Por Pedro Kutney
O ano termina para a indústria automotiva no Brasil com uma certeza: as projeções de vendas e produção de veículos não serão atingidas, ficarão abaixo das estimativas feitas no início de 2025, que já não eram muito boas, e também aquém das revisões para baixo feitas nos últimos meses. Contudo, diante dos juros altos que o Banco Central impôs ao País, os resultados estão longe de ser um desastre, pois são os melhores desta década.
Em 2026, ante forças contrárias e favoráveis que tendem a se anular, as apostas até o momento convergem para um ano igual ou até um pouco melhor do que este, mas obviamente longe das ambições dos fabricantes e importadores que sempre querem situação muito melhor do que o mercado brasileiro pode dar levando-se em conta o preço alto dos veículos e a renda média baixa da população.
Justamente por causa desse desnível, de bens muito mais caros do que a maiorias das pessoas pode pagar, os resultados vistos até agora, mesmo com crescimentos insignificantes, são melhores do que sugerem as estatísticas sociais. No cenário atual a conclusão é de que o tamanho da indústria automotiva no Brasil, ao menos por enquanto, é este mesmo: gira na casa de produção e vendas de 2,6 milhões a 2,7 milhões de veículos por ano, o que não é exatamente um número ruim, mas abaixo do propalado potencial do País.
Os volumes só estão neste nível porque muita coisa mudou para melhor na economia brasileira nos últimos três anos, especialmente o nível de emprego e renda que vem garantindo crescimentos do PIB sempre maiores do que alguns azedos economistas gostariam, fãs que são da vassalagem dos governos ao mercado financeiro. Mas para puxar para cima os volumes de vendas e produção de veículos no País muita coisa mais teria de mudar, o que não parece ser o caso no horizonte visível dos próximos anos.
Projeções vencidas
Este ano as projeções das entidades que reúnem fabricantes e concessionários de veículos foram vencidas pela realidade do juro alto, com a Selic em 15%, o maior patamar em quase vinte anos, que puxou as taxas dos financiamentos para impagáveis 29% a 27% ao ano, de acordo com as médias monitoradas pelo BC ao longo de 2025.
A Anfavea, que fez apenas uma revisão de suas projeções, no meio do ano, ainda sustentava pró-forma em dezembro crescimento de 5% nas vendas de veículos este ano, o que seria um mercado anual de 2,76 milhões, incluindo automóveis, comerciais leves, caminhões e ônibus. Mas a realidade de 2,41 milhões de unidades emplacadas em onze meses já jogou por terra a previsão, pois seria necessário emplacar 355 mil veículos em dezembro só para atingir a estimativa, volume que nunca foi atingido nesta década.
A própria Anfavea já admitiu esta impossibilidade, na voz de seu presidente executivo, Igor Calvet, na recente divulgação de resultados da indústria, no início de dezembro: “Não vamos refazer agora nossas projeções mas parece certo que não vamos atingir a previsão que fizemos, pois em dezembro as vendas precisam crescer 38% [sobre o mesmo mês de 2024] para chegar ao volume projetado”.
Dezembro tem sido o melhor mês em volume de emplacamentos nos últimos três anos e o de 2024 foi o melhor, com 257,4 mil registros, quando a Selic ainda estava em 12,25% mas os bancos já cobravam taxa média de 29,5% ao ano.
Portanto, levando-se em conta promoções e esforços e vendas na reta final de 2025, seria uma aposta razoável a repetição próxima do número de emplacamentos de dezembro de 2024. Esta seria a melhor das hipóteses e levaria o total do ano para perto de 2,67 milhões de unidades vendidas, cerca de 100 mil abaixo da estimativa da Anfavea, anotando pífio crescimento de 1,3% sobre 2024.
Claro que pode ser um pouco melhor do que isto, mas a tendência é que pode ser um pouco pior. Na média o cenário é de estabilidade, o que não é ruim diante de preços e juros estabilizados em patamar muito elevado.
Pior para uns, melhor para outros
Os resultados de vendas em 2025 não são homogêneos. Neste quadro o grande perdedor foi a indústria fabricante de veículos instalada no Brasil, com crescimento anual, até novembro, de apenas 0,5% nos emplacamentos de veículos leves, e queda de 0,3% considerando só automóveis.
O Programa Carro Sustentável, que isentou de IPI os modelos mais baratos e econômicos produzidos no País, serviu para segurar o desempenho, que seria ainda pior sem eles. Com 47 mil emplacamentos estes veículos representaram 31% das vendas de automóveis nacionais em novembro, mas este porcentual cai a 21% quando se considera o total vendido, incluindo importados.
