Ninguém duvida de que as tecnologias disponíveis hoje no mercado podem ajudar o varejista em todo o processo de gestão do negócio, da compra de produtos até o pós-venda.
Mas também é fato que o básico do varejo milenar, como atender o cliente com um sorriso, chamá-lo pelo nome, é capaz de ter um efeito até melhor do que a inteligência artificial (IA).
Fátima Merlin, diretora da Connect Shopper, especializada em comportamento do consumidor, afirma que é possível, sim, criar ambientes acolhedores sem precisar de uma montanha de dinheiro.
É essa mensagem que ela tem passado em eventos do varejo e em contato direto com os lojistas. “A escuta ativa é poderosa e gratuita. Além de criar vínculo, traz insights valiosos.”
Assim que o cliente entra na loja, perguntas do tipo: “como você está”; “encontrou tudo o que precisa”; “como posso melhorar”, são fundamentais, diz, para conhecer e atrair a clientela.
Quem não passou por uma experiência de ir a um local decidido a comprar um produto e acabou saindo da loja com as mãos vazias por causa do mau humor do vendedor?
Quem não entrou em uma loja em busca de informações sobre um produto e acabou saindo dela com as mesmas dúvidas de quando entrou?
Lápis e papel
Observar quem entra na loja, o que coloca no carrinho, no caso de um supermercado, e anotar as informações, diz, são capazes de permitir um atendimento personalizado e conversão.
Mesmo sem sistemas, como CRM (gestão de relacionamento com o cliente), a memória de pequenos registros já faz a diferença, diz Fátima, como anotar nomes de clientes mais frequentes, datas especiais, gostos, nome de filhos.
Pesquisas de satisfação, por meio de ferramentas como Google Docs, SurveyMonkey, diz, podem dar um feedback após a compra e ajudar nas decisões de sortimento, promoções, atendimento.
Campanhas para distribuição de prêmios, nas quais é preciso pegar informações de participantes, de acordo com Fátima, podem ser utilizadas (e já são) para coletar dados de clientes para eventuais ações.
O ambiente da loja, diz, também tem de ser acolhedor. “Um bom dia, um local limpo, organizado, com boa energia já faz o cliente querer voltar”, afirma Fátima.
Todas essas sugestões parecem óbvias, mas, de acordo com ela, uma recente pesquisa feita por sua empresa mostrou que somente quatro em cada dez lojas têm como base um conjunto de informações de clientes para utilizá-las em situações além de promoções.
“Os lojistas ainda não utilizam as informações que possuem para estabelecer um relacionamento contínuo e direcionar ações para o ambiente da loja, sortimento, experiência.”
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De acordo com ela, diante de tantas opções que se têm hoje no mercado, passa a ser vital conhecer o consumidor. “Caso contrário, o lojista pode estar até criando barreiras para atratividade, conversão e retenção do cliente”, diz.
Uma promotora de loja que oferece degustação de um produto, por exemplo, pode ser uma ação positiva para a maioria dos consumidores.
“Mas também existe uma parte da população que não quer perder tempo na loja e uma ação desse tipo pode ser até uma barreira para a venda”, afirma Fátima.
Alguns clientes, diz, preferem mais autonomia, loja bem sinalizada, que oferece uma jornada fluida, self checkout. Por isso, conhecer o cliente maximiza os investimentos.
Case
Em Barra do Corda, no interior do Maranhão, com menos de 100 mil habitantes, Alonso Vieira Amorin, dono da Unillar, revela o que faz para dar inveja às redes vizinhas, gigantes no Brasil.
“Primeiramente, fico muito de olho em quem entra na loja. Meu cliente é aposentado, pensionista, que recebe o Bolsa Família, e é com ele que eu converso, sempre”, diz Amorin.
Foi a partir dessas conversas que a Unillar, que começou com móveis e eletrodomésticos, em 2004, passou a vender de material de construção e utilidades domésticas a peças para moto.
