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Varejo generalista ainda é melhor estratégia apesar da diversificação da frota

07/11/2024

Dificuldades e alternativas para a gestão dos estoques foram questões importantes abordadas no painel que debateu o varejo de autopeças no Seminário da Reposição Automotiva 2024

Por Claudio Milan

Empresários, gestores, profissionais e lideranças de entidades do aftermarket automotivo participaram, no dia 15 de outubro,  da 30ª edição do Seminário da Reposição Automotiva, realizada em São Paulo (SP). O evento trouxe para o varejo apresentações de especialistas e painéis que abordaram temas presentes no dia a dia do mercado brasileiro.

O painel “Expansão de marcas e modelos na frota circulante – desafios dos varejistas” debateu questões importantes para o varejo de autopeças, entre elas a formação dos destoques num ambiente marcado pela crescente diversidade de marcas e modelos que compõem a frota brasileira. A dificuldade cada vez maior de atender a todas as demandas tem levado os varejistas a recorrerem ao popular ‘retira’, o balcão de atendimento dos distribuidores que vende produtos unitários que são retirados na hora em geral pelos motoboys da loja.

Nas páginas a seguir, apresentamos a cobertura das principais apresentações do Seminário da Reposição Automotiva 2024, evento organizado pelo Grupo Photon com o apoio da Abrafiltros, Andap, Anfape, Asdap, Conarem, Sicap, Sincopeças Brasil, Sindipeças e Sindirepa Brasil.

MEDIADOR
Marcelo Gabriel, Diretor de Desenvolvimento de Negócios da Latin America for Business – LA4B

DEBATEDORES
Luiz Galhardo, CEO da Autopeças Gisela
Matheus Dias, CEO da Método Autopeças Elite Consultoria
Neno Oliveira, CEO da Go!Mec Autopeças

Marcelo Gabriel – A gente saiu do modelo, que eu costumo brincar, do Pacheco – Passat, Chevette, Corcel – para a variedade que a gente tem hoje. Como é seu dia a dia em relação à demanda? Porque, do que eu conheço desse mercado, quando chega no balcão, provavelmente o carro já está aberto na oficina e a peça tem que estar lá. Como você endereça essas questões?

Luiz Galhardo – Eu tenho 31 anos no varejo de autopeças e, realmente, as coisas mudaram muito. Você falou do Passat, eu lembro do Fusca, da Kombi, e eram muitos componentes que se vendiam para esse tipo de carro. Ao longo do tempo isso vem mudando a cada dia e você tem que estar antenado. Que decisão tomar, como fazer – até uma brincadeira aqui, a IA é uma inteligência que você viu aqui o quanto ela vai contribuir para nós no mercado de reposição, distribuição. Mas aí, a IA o que é? E agora? O que eu faço com essa evolução? Eu vou estar antenado com o consumidor e com o reparador, como fazer para sempre atualizar a loja para que você nunca fique para trás? Porque a maioria das lojas começa pequena, nós éramos em 12 funcionários, hoje estamos em mais de 40. É um crescimento não só de peça, mas em tudo, em tecnologia, colaboradores e você tem que buscar essa evolução, se ficar olhando para o vizinho, para a concorrência… ou toda vez que chega um fornecedor seu, você fala, ‘e aí, como é que tá’? ‘Ah, tá ruim’. Eu falo muito que o lojista tem essa mania, ‘tá ruim, tá ruim’. Está ruim até onde? O que você está fazendo para crescer e evoluir a cada momento? Você está olhando o cenário, está buscando novos conhecimentos? Entende o que está acontecendo na sua região, o que você precisa fazer para atender a demanda da região? Você tem que estar conectado a tudo isso.

Marcelo Gabriel – Existe, como o Luiz falou, tomada de decisão. E uma decisão que a gente tem que tomar é sobre o dinheiro. Não há recursos ilimitados, tem um dinheiro que a gente vai decidir onde alocar. O que a gente enxerga, de modo geral, é que os grandes atacadistas optam por alocar os recursos nos itens de alto giro, não necessariamente de alta margem, mas é alto giro. Porque precisam ter retorno sobre esse capital. Só que a gente tem um crescimento, do outro lado, de outros veículos, vamos chamar de curva B, curva C, ou cauda longa, que, provavelmente, no fornecedor usual você não vai encontrar. Que estratégia você toma para encontrar fornecedores dos itens que não estão disponíveis no teu fornecedor habitual?

