Por Bruno de Oliveira
“Em 2003, alguém da indústria imaginava que a tecnologia flex fuel teria no futuro um papel de protagonismo na descarbonização?”, pergunto a Henry Joseph Junior. “Ninguém”, responde o diretor técnico da Anfavea, sentado em sua sala na sede da associação. Em uma das paredes, emoldurado, está o tratado que instituiu o Programa Nacional do Álcool, o Proálcool.
E nem havia como saber. Afinal, naquele momento em que estreava o primeiro veículo com motor flex do país, um Volkswagen Gol, todos os holofotes das montadoras estavam voltados para uma demanda econômica: com a chance de poder escolher o combustível, o consumidor poderia abastecer seu veículo com a opção que estiver mais barata no distribuidor.
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Hoje, 20 anos depois e com uma participação de 80% na frota circulante brasileira, o veículo flex deixa de ser apenas uma alternativa às oscilações dos preços dos combustíveis. Passa a ser também um instrumento chave no processo de descarbonização que ganha corpo no país e, mais ainda, um trunfo brasileiro no contexto global das políticas ambientais.
“O veículo flex brasileiro abastecido com etanol, se fizermos a medição de suas emissões do poço à roda, ou seja, da plantação da cana até o escapamento, ele polui menos do que qualquer modelo elétrico europeu”, conta o diretor técnico da Anfavea, construindo o argumento com base na matriz energética da Europa, onde predomina a geração de eletricidade por meio da queima do carvão.
Por que o veículo flex virou a bola da vez?
Afora o baixo nível de emissões de CO² proporcionado pelo etanol, há uma outra vantagem em sua aplicação que fez a maioria das montadoras de veículos instaladas no país adotá-lo como protagonista no processo descarbonização nacional.
A possibilidade de reduzir as emissões dos veículos apenas com o abastecimento do etanol, sem que sejam feitas alterações significativas no powertrain de automóveis e comerciais leves, soa como redução de custo aos ouvidos das fabricantes.
“Enquanto empresas na Europa investem pesado para modificar as linhas de produção e também os veículos, que passam a ser eletrificados, aqui no Brasil nós conseguimos reduzir em 30% as emissões do veículos apenas mudando o tipo de combustível no tanque”, explicou João Irineu Medeiros, diretor de compliance de produto da Stellantis na América do Sul.
“O Brasil resolve em meses o que o mundo está tentando há décadas”, disse Fábio Ferreira, diretor de produtos da divisão de powertrain da Bosch, uma das empresas pioneiras na tecnologia flex fuel no país. “O flex não apenas ajuda o país a reduzir as emissões agora, como também vai ajudar a próxima geração de motores a ser mais limpa, no caso, a geração híbrida.”
Flex dá fôlego para a transição energética rumo à descarbonização
A situação, segundo o executivo, permite ao Brasil uma transição mais longa rumo à eletrificação pura da frota circulante. E isso vem a calhar, considerando que o Estado e toda a cadeia produtiva não dispõem de recursos suficientes para financiar uma transformação profunda, como é a eletrificação, rapidamente.
Na teoria, com esse fôlego proporcionado pelo veículo flex, há tempo hábil para que parcerias público-privadas consigam regular e investir na criação de uma estrutura de recarga suficiente para abastecer um contingente maior de modelos eletrificados. Pelos lados da indústria, haveria tempo para que montadoras e fornecedores se adequarem a uma nova realidade produtiva.
Segundo estimativas do banco de investimentos JP Morgan, a infraestrutura de recarga de veículos elétricos para China, Europa e Índia vai demandar um investimento total de US$ 1,7 trilhão. No Brasil, segundo estudo da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), o aporte necessário estaria entre US$ 210 bilhões e US$ 300 bilhões.
Fonte: Automotive Business