Projeto trata apenas das regras de recolhimento do ICMS e não aumenta a carga tributária e não haverá ônus para o consumidor brasileiro
Em sessão semipresencial nesta quarta-feira (4), o Plenário do Senado aprovou o projeto de lei complementar que regulamenta a cobrança do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) sobre vendas de produtos e prestação de serviços a consumidor final localizado em outro estado (PLP 32/2021). Do senador Cid Gomes (PDT-CE), a matéria foi aprovada de forma unânime, com 70 votos. Relatado pelo senador Jaques Wagner (PT-BA), o projeto regulamenta alterações constitucionais feitas em 2015 e segue agora para a análise da Câmara dos Deputados.
— É importante destacar que não haverá ônus para o consumidor brasileiro — ressaltou Cid Gomes, ao lembrar que o projeto trata apenas das regras de recolhimento do ICMS e não aumenta a carga tributária.
Pela proposta, que regula a Emenda Constitucional 87, nas transações entre empresas e consumidores não contribuintes de ICMS de estados diferentes, caberá ao fornecedor recolher e repassar o diferencial para o estado do consumidor. Antes da EC 87, inserida na Constituição em 2015, o ICMS ficava integralmente para o estado em que se localizava a empresa vendedora nos casos em que o comprador do produto ou serviço não fosse empresa contribuinte desse imposto. Depois da EC 87, os estados dos consumidores passaram a receber parte desse imposto. Para se adequar ao novo texto constitucional, os estados estabeleceram, por acordo, regras de cobrança e compensação do pagamento do ICMS. Mas a Justiça decidiu que essas regras só poderiam ser estabelecidas por meio de lei complementar. O projeto aprovado nesta quarta pelo Senado atende a essa determinação, transformando em lei federal as regras definidas pelo Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz), que reúne as secretarias de Fazenda dos estados.
Antes da Emenda 87, se uma empresa de São Paulo vendia determinado produto a um consumidor pessoa física do Amapá, por exemplo, ela recolhia o imposto para São Paulo com a alíquota estabelecida pelo governo paulista. Ocorre que, do ponto de vista do Amapá, não havia arrecadação de ICMS sobre uma operação que envolvia consumidores desse estado. Como a grande maioria dos produtores de mercadorias e dos prestadores de serviços estão nas Regiões Sul e Sudeste, os consumidores localizados em regiões menos desenvolvidas tendem a comprar nos estados dessas duas regiões. Assim, as regras anteriores faziam com que os estados mais ricos arrecadassem ainda mais impostos, dispondo de mais recursos para investimentos. Isso alimentava a tendência de perpetuação ou até de aprofundamento das desigualdades regionais.
Diferencial de alíquotas
Para resolver a divergência entre as demandas dos estados, a Emenda Constitucional 87 estabeleceu que toda transação de bens e serviços entre fornecedores e consumidores de estados diferentes estaria sujeita ao pagamento, ao estado onde o bem ou serviço foi consumido, da diferença entre a alíquota interestadual e a alíquota interna do estado do consumidor, o chamado diferencial de alíquotas ou Difal. Antes, o Difal só era pago ao estado onde o bem ou serviço foi entregue se o consumidor fosse uma empresa contribuinte do ICMS. A alíquota interestadual é definida por resolução do Senado, por iniciativa do Executivo ou de um terço dos senadores.
Segundo o relator do PLP 32/2021, Jaques Wagner, estendendo a obrigatoriedade do repasse do Difal às transações em que o consumidor não é contribuinte do ICMS (Difal a não contribuinte), a grande maioria pessoas físicas, a EC 87 trouxe equilíbrio à distribuição da receita do imposto entre as unidades da Federação.
Responsabilidades
A fim de definir o responsável por pagar o diferencial, a norma separou os consumidores entre os que estão sujeitos ao ICMS (empresas) e os que não recolhem o imposto, como as pessoas físicas, por exemplo. Pela norma, quando uma empresa que paga ICMS consome um produto ou serviço vindo de outra unidade da Federação, é ela quem deve pagar o diferencial de alíquota ao seu estado. Já no caso do consumidor pessoa física, o fornecedor do produto ou serviço é quem paga o diferencial.
