Por Lucas Torres
Mercado parado. Foi o que nossa reportagem ouviu de profissionais do Aftermarket Automotivo nos últimos dias. O varejo de autopeças vive um período de desaceleração. E não se trata apenas da percepção de algumas pessoas. É exatamente isso o que vem flagrando semanalmente a principal pesquisa do mercado de reposição sobre a movimentação de venda e compra de autopeças nas lojas de componentes automotivos em todo o país.
Dados apurados sempre em tempo real pela pesquisa MAPA – Movimento das Atividades em Peças e Acessórios entre os meses de maio e julho registraram nada menos que 8 semanas de quedas consecutivas na média nacional nas duas frentes – baixas essas que foram ainda mais constantes e acentuadas nas regiões Sudeste e Sul, ambas responsáveis pela maior concentração da frota nacional.
É bem verdade que as quedas constantes registradas entre os dias 23 de maio e 11 de julho até foram interrompidas na semana encerrada dia 18 do mês passado. Tal respiro, porém, foi logo interrompido por um novo recuo ainda mais drástico, como mostram os gráficos.


Para além do cenário estatístico coletado pelo After.Lab – núcleo de inteligência de negócios do Grupo Nhm – Novomeio Hub de Mídia –, que se apoia na percepção dos varejistas que atuam no dia a dia nas cinco regiões do Brasil, a desaceleração do mercado também chama a atenção de líderes e formadores de opinião de todo o trade do setor.
Presidente do Sincopeças-RS, Marco Antônio Vieira Machado destaca que o cenário é uma realidade no Rio Grande do Sul e reflete, acima de tudo, um momento crítico da saúde financeira da população, que se vê obrigada a adiar os planos e as necessidades no âmbito da manutenção automotiva. “Apesar de muito necessária, a manutenção automotiva também depende da saúde financeira da população. Se o consumidor final não tem condição favorável, segurará a mão na hora de levá-la à carteira e, consequentemente, a loja venderá menos – tanto em volume de peças quanto em faturamento –, culminando em menor compra nos fabricantes, provocando um efeito cascata sucessivo em toda a cadeia automotiva”, refletiu o dirigente.
Segundo Machado, o que se observa no varejo de autopeças, contudo, está longe de ser um fenômeno isolado. Ele chama a atenção para o peso de fatores macroeconômicos que extrapolam o setor e pressionam o consumo em todo o país, como a alta dos alimentos, combustíveis, energia, aluguéis e, sobretudo, o nível de endividamento das famílias.
Nesse ponto, os dados da Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas (CNDL) ajudam a ilustrar o tamanho do problema. Em junho de 2025, o volume de consultas por crédito — um dos principais termômetros da propensão ao consumo — caiu 14,11% em relação a maio. Na comparação com junho de 2024, o recuo foi de 10,55%, consolidando um cenário que a própria entidade classificou como de “compasso de espera” tanto por parte dos consumidores quanto pelas instituições financeiras.
Na avaliação de José César da Costa, presidente da CNDL, essa retração tem relação direta com a cautela do mercado frente a um ambiente de crédito mais caro e menos acessível. “Com um ambiente de juros ainda elevados e o peso do passivo de inadimplência, tanto consumidores quanto instituições financeiras adotam uma postura mais conservadora”, afirma o dirigente. Segundo ele, a elevação do IOF e o custo total das operações dificultam o acesso ao financiamento, limitando a capacidade de compra da população.
Outro dado que reforça o argumento de Machado está no número de consumidores com restrições no CPF no momento da consulta por crédito, que chegou a 35,44% em junho — aumento em relação aos 34,53% de maio. O presidente do SPC Brasil, Roque Pellizzaro Júnior, também destaca a influência da política monetária nessa conjuntura: “A manutenção da taxa Selic em patamar elevado tende a prolongar o atual cenário. O crédito continua caro, os bancos permanecem conservadores e os níveis de endividamento e inadimplência seguem pressionados”.
CONSISTÊNCIA
Outro líder do Aftermarket Automotivo, o presidente do Sincopeças-SP, Heber Carvalho, chamou a atenção para outra camada que compõe o cenário de desaceleração do varejo de autopeças nacional. “Além da conjuntura econômica como um todo, um dos fatores que afeta os negócios decorre da venda de veículos novos. Quando ela está em alta, como agora, sentimos alguma queda no nosso mercado” afirmou.
O alerta do presidente do Sincopeças paulista encontra confluência nos números. De acordo com os dados mais recentes da Fenabrave, o primeiro semestre de 2025 registrou a venda de 1.198.805 veículos novos no Brasil, entre automóveis, comerciais leves, caminhões e ônibus, volume 4,82% superior ao mesmo período do ano passado. É um crescimento modesto, mas consistente, que ganha ainda mais força quando comparado ao primeiro semestre de 2023, quando foram vendidas pouco menos de 1 milhão de unidades. Em dois anos, a alta acumulada é de mais de 20%.