Neno Oliveira – Tem que tentar outros. Eu, na verdade, sempre trabalhei sob demanda. Quando iniciei no varejo, vi muitas lojas grandes, com muito estoque, quebrarem. Então, eu não olho muito para os vários carros que estão aparecendo no mercado, sendo vendidos. Eu olho para a minha microrregião, que é onde consigo atuar, onde está a minha limitação. Apareceu, esse carro existe no bairro, eu corro lá, compro, faço o estoque antecipado. Sempre procurei trabalhar muito com caixa, uma margem de condição financeira, nunca entrei em concorrência. A minha forma de atuar sempre foi assim.

Marcelo Gabriel – Matheus, o que te levou a esse mercado? E como você administra essas questões do dia a dia? O Neno falou que trabalha com estoque pequeno. E algo que se tornou muito corriqueiro nos distribuidores atacadistas é a boqueta do retira. E aí é retira o tempo todo.

Matheus Dias – Estou há pouco tempo, profissionalmente falando, mas eu nasci dentro de uma autopeça, meu pai tem autopeça. Depois que me formei em Direito, trabalhei com Advocacia e fui convidado a trazer um pouco do profissionalismo do setor jurídico, que é um meio com muito profissional capacitado. O nível é muito alto, e isso ajuda os escritórios a terem sucesso, ganhar muito dinheiro. E eu vim com a proposta de trazer o profissionalismo para as autopeças via consultoria. Vários colegas, hoje, falaram da indústria, da distribuição, e a gente aqui no varejo, não sei se vocês concordam comigo, mas o nosso setor é o mais amador de todos, o mais ilegal, e é o setor com mais invasão. A gente não consegue invadir a fábrica, mas a fábrica consegue invadir o nosso cliente. Todas as distribuidoras estão no nosso cliente. A gente não consegue acessar o fornecedor dessa distribuidora. E eu costumo ver as oportunidades. Então, não reclamo, para mim foi a oportunidade que vi de um meio que podia se tornar mais profissional, por isso eu entrei nele.

Marcelo Gabriel – O retira é um reflexo dessa condição de mercado. Você cresceu no meio das autopeças e deve lembrar como seu pai fazia a compra, como era o processo, e era uma coisa meio de olhar para o retrovisor. Eu vou repor o que eu vendi, e não tinha uma análise preditiva. E o que acontece? Eu não tenho no meu retrovisor o que eu nunca vendi, porque começaram a demandar. Então, eu vou para cima do retira. Até que ponto a gente vai continuar com isso? Você falou que o varejo é um dos mais amadores da cadeia. Mas, por outro lado, ele tem um papel fundamental, é o encontro entre a demanda e a oferta. Ele tem um papel importantíssimo na estratégia da nossa cadeia. Já que você está trazendo esse olhar jurídico, mais organizado, mais profissional, como você enxerga todas essas práticas?

Matheus Dias – Essa questão é bem importante. Falando, então, de um setor amador, a gente tem mão de obra com baixa qualificação. É difícil achar profissionais. Você abre na Catho, no LinkedIn, e não tem uma vasta opção de compradores, por exemplo, com essa inteligência de mercado, enquanto fábricas e distribuidoras conseguem ter salários bons e bons profissionais. A consultoria nasceu disso, para trazer esse conhecimento mais fácil. E com a profissionalização do varejo, a gente faz uma estratégia de compra baseada num giro em que você consegue diminuir a retira, que tem custo altíssimo. Imagina quanto esse cara gasta de moto. Inclusive, tem um detalhe que tem acontecido bastante: a saída de grandes vendedores do varejo para comprar direto dos fornecedores, utilizando as tecnologias de Uber e todas as motos de aplicativo. Ele fica em casa vendendo porque tem a carteira, ele manda o aplicativo no fornecedor e entrega no cliente. Ele montou uma autopeça só com a carteira dele. Fica a dica para as autopeças: tirem o acesso dos vendedores de vocês ao cliente final. Não pode mais. Hoje, a gente tem diversas opções de aplicativos de WhatsApp, você corta e aí o cliente é da loja, não do vendedor.