E os grandes vencedores foram justamente os importados, especialmente os vindos da China. As vendas de veículos leves produzidos fora do Brasil avançaram 7,6% nos volumes contabilizados de janeiro a novembro, e para automóveis isoladamente o salto foi ainda maior, de 11,5%.
Com mais de uma dúzia de marcas já à venda os automóveis chineses invadiram o mercado brasileiro e continuam chegando aos montes, com oferta modelos elétricos e híbridos a preços inferiores de concorrentes similares nacionais ou importados de outras procedências.
Segundo números contabilizados pela Anfavea os emplacamentos de carros importados da China, este ano até novembro, somaram quase 162 mil unidades, e havia mais 212,4 mil em estoque nos portos e concessionárias à espera da conclusão das vendas.
Forças opostas em 2026
O próximo ano que se aproxima, na visão da Anfavea e de analistas, tende a ser parecido com 2025, pois o ano será influenciado por forças opostas que podem se anular.
O vento favorável virá da esperada redução das taxas de juros: com a inflação comportada na casa dos 4% as projeções do relatório de mercado Focus, do BC, apontam para cortes graduais da Selic de 0,25 a 0,5 nas oito reuniões do Copom ao longo do ano, totalizando 3 pontos porcentuais, para fechar dezembro em 12%.
Embora o ritmo de redução dos juros seja muito lenta e a taxa prevista para o fim de 2026 ainda seja muito alta, com efeito prático na economia que demora meses à frente para acontecer, os cortes têm efeito psicológico imediato positivo, pois indicam futuro mais otimista, o que pode se transmitir para o consumo de veículos financiados a partir do meio do ano.
A redução dos juros é combinada com o menor nível de desemprego da história, que faz crescer a renda disponível, aumentada ainda por algumas medidas tomadas este ano que beneficiam o consumo em 2026.
A principal destas medidas é a isenção de imposto de renda para quem ganha até R$ 5 mil e a redução da alíquota para ganhos até R$ 7,3 mil. Somente isto poderá injetar R$ 28 bilhões na economia.
Mas os bancos calculam que muito mais dinheiro será injetado no consumo dos brasileiros em 2026, algo no intervalo de R$ 160 bilhões a R$ 180 bilhões, considerando, além de gastos menores com juros e o imposto de renda, reduções esperadas nas contas básicas de luz, água e gás, bem como linhas de credito mais baratas.
Até aqui tudo bem, mas também sopram ventos contrários. Os juros, como se viu, devem continuar muito altos e a tendência vislumbrada de queda lenta pode fazer o consumidor mais bem informado esperar mais por taxas aceitáveis.
Sinais recentes apontam que os juros estratosféricos já fizeram seu serviço sujo e por isto as apostas são de economia mais contida, com expansão menor do PIB: as projeções do Focus convergem para crescimento de 1,8% em 2026, contra esperados 2,25% este ano. Aqui fica o desejo para que os economistas que confundem torcida com projeções errem mais uma vez e que o crescimento seja maior do que o projetado, como ocorreu nos últimos três anos.
Outro ponto é a Copa do Mundo no meio de 2026: analistas dizem que o evento ludopédico costuma atrasar decisões de compras dos brasileiros – a não ser o da compra de televisores para assistir aos jogos.
Também é ano de eleições, com debates polarizados e escândalos que costumam envenenar a economia e turbinar a volatilidade do mercado financeiro, com altas do dólar e quedas de bolsa que mexem com as expectativas e afetam os humores dos compradores mais endinheirados, justamente aqueles que ainda compram carros atualmente e torcem para que Lula não seja reeleito.
A questão será, portanto, saber quais forças serão mais fortes em 2026: as que favorecem o crescimento ou as que são contrárias a ele. Até o momento a indicação é que uma anula a outra e fica tudo parecido com 2025. Não será ruim, tampouco bom.
Até 2026
Este Observatório Automotivo, o de número 103 desde janeiro de 2022, quando passou ser publicado por diversos sites do setor automotivo, é o último de 2025. Mas logo estará de volta: este colunista retoma os trabalhos na segunda quinzena de janeiro, não sem antes agradecer a generosidade dos leitores que vêm impulsionando recordes de acesso a este conteúdo, sempre escrito com o intuito de informar e interpretar os movimentos da indústria automotiva.
A todos que acompanharam até aqui, contra ou a favor, meu muito obrigado pela leitura. Que em 2026 tenhamos todos um ano bom, com mais boas do que más notícias.
Fonte: AutoData



