Dessa forma, se uma empresa paulista vendeu uma geladeira por R$ 1 mil a uma empresa paranaense e a alíquota interna do Paraná é de 18% e a alíquota interestadual sobre o comércio entre os dois estados é de 12%, a empresa de São Paulo deve recolher 12% ao governo paulista e a empresa paranaense pagará ao Paraná o valor da diferença, de 6%.
Ou seja, a grosso modo, apenas para ilustrar (os custos do transporte e outros também integram a base de cálculo do imposto, alterando os valores devidos), dos R$ 180 que serão cobrados de imposto, R$ 120 serão pagos ao governo paulista pelo remetente do produto ou serviço e os outros R$ 60 serão pagos pela empresa consumidora (destinatária) ao governo do Paraná.
Mas, se foi uma pessoa física quem comprou a geladeira, a diferença deve ser paga pelo próprio fornecedor ao governo do Paraná. Ou seja, a empresa paulista que vendeu à pessoa física arcará sozinha com os mesmos R$ 180, destinando R$ 120 para São Paulo e R$ 60 para o Paraná.
Lacuna legal
Por entender que os estados tinham autonomia para regular essa emenda à Constituição, em 2015 o Confaz, que reúne os secretários da fazenda dos estados e é presidido pelo ministro da Economia, definiu normas para a cobrança do ICMS no novo formato criado pela Emenda 87.
A regulamentação do Confaz, no entanto, gerou uma enxurrada de ações judiciais. Sindicatos patronais e entidades como o Sebrae questionaram as regras na Justiça, alegando que é dificílimo calcular o diferencial e recolher o imposto para cada venda a pessoas físicas em estados diferentes, cada um com sua própria legislação e inúmeras peculiaridades, o que teria, inclusive, levado várias empresas que vendem pela internet a fecharem as portas.
Em fevereiro, o Supremo Tribunal Federal (STF) deu ganho de causa às empresas, declarando serem inconstitucionais as normas do Confaz sobre o recolhimento do diferencial de alíquotas. Para os ministros, a regulamentação deveria ser feita por lei complementar, e não por convênio, como fez o conselho.
Ressalte-se que a cobrança do ICMS é considerada das mais complexas do país. As alíquotas internas de cada estado, por exemplo, variam conforme o produto ou serviço. Também a base de cálculo do imposto (o valor total sobre o qual serão aplicadas as alíquotas) varia, normalmente incluindo as despesas de transporte e até outros tributos. Ou seja, o fornecedor de mercadorias e serviços a consumidores de vários ou de todos os estados tem que conhecer a legislação de cada um para calcular tanto o ICMS a ser pago ao estado de origem quanto o Difal a ser recolhido para o estado de destino do produto ou serviço.
A proposta
Para sanar a lacuna apontada pelo STF, Cid Gomes apresentou o PLP 32/2021. Pela proposta, nas transações entre empresas e consumidores não contribuintes de estados diferentes, cabe ao fornecedor recolher e repassar o diferencial para o estado do consumidor, conforme determinado pela Constituição. Da mesma forma, o diferencial entre as alíquotas do ICMS sobre o serviço de transporte interestadual deve ser recolhido pela transportadora ao estado do consumidor não contribuinte. Caso a mercadoria ou serviço seja destinada a um estado diferente daquele em que está o consumidor, o diferencial será devido ao estado em que a mercadoria efetivamente entrou ou onde ocorreu o destino final do serviço.
Ainda pelo PLP 32/2021, o diferencial entre as alíquotas do ICMS sobre o serviço de transporte interestadual deve ser recolhido pela transportadora ao estado do consumidor não contribuinte. Caso a mercadoria ou serviço seja destinada a um estado diferente daquele em que está o consumidor, o diferencial do ICMS será devido ao estado em que a mercadoria efetivamente entrou ou onde ocorreu o destino final do serviço.