“Só não vendo ainda confecção e secos e molhados”, afirma.
Quase ao lado de uma unidade do Magazine Luiza, a loja de 1.700 metros quadrados do sr. Alonso chega a receber a visita de cerca de 2 mil pessoas no início de cada mês.
Evidentemente que a venda pelo crediário, em até 15 vezes, em média, bancada pela loja, é um dos grandes atrativos. Mas, de acordo com ele, não é só isso.
“Converso com os clientes e controlo o que eles compram. Quando faltam duas prestações para quitar o carnê, já entro em contato para que seja feita uma nova compra.”
Quando o cliente está inativo, diz, a loja oferece uma bonificação de R$ 100 para compras acima de R$ 300, mensagem que chega ao consumidor por ligação telefônica ou WhatsApp.
Duas práticas que fazem a diferença em sua loja, que não trabalha com e-commerce, diz, estão relacionadas com a entrega de produtos e assistência técnica.
Instalada no município de Barra do Corda, no Maranhão, a Unillar não tem e-commerce e oferece cafezinho e banheiro para a população, diferenciais simples, mas que dão resultado
“Se compra uma geladeira, o meu cliente tem ansiedade e quer receber o produto na hora. Portanto, fazemos entrega em 24 horas.”
Além disso, se o produto deu problema, a loja se encarrega de buscá-lo e levá-lo para a assistência técnica. “Se deu problema de novo, dou uma geladeira nova para ele.”
Como a cidade não possui banheiros públicos, a Unillar oferece banheiros para todos que passam pelo local, assim como café com leite, chá.
“Se você for a qualquer loja e pedir para usar o banheiro, vão te dizer que os banheiros são somente para funcionários. Aqui não, todo mundo pode usar”, diz.
Muitos moradores da cidade, conta Amorin, trazem o copo para tomar café na loja, preparado há mais de dez anos pela dona Oreni.
A Unillar também faz sorteio de carros duas vezes por ano e, em agosto, mês de aniversário, prepara um bolo de uns 20 metros para distribuir para clientes e não clientes.
“O pessoal da cidade traz até balde para levar bolo para casa. Como sou pequeno, em comparação com as grandes redes, eu tenho de fazer o que o grande não faz”, diz.
São pequenas atitudes, diz, que faz a diferença no dia a dia da loja. A Unillar possui 26 mil clientes ativos e, de acordo com Amorin, a inadimplência não preocupa, é menor do que 4%.
Com cerca de 280 empregados, a Unillar, de acordo com seu proprietário, não tem problema com turnover. “Nós criamos mecanismos para que o funcionário fique bem trabalhando aqui.”
A loja, diz, que é sempre transparente com os empregados, trabalha com a cultura de metas, que, quando alcançada, garante para todos R$ 100 a mais no salário.
A empresa também trabalha com 14º salário. “Se eu não trato bem o meu colaborador, como vou querer que ele trate bem o meu cliente?”, diz.
Fátima diz que tudo o que o dono da Unillar coloca em prática em Barra do Corda pode ser replicado em qualquer tipo de comércio e em qualquer tamanho de cidade do país.
“O importante é conhecer o cliente para se adaptar às suas reais necessidades, hábitos, comportamentos. Tem região em que o consumidor não quer saber de cafezinho. O que ele quer mesmo é uma loja prática, resolutiva.”
No caso da Unillar, os serviços oferecidos, diz ela, fazem todo o sentido para os clientes da região.
“É por isso que a minha loja tem sempre mais clientes do que as vizinhas”, afirma Amorin. De acordo com ele, as lojas de grandes redes próximas vendem 25% do que ele vende por ali. Ele prefere não revelar o faturamento.
Fonte: Diário do Comércio – Imagem: Divulgação (https://dcomercio.com.br/publicacao/s/sorriso-e-como-voce-esta-sao-atitudes-que-podem-valer-mais-do-que-ia)