Marcelo Gabriel – O que a gente vê ao longo da história é que esses profissionais foram criados dentro do ambiente do varejo. Começou lá como estoquista, foi para a frente, acabou virando um comprador. Temos hoje a certificação de competências do vendedor de peças e acessórios. Foi uma consulta pública, transformou-se numa norma ABNT e hoje você tem, junto ao IQA, essa certificação. Isso já chegou à sua loja? E como você enxerga esse tipo de iniciativa para valorizar a profissão?

Luiz Galhardo – É difícil ter um profissional que consiga buscar qualificação no mercado. Não existe curso técnico, não existe faculdade para se tornar vendedor de autopeça. A faculdade vai ser o dia a dia. Como você falou, ele começa bem lá embaixo. Eu falo por mim, comecei limpando balcão, lavando o banheiro, varrendo loja. Hoje eu sou proprietário. Não da mesma loja, mas eu comecei ali. Só que isso vai do interesse de cada um. Em seis meses, eu já comecei a atender balcão. A tecnologia é muito boa, é fantástica, só que ela tem tirado nosso interesse pelo carro. Um jovem, hoje, não quer saber de carro, é tudo Uber. Ele não quer carro próprio, não quer lavar o carro, não quer trocar um rolamento, uma pastilha, coisa que você fazia antigamente. Com a tecnologia, o cara quer ser influencer, ser um youtuber. Então, você tem cada vez mais dificuldade de ter profissionais nessa área, tem que formar. O que vai te ajudar a alavancar? É sair da caixinha e buscar inovação. Buscar tecnologia, sistemas que vão te dar precisão de compra e venda, ajudar a atender essa demanda, ferramentas que vão buscar a sua região, o seu nicho de mercado. O que a minha autopeça pode fazer para atender aquela região? Como o Matheus também colocou, hoje muitos fornecedores atravessam. Lógico que a gente sabe que muitos ainda têm ética e não fazem isso. Busque parceria com fornecedores sérios, compromissados. Essas parcerias vão te ajudar a evoluir e atender essa demanda. Porque não tem como buscar um cara na faculdade. Tem que formar o cara do nada ali, né? E o cara que tem que gostar. Se não gostar de carro, ele simplesmente vai focar em querer vender. E precisa ter tecnologia para te ajudar a desenvolver o conhecimento. Cadastro, sistemas de consulta da placa de carro, o sistema garante mais precisão na venda do produto, que nem sempre é assertiva. Não importa o tamanho da sua empresa. Se você não buscar essa evolução contínua, vai ficar parado. A minha empresa cresceu quando eu tirei os olhos do retira. Se não tiver uma formação de estoque, a gente vai na contramão. Talvez seja uma ou duas peças lá, mas se você viver de retira, não ganha dinheiro. A sua negociação no retira é péssima, é seis por meia dúzia. Agora, quando você vai para uma negociação e começa a ser agressivo no mercado, aí a história muda. Você começa a ter preço, rentabilidade e fluxo de caixa. Se você ficar vivendo de retira contínua, não vai evoluir nunca. E tem autopeça que não muda, é um negócio feio, dá até medo de entrar. Hoje a aparência no comércio de autopeças não pode ser assim. Tem muita mulher, muita gente nova, filhos que vão a um lugar desse e o cara não entra. Os reparadores não são mais aquela caverna. Você tem que acompanhar essa evolução.

Marcelo Gabriel – A gente tem observado nos últimos anos uma tentativa das montadoras de se aproximar do mercado de reposição. Seja com as peças genuínas, seja com suas marcas próprias. A concessionária é um parceiro, um fornecedor ou um concorrente?

Neno Oliveira – Quando eu falei que trabalho sob demanda, minha pesquisa é sob demanda, e eu não trabalho com retira. Essa questão da retira, 1% para mim é considerado ok. É 1% dentro daquilo que eu não quero deixar no meu estoque, mas a gente tem um estoque legal, eu trabalho com um estoque enxuto, bem pulverizado, não é um estoque pequeno, mas está bem dividido. A concessionária é parceira para mim. Eu consigo comprar itens lá e revender na minha loja. Não vejo como concorrente, porque eles não têm a nossa velocidade, não têm a proximidade que temos, não têm o relacionamento que a gente tem com o cliente.

