Por Vitor Nuzzi – DC News
As vendas no comércio varejista cresceram 4,7% em 2024, no melhor resultado desde 2012, resultado pouco acima do previsto pela Associação Comercial de São Paulo (ACSP), que projetava 4,5%. “É um movimento explicado pelo crescimento da renda e do crédito”, disse o economista Ulisses Ruiz de Gamboa, do Instituto de Economia Gastão Vidigal (IEGV), da Associação Comercial de São Paulo (ACSP).
É a maior alta desde 2012 (8,4%) e a oitava seguida. Mas o setor já se prepara para novo cenário neste ano, de economia em desaceleração. Movimento, de certa forma, já antecipado pelo dado de dezembro (-0,1%) e pela média trimestral (0%).
O gerente da Pesquisa Mensal do Comércio (PMC, do IBGE), Cristiano Santos, ressalta essa perspectiva, após dois meses de estabilidade na margem. “No entanto, vale lembrar que essa estabilidade sustenta um patamar recorde que foi atingido em outubro de 2024, ou seja, é uma estabilidade na alta”, afirmou.
Entre os setores que compõem a PMC, o de artigos farmacêuticos& perfumaria foi um dos destaques, com crescimento anual de 14,2%, recorde da série histórica. “É a única atividade a sustentar também oito anos de crescimento contínuo”, disse Cristiano. O segmento que inclui hipermercados, supermercados e alimentos subiu 4,6%, um pouco acima de móveis&eletrodomésticos (4,2%). Em outra ponta, as vendas de combustíveis&lubrificantes caíram 1,5%.
O varejo ampliado cresceu 4,1% – melhor resultado desde 2021 –, com altas de 11,7% em veículos, motos e peças e de 4,7% no segmento de material de construção.
PREVISÕES
Os números animadores de 2024 não se repetirão neste ano, afirmam economistas e analistas do setor. Três fatores básicos e interligados vão frear o movimento do comércio. O primeiro é a taxa básica de juros (Selic), que já sofreu quatro altas seguidas desde setembro – saiu de 10,50% para 13,25% ao ano – e deverá subir mais. Isso aumenta custos e reduz o crédito, outro fator básico para o consumo.
Além disso, o mercado de trabalho não deverá se manter tão aquecido. “Juros e inflação pesaram negativamente, principalmente a partir do segundo semestre, quando dá para ver uma desaceleração”, afirmou Gamboa, da ACSP. “Em novembro e dezembro, houve estagnação, que já estaria começando na margem. Os setores que se deram melhor foram os mais vinculados à renda do que ao crédito.” Caso de farmácias e itens mais essenciais de consumo.
O resultado final de 2024 também ficou um pouco acima da projeção (4,5%) publicada no relatório Tendências do Varejo, do Centro de Excelência em Varejo da Fundação Getulio Vargas (FGV). E teve como “propulsores” crédito mais emprego e renda “em seu nível máximo”, segundo o professor Ricardo Meirelles de Faria, da Escola de Administração de Empresas de São Paulo (Eaesp-FGV).
Ao mesmo tempo, ele observa que a atividade econômica acelerada no ano passado é acompanhada de uma ressalva: o impulso fiscal nos dois primeiros anos de governo trouxe também pressão inflacionária e elevação (5 pontos percentuais, de 56% para 61,1%) na relação dívida líquida-PIB. O cenário mudou.
“Nossas estimativas são de que com o início do freio nos estímulos dos dois lados, fiscal e monetário, as vendas no varejo irão reduzir o crescimento em menos que um terço do realizado em 2024”, afirmou o também economista-chefe da Linus Galena Consultoria Econômica. A estimativa provisória é de 1,3%. O dado será ajustado na próxima edição do Tendência do Varejo, em março.
“Juros mais altos encarecem o crédito, dificultando a compra de bens duráveis que dependem de financiamento”, afirmou o CEO da gestora Multiplike, Volnei Eyng. “Até mesmo por isso que já vemos esse recuo do varejo mensal de 0,1% em dezembro. Além disso, uma Selic mais alta aumenta o custo das varejistas mais endividadas, reduzindo o seu lucro. Então, juros elevados podem atrapalhar o crescimento desse setor em 2025. O desafio do BC é equilibrar o controle da inflação sem prejudicar o consumo e o investimento na economia como um todo.”
O CEO da Speedo Multisport, Roberto Jalonetsky, disse que o empreendedor brasileiro “precisa ter criatividade e capacidade de gestão” para a montanha-russa da economia. “Porém, em 2025, com a Selic se aproximando de 15%, devemos ter uma forte retração econômica e o varejo não ficará imune aos impactos.”
Felipe Vasconcellos, sócio da Equus Capital, vê um cenário desafiador para a sustentação do crescimento do varejo, com pressão dos juros sobre o consumo das famílias e o custo das empresas. Por este motivo, é pouco provável que 2025 apresente resultados similares aos do ano anterior.
Por outro lado, já tenho visto fabricantes do setor de moda e vestuário oferecendo descontos para os lojistas dada uma redução na demanda, o que pode levar a um arrefecimento da inflação”, afirmou.
O economista Matheus Pizzani, da CM Markets, já nota sinais de retração no comportamento mensal (novembro-dezembro) de grupos como combustíveis&lubrificantes (-3,1%) e hiper&supermercados (-0,4%). Segundo ele, essa queda “já pode ser interpretada como indício de redução da cesta de consumo das famílias e menor impulso por parte desta variável para os principais agregados macroeconômicos do país”. Sinais de desaceleração gradual da economia, com aperto monetário e “deterioração das condições financeiras das familias”, com menor impulso do mercado de trabalho. Mas Pizzani faz ponderações.
“É importante atentar para o fato de que o menor impulso por parte do consumo das famílias seja apenas uma reação passageira aos efeitos negativos da inflação elevada do período, que se concentra especialmente em bens essenciais, como no caso dos alimentos”, afirmou. Fatores como o aumento real do salário mínimo e o “arrefecimento” no mercado de câmbio, se transmitido para o preço final dos bens consumidos internamente, podem “ajudar a retomar os bons resultados dos segmentos mais sensíveis aos ciclos econômicos”.
Fonte: Diário do Comércio – Imagem: Newton Santos/DC