Quando restringimos o recorte para o segmento dos veículos leves, também encontramos alta: foram 878.604 emplacamentos de automóveis entre janeiro e junho de 2025, o que representa um avanço de 3,52% em relação ao mesmo período de 2024.
Como destacou Carvalho, esse movimento, embora positivo para montadoras e concessionárias, ajuda a explicar em algum grau a retração sentida no varejo de autopeças. Isso porque o aumento do número de veículos novos em circulação, ainda cobertos por garantias e com menor necessidade de manutenção ou troca de componentes, tende a postergar o contato dos proprietários com oficinas e lojas especializadas – especialmente em itens de desgaste ou peças de reposição.
Confluência entre queda de vendas e compras mostra que varejo está se modernizando
Ao recomendar boas práticas diante do cenário desafiador, o líder do Sincopeças-SP, Heber Carvalho, chamou atenção para a importância cada vez maior de manter estoques precisos e dotados de controles ainda mais rigorosos. Neste sentido, ele destacou que o fato do mercado oferecer sistemas de gestão mais modernos facilita a atualização dos dados em tempo real – de modo que é imprescindível que as empresas invistam nessas ferramentas.
Apesar do alerta ser fundamental, é importante dizer que os números da MAPA indicam que o setor se encontra em um excelente grau de preparação para alinhar seus estoques ao volume de demanda.
Basta ver que o volume de compras não apenas tem acompanhado a movimentação das vendas durante as oito semanas consecutivas, como também, reagiu elevando seu patamar no pequeno hiato de alta na semana do dia 18 de julho, voltando a diminuí-lo na semana subsequente, quando a demanda do consumidor retornou ao viés de queda.
Essa correlação direta entre os movimentos de venda e de compra indica não apenas atenção do varejo, mas também a crescente sofisticação das ferramentas utilizadas para a tomada de decisão. O uso de sistemas integrados de gestão de estoques, conectados com dados de vendas em tempo real, tem permitido que lojistas ajustem rapidamente seus pedidos junto aos fornecedores — reduzindo o risco de excessos, perdas por obsolescência ou rupturas em períodos de maior giro.
Não à toa, a digitalização da cadeia de suprimentos tem sido apontada como uma das principais armas do varejo moderno. Segundo levantamento da McKinsey, empresas que adotam soluções tecnológicas capazes de oferecer visibilidade de ponta a ponta em sua operação conseguem ganhos expressivos de eficiência e competitividade. Entre os principais ganhos obtidos estão:
- redução de 20% a 30% nos custos operacionais;
- melhoria de 10% a 20% no atendimento ao cliente;
- diminuição de 50% no tempo de ciclo do supply chain
Mesmo com os benefícios comprovados e a disponibilidade cada vez maior de ferramentas, o mesmo estudo alerta que apenas 13% das companhias brasileiras de fato extraem o valor total dessas ferramentas — o que indica um campo fértil para evolução mesmo entre os negócios mais estruturados.
No caso do varejo de autopeças, que opera com uma gama ampla de SKUs, margens pressionadas e um consumidor cada vez mais criterioso, esse tipo de agilidade e inteligência na reposição pode fazer toda a diferença. Especialmente em um contexto de desaceleração como o atual, em que decisões erradas no abastecimento podem representar prejuízo dobrado: capital imobilizado e baixa conversão.
Por isso, ao mesmo tempo em que reconhece o bom desempenho recente de adequação do setor, a recomendação dos especialistas segue válida: investir em tecnologia, aprimorar os processos de controle e capacitar as equipes para interpretar os dados disponíveis é o caminho mais seguro para atravessar um cenário instável com o menor impacto possível e sair dele ainda mais preparado para crescer.
5 dicas para a gestão de estoque
1. Conheça bem o seu cliente
Entender o perfil do consumidor, incluindo renda, localização e hábitos, permite abastecer a loja com mais precisão, reduzindo sobras e maximizando vendas. Cada região pode demandar produtos distintos, e o estoque precisa refletir essas particularidades.
2. Analise o desempenho dos produtos diariamente
No varejo, tudo muda rápido. Um item campeão de vendas hoje pode encalhar amanhã. Monitorar o giro e a cobertura dos produtos diariamente permite reposições ágeis e remarcações preventivas, evitando prejuízos e otimizando o serviço ao cliente.
3. Não se apegue emocionalmente ao estoque
Estoque parado é capital imobilizado. Mesmo que seja doloroso, é melhor vender com margem reduzida do que acumular produtos antigos e perder espaço para novidades. Oxigenar a loja com frequência é vital para manter o giro e a atratividade.
4. O que se compra deve ser exposto
Comprar mais do que cabe na loja é um erro comum. Um mix bem planejado, baseado em dados e capacidade de exposição, evita acúmulo no depósito e excesso nas prateleiras, que confunde o consumidor e prejudica a experiência de compra.
5. Tenha fornecedores parceiros, não só baratos
Preço não é tudo. Entrega no prazo, qualidade e comprometimento com o negócio também importam. Avalie fornecedores com critério e valorize os que agregam valor real à operação, indo além de meros descontos pontuais.
Fonte: Novo Varejo