Aftermarket automotivo se mobiliza em favor de política setorial

Histórica falta de representatividade da reposição independente já custou muitas derrotas. Mas, agora, com a chegada de inovações como o carro conectado, situação pode ficar crítica caso o setor não se organize para a legítima defesa de seus direitos (Por Claudio Milan claudio@novomeio.com.br)
Aftermarket automotivo se mobiliza em favor de política setorial
Encontro reuniu lideranças como Heber Carvalho, presidente do Sincopeças-SP; Rodrigo Carneiro, presidente da Andap; e Francisco De La Tôrre, ex-presidente do Sincopeças-SP

Retomando os eventos presenciais, o Sincopeças de São Paulo realizou em 6 de julho, no auditório da entidade, um encontro que teve como destaque palestra do consultor Luiz Sergio Alvarenga, da Alvarenga Projetos Automotivos.

Com 30 anos de experiência no mercado, Alvarenga fez um apanhado em detalhes dos principais desafios que se apresentam para a reposição independente considerando, em especial, o momento disruptivo decorrente de tendências já concretizadas como digitalização e conectividade veicular.

Entre estes desafios surge a necessidade de fortalecer as ações do movimento Right to Repair (direito à reparação), uma urgência que vai se intensificar com a presença cada vez maior nas ruas de carros equipados com o SGW – Security Gateway, uma espécie de “porteiro” que cuida da segurança dos carros conectados contra a invasão de hackers, mas que também tem a habilidade de impedir o acesso dos reparadores independentes ao “cérebro” eletrônico dos veículos, leitura indispensável para o diagnóstico

de defeitos e a realização dos reparos. “Isso já é uma realidade, esses carros estão nas ruas. As oficinas não conseguem mais acessar as informações e ficam reféns das concessionárias”, expôs o palestrante.

O Right to Repair faz parte de um conjunto de demandas legítimas e importantes do mercado que, afinal, estarão contidas dentro de uma política setorial que está sendo desenhada para o aftermarket automotivo num trabalho conjunto das entidades de representação de distribuição, varejo, reparação e retíficas. A proposta será respaldada por avanços já conquistados, como a recente Norma ABNT para os vendedores de autopeças e o novo anuário do varejo, que será lançado em agosto na feira Autop, em Fortaleza (CE). O evento contou com as presenças de Rodrigo Carneiro, presidente da Andap; Heber Carvalho, presidente do Sincopeças-SP; Francisco De La Tôrre, ex-presidente do Sincopeças-SP, Sérgio Fabiano, gerente de Serviços Automotivos do IQA; além de empresários e gestores de todos os elos do mercado de reposição independente.

Aftermarket tem feito a lição de casa visando à organização do setor

Requisitos para a elaboração da política setorial

Embora ainda haja fases a superar, o aftermarket automotivo já avançou bastante nos últimos anos no que se refere à organização, algo fundamental para elaborar uma política setorial eficiente que possa balizar o mercado nos próximos anos.

“Seria impossível chegar ao Governo sem um mínimo de organização e acreditação pública. Setor sem norma não é nada. Setor sem certificação não é nada. Setor sem capacitação não é nada. Setor sem evidencias de organização não é nada”, diz Luiz Sergio Alvarenga.

Felizmente, muitos destes   requisitos   que   nortearão   a   política setorial do aftermarket automotivo já foram preenchidos. E outros estão encaminhados.

CONSTRUÇÃO DE INDICADORES BÁSICOS

Realizado: Anuário de Reparação da Indústria de Veículos do Brasil (Sindirepa), Anuário do Sindipeças/Abipeças, Anuário da Indústria Automobilística Brasileira (ANFAVEA), Anuário da Distribuição Automotiva no Brasil (Fenabrave) e Anuário do Comércio de Autopeças do Brasil (Sincopeças-BR), a ser lançado na feira Autop, no Ceará.

NORMALIZAÇÃO TÉCNICA ABNT

Realizado: Norma ABNT NBR 16999 – Qualificação do Vendedor de Peças e Acessórios para Veículos, a primeira norma para o comércio. A reparação já tem mais de 25 normas ABNT publicadas.

A realizar: Mais normas para o comércio.

QUALIFICAÇÃO PROFISSIONAL E INFORMAÇÃO TÉCNICA

Realizado: Informação técnica oficial centralizada sob o manto das marcas Carro 100%, Moto 100% e Caminhão 100%.

A realizar: Qualificação profissional diferenciada por meio de uma Universidade do Aftermarket. Adequação dos cursos e treinamentos das indústrias aos requisitos da norma.

CERTIFICAÇÕES

Realizado: Certificação IQA para o profissional da reparação, Certificação IQA para o estabelecimento da reparação.

A realizar: Certificação IQA para o vendedor de autopeças, prevista para 2023.

COMUNICAÇÃO

Realizado: Fontes oficiais de informações seguras e bandeiras levantadas pelo setor: www.sindirepabrasil.org.br, www.sincopecasbrasil.org.br, www. sindipecas.org.br, www.andap.org.br, www.conarem.org.br

LEGISLAÇÃO

Realizado: Acompanhamento de legislações vigentes.

A realizar: Desenvolvimento de novas legislações como, por exemplo, Right to Repair.

UNIÃO ESTRATÉGICA

A finalizar: União entre as entidades Andap, Sincopeças-BR, Sindirepa Brasil e Conarem em alinhamento com o Sindipeças.

