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) decorrente do julgamento da ADI 5.469 e do RE 1.287.019, que se baseia na Emenda Constitucional 87, de 2015 – a EC 87/15 criou uma nova relação jurídico-tributária entre o remetente do bem ou serviço (contribuinte) e o estado de destino nas operações com bens e serviços destinados a consumidor final não contribuinte do ICMS. Em síntese, para os ministros do STF, houve, portanto, substancial alteração na sujeição da obrigação tributária. Isso reitera que caberá ao estado localizado no destinatário o imposto correspondente à diferença entre a alíquota interna do estado destinatário e a alíquota interestadual.
Antes da EC 87/15, o consumidor do estado de origem adquiria mercadoria pela internet e o ICMS ficava integralmente com este estado, embora o consumo tenha ocorrido no estado de destino.
Caminhos a seguir
Diante do problema apresentado, Scaff diz que as entidades que tiverem competência constitucional podem ingressar com ações diretas junto ao Supremo Tribunal Federal (STF) para questionar a constitucionalidade da norma, podendo os contribuintes ingressarem com medidas judiciais individuais para resguardar o direito de não serem cobrados por este imposto neste ano.
“Ao menos seis pedidos de liminar foram apresentados em São Paulo, sendo três concedidos e três negados, e, pelo menos, mais três pedidos liminares foram feitos na Bahia, Espírito Santo, e Distrito Federal, todos favoráveis ao contribuinte”, enfatiza o tributarista.
Fonte: FecomercioSP