Marcelo Gabriel – E internet?

Neno Oliveira – A Go!Mec foi uma das primeiras a entrar na internet.  Minha loja é razoavelmente grande, eu tenho 150 funcionários e 26 motos entregando. Porém, a internet é maior do que o próprio varejo, que é um varejo grande.

Marcelo Gabriel – Então você usa a internet como canal de vendas. E compra pela internet? Por exemplo, um
marketplace como Mercado Livre é um canal de compra para você?

Neno Oliveira – Não tem o que comprar lá, é mais para consumidor  final. Eles são parceiros para mim. Essas empresas de marketplace trouxeram um conhecimento e um ensinamento de como lidar com o cliente. O carinho e o respeito que eles têm pelo cliente, as lojas de autopeças ou outras não tinham. Então, trouxe um aprendizado absurdo. Mas, a gente tem os parceiros que são distribuidores. Não vejo tanta ameaça na questão do distribuidor descer e vender ao cliente, porque eles não têm essa pegada de varejo. Eles teriam que virar varejo ou investir muito na parte comercial que eles não têm. Um ou outro cara grande que é mecânico e virou centro automotivo, que cresceu, tem pneu, tem tudo, vai comprar direto, porque hoje trata-se de volume. Não tem o que você fazer. Em 2012 eu já via esse movimento. O que eu fiz? Procurei crescer. É o único jeito.

Marcelo Gabriel – Com essa proliferação de marcas e modelos, se você tivesse hoje que tomar a decisão de abrir uma nova empresa, você optaria por ser um generalista ou pensaria em ser um especialista em sistema ou marca?

Luiz Galhardo – Eu iria no caminho que tracei na minha empresa. Hoje não dá para ser generalista. Não dá para ter tudo dentro da empresa. Por questão de fluxo de caixa, espaço físico. Lógico que hoje você tem alguns parceiros que te proporcionam uma visão diferente, como trabalhar com algo que nunca teve oportunidade. A minha empresa é focada na área mecânica. Suspensão, injeção, cambio, motor, é o que eu comercializo. Não tenho nada de acessório, lataria, acabamento, a não ser uma palheta, que é normal. Mas hoje têm parceiros que te proporcionam espaço físico. E o marketplace, eu sempre fui focado na loja física, mas hoje nós temos o e-commerce, inclusive faz um mês que a gente inaugurou o nosso novo galpão de e-commerce que também é um nicho de mercado que te proporciona ser competitivo. Na minha loja física tem alguns produtos que eu não vou comercializar. Talvez até de carro importado, que não condiz com a minha região. As oficinas não comercializam aquele produto ali. Mas o marketplace me dá essa proporção. Hoje eu tenho serviços na loja, troca de óleo, arrefecimento, retífica de freio, sempre focado na mecânica. Você tem que buscar evolução contínua, o que fez a Gisela ir tão bem foi sair da caixinha e buscar o conhecimento lá fora. Nós temos uma consultoria focada em loja física e outra focada em e-commerce. Foi o que nos deu a direção para trilhar. A tecnologia está aí para te ajudar, mas a tomada de decisão é minha. Hoje a minha maior dificuldade na loja não é sistema, não é peça, não é fluxo de caixa, é gestão de pessoas. Eu quero aprender muito sobre isso. É muito difícil.

Neno Oliveira – Varejo generalista. Você consegue conquistar o cliente, esse mesmo cliente tem outras necessidades que é muito mais fácil você procurar atender do que ficar abrindo mais clientes na especialidade. Eu tenho tudo? Não, mas vou trabalhando para isso. Falta espaço físico, falta conhecimento dos produtos, mas eu acho que quanto mais produtos você conseguir oferecer para os mesmos clientes, muito maior será o retorno.

Matheus Dias – A questão é profissional. Você entender o custo de aquisição do cliente e o tempo de vida dele com você. Então hoje uma oficina vai ser o que na maioria das vezes? Generalista. O que você tem que fazer para atender a maior gama, aproveitando ao máximo o seu estoque, sua demanda? Hoje você tem a opção de um e-commerce em que consegue escolher o que vai vender. Então, os generalistas hoje são os cases de sucesso, todo mundo sabe quais são as empresas, eu seguiria essa linha sem nenhuma dúvida.

Fonte: Novo Varejo

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