Alvarenga lamenta a forma com que o aftermarket independente sempre foi tratado nos círculos do poder

Mercado terá de definir uma bandeira

O que não falta ao mercado independente de manutenção veicular é um cardápio de causas legítimas a serem defendidas. Direto à reparação, revisão da substituição tributária, combate ao comércio ilegal nas plataformas eletrônicas e implantação da inspeção técnica veicular são apenas algumas destas causas que surgem quase que por inércia nos debates. Mas há muitas outras.

Hoje, com uma nova configuração de oferta e demanda no setor, o mercado mudou, saiu da zona de conforto e foi convidado a atualizar o mindset. As reclamações, recorrentes em todos os elos do trade, não trarão as respostas que o momento cobra e mercado precisa. Cientes de que é impossível ocupar todas as frentes de batalha que configuram as demandas do aftermarket automotivo, as entidades que elaboram a política setorial da reposição terão de eleger uma causa – uma “bandeira” – para defender no primeiro momento. Esta definição provavelmente ocorrerá em agosto, em reunião que precederá a abertura da Autop 2022, em Fortaleza (CE), quando as lideranças das entidades que representam todos os elos da reposição independente pretendem bater o martelo e anunciar o novo momento de união do setor.

Em sua apresentação no Sincopeças-SP, Sergio Alvarenga citou como exemplo a bandeira adotada pela entidade europeia CLEPA – European Association of Automotive Suppliers (Associação Europeia de Fornecedores Automotivos). “Lá eles estão questionando a deliberação do Parlamento Europeu sobre a proibição da venda de veículos com motores de combustão a partir de 2035. A entidade produz documentos com informações concretas para respaldar suas argumentações – como os empregos envolvidos – e têm representatividade nos círculos do poder. Coisa que não existe no Brasil”.

A nova fase que as lideranças do mercado pretendem anunciar em agosto buscará garantir que as demandas do mercado sejam ouvidas em Brasília. “Temos que ter um caminho com parlamentares no Congresso, como ocorre lá fora. É revoltante o que o Estado brasileiro faz com um setor como esse. Pode ser, em parte, falha nossa? Pode. Mas há uma coisa estranha lá de desacreditação e menosprezo com um setor de tanta importância e tanto investimento no cenário nacional. Isso ocorreu com as políticas automotivas, como o InovarAuto e o Rota 2030, que tratam basicamente de produção e não de pós-venda. O mercado de reposição não está no Rota 2030. O poder público não conhece a reposição, não sabe como funciona”. Mostrar às autoridades o valor e a importância do mercado independente será um dos desafios que a união que está sendo formatada terá de enfrentar. “A gente tem que se organizar, documentar, criar um bom anteparo oratório por escrito, eleger os parlamentares adequados e entrar no jogo. Uma das diferenças entre nós e o canal original é que ele é técnico e cerca por ali, não tem a questão comercial. Nós somos 90% comerciais na reposição. Nós temos que mudar o drive do pensamento, estamos reclamando muito das dores do passado, mas precisamos plantar garantias para minimizar os riscos do futuro, porque o que vem pela frente tira a gente do jogo. O jogo da conectividade é alucinante. Você não tem mais uma tomada de OBD no carro, vamos morrer na mão de alguém que vai dar a diretriz do negócio. Essas questões têm de sensibilizar um parlamentar, mas para chegar nisso é preciso ter essência, fundamentos, se não ele vai achar que o setor é uma bagunça”.

Dono do carro dará sustentação às demandas do setor

Em comparação ao poder econômico e de lobby do chamado mercado original – as montadoras – a reposição independente sempre sairá em desvantagem. Por isso, é fundamental adotar uma estratégia inteligente para sensibilizar os legisladores. Um dos caminhos já está traçado e tem como referência conquistas obtidas no exterior.

“Na Europa, desde a Lei Montti tudo se respalda no consumidor”, diz Sérgio Alvarenga. A Lei Montti foi assinada em 1º de outubro de 2002 em Genebra, na Suíça, para garantir aos reparadores independentes igualdade de condições com as concessionárias. Uma das frentes em que o consumidor será determinante é o movimento Right to Repair, que envolve uma questão extremamente sensível nos dias de hoje: a propriedade dos dados gerados em tempo real pelo carro conectado.

“O que temos de fazer é batalhar para o dono do carro ter a informação. Não é só a gente que está discutindo isso, vai ter

o pessoal do celular, um monte de gente brigando para que os consumidores tenham o poder. E aí você movimenta a massa, então fica difícil para um político ir contra, cria-se uma situação que envolve a liberdade de escolha do consumidor. Por que a gente vai ter medo da escolha do consumidor se nós sempre fomos o canal prioritário para ele? Dá liberdade pra ele”. Cada vez mais os dados gerados pelo cidadão conectado valem ouro. No caso do automóvel, a questão é complexa e exigirá muito debate. É razoável supor que uma pessoa possa ter a propriedade das informações resultantes do uso de seu veículo. Só que hoje os caminhos da mobilidade são amplos e estão em transformação. Muita gente já optou pelo carro por assinatura, que não é próprio. Em casos como esse, a quem pertence a informação? Para o aftermarket automotivo, é fundamental que seja de propriedade do usuário do automóvel. “Os dados não podem ser do carro”, dispara Luiz Sergio Alvarenga.

Carro conectado gera dados o tempo inteiro, mas propriedade das informações não foi definida

Fonte: Novo Varejo – Fotos: Claudio Milan e Shutterstock

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