Com relação às operações entre fornecedores e empresas contribuintes do ICMS, Cid Gomes argumentou não ser necessário novas regras porque a Lei Kandir (Lei Complementar 87, de 1996) já regula satisfatoriamente a questão. Por fim, o texto original considerava válidas as normas do Confaz e dos estados sobre a cobrança do diferencial. O relator, no entanto, aceitou emenda da senadora Rose de Freitas (MDB-ES) para retirar esse dispositivo, considerado inconstitucional porque o sistema jurídico brasileiro não contempla possibilidade de se validar um ato declarado inconstitucional pelo STF.
Urgência
Como os ministros do STF declararam a inconstitucionalidade das regras do Confaz válida apenas a partir de janeiro de 2022, obrigando as empresas não optantes do Simples Nacional a recolherem o Difal a não contribuinte até o fim deste ano, de modo a que os estados não sofressem perdas no período de 2016 a 2021, os entes federados têm pressa na aprovação do PLP 32 porque precisam manter a receita do diferencial. Eles alegam que a declaração de inconstitucionalidade das normas do conselho causaria perdas de R$ 9,84 bilhões anuais aos estados.
Para garantir essa arrecadação no ano de 2022, a nova lei complementar precisa ser publicada até 1º de outubro de 2021. Isso porque a legislação exige um período de três meses entre a publicação de mudanças nas leis tributárias e a sua entrada em vigor, a chamada noventena; e também proíbe a mudança na tributação no mesmo ano em que essa mudança foi feita na lei. Pela proposta, a nova lei complementar entrará em vigor na data de sua publicação, produzindo efeitos apenas a partir do primeiro dia de 2022, observando o prazo mínimo de 90 dias.
Ainda pelo PLP 32/2021, o diferencial entre as alíquotas do ICMS sobre o serviço de transporte interestadual deve ser recolhido pela transportadora ao estado do consumidor não contribuinte. Caso a mercadoria ou serviço seja destinada a um estado diferente daquele em que está o consumidor, o diferencial do ICMS será devido ao estado em que a mercadoria efetivamente entrou ou onde ocorreu o destino final do serviço.
— O projeto chega em boa hora. Temos urgência em aprová-lo — pediu Jaques Wagner, lembrando os prazos para a lei fazer efeito.
Emendas
Além de ajustes na redação do texto, o senador Jaques Wagner acatou três das quatro emendas apresentadas. A senadora Rose de Freitas (MDB-ES) teve duas sugestões aceitas. Além da retirada do artigo que previa convalidar os efeitos das legislações tributárias estaduais, ela apresentou uma outra emenda, de redação, para deixar mais claro o artigo que trata da responsabilidade tributária do destinatário e do remetente da mercadoria.
O senador Izalci Lucas (PSDB-DF) também teve uma emenda acatada. Assim, a futura lei vai entrar em vigor na data de sua publicação, produzindo efeitos a partir do primeiro dia do ano seguinte ao de sua publicação e após decorridos noventa dias desta. O argumento de Izalci é que é proibido cobrar tributos no mesmo exercício financeiro em que tenha sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou e antes de decorridos noventa dias da data da publicação. O texto original fazia referência apenas ao prazo de 90 dias.
Apoio
O senador Oriovisto Guimarães (Podemos-PR) elogiou a iniciativa do autor e o trabalho do relator. Ele classificou o relatório como “brilhante”. Os senadores Veneziano Vital do Rêgo (MDB-PB), Nelsinho Trad (PSD-MS), Zenaide Maia (Pros-RN) e outros senadores também elogiaram o teor da proposta. O líder do governo no Senado, senador Fernando Bezerra (MDB-PE), disse que o projeto atende às demandas dos estados consumidores, principalmente os das regiões Norte e Nordeste. Ao defender a aprovação da matéria, Jorginho Mello (PL-SC) afirmou que o texto final foi muito bem construído.
— Muito obrigado, em nome de todos os empresários do Brasil — afirmou Jorginho.
Fonte: Agência Senado – Crédito da imagem: Internet