“Simplesmente voltar a adotar práticas anteriores à pandemia não deve gerar os mesmos resultados daqui para frente”. A frase de Alison Angus, líder de lifestyles da Euromonitor International, sintetiza os insights do recém-lançado relatório anual “10 principais tendências globais de consumo 2022”, que cobre 100 países.
Como ninguém é mais o mesmo do período pré-covid, e isso inclui o consumidor, as alterações radicais no estilo de vida levaram as pessoas a tomarem decisões intencionais, conscientes e ambiciosas, de modo a se adaptarem ao cenário e procurarem satisfazer da melhor forma suas necessidades, imediatas ou não.
Mas agora, dois anos depois, enquanto o mundo começa a se recuperar, esses mesmos consumidores colocam seus planos em ação, e arriscam-se para aproveitar o atual momento, na expectativa de voltar à normalidade.
“As empresas precisam se transformar para acompanhar as preferências em rápida evolução dos consumidores”, diz a executiva.
A seguir, conheça as transformações que desafiarão estratégias de negócio no terceiro ano de convivência com a covid:
SEMPRE COM UM PLANO B – Os consumidores encontraram soluções criativas para comprar os produtos desejados ou pesquisar as próximas opções diante da escassez causada por interrupções das cadeias de abastecimento. Para driblar o problema, 28% deles passaram a comprar produtos e serviços locais.
De acordo com o relatório, esse tipo de consumidor está sempre um passo à frente da multidão, assumindo o controle e usando a tecnologia para ir para a frente da fila quando o abastecimento é ameaçado.
Alguns contam com serviços de assinatura ou compras em grupo para garantir as entregas. E quando frustrados, se voltam para a segunda melhor opção, buscando alternativas e, em alguns casos, adiando ou mudando hábitos de compra.
Quem já faz: A chinesa Pinduoduo passou a facilitar as vendas diretas entre pequenos agricultores e consumidores, enquanto a PepsiCo. lançou, em 2020, dois sites de venda direta ao consumidor final.
AGENTES DO CLIMA – A ‘ecoansiedade’ e a emergência climática promoveram o ativismo ambiental para uma economia “net zero” (ou neutra em carbono). Em 2021, 35% dos consumidores reduziram suas emissões de carbono, e outros 67% tentaram causar impacto positivo por meio de ações cotidianas no meio ambiente.
Esses consumidores fazem escolhas mais sustentáveis, ao mesmo tempo que exigem ação e transparência das marcas. Não existe lacuna entre a consciência sobre o clima e a intenção de agir. Com isso, 39% das empresas indicaram que investirão em inovação de produtos de baixo carbono e no desenvolvimento desses produtos.
Quem já faz: A fintech Klarna lançou um rastreador de emissões de Co2 com informações para 90 milhões de consumidores globais, e a fabricante de cosméticos Izzy desenvolveu a primeira máscara com desperdício zero.
IDOSOS DIGITAIS – Os consumidores mais velhos se tornam usuários mais aptos da tecnologia. Portanto, soluções virtuais devem ser personalizadas, para atender às necessidades desse público on-line mais amplo.
A princípio forçados a ficar on-line enquanto o mundo se fechava, eles acabaram conquistando autonomia para fazer compras e utilizar os serviços por meio desse canal.
Se 82% deles tinham smartphones em 2021, 45% passaram a usar serviços bancários em apps no celular pelo menos uma vez por semana, 60% a visitar pelos menos uma rede social e 21% a jogar on-line.
A população global com mais de 60 anos aumentará 65% de 2021 a 2040, chegando a mais de 2 bilhões de pessoas. Esse grupo relativamente rico ganhou experiência e confiança e adota soluções de tecnologia para auxiliar na vida diária não só em compras, mas em socialização, exames de saúde, finanças e aprendizagem.
Quem já faz: A startup Rendever criou experiências de realidade virtual compartilhadas para diminuir o isolamento social. Já o Evering é um anel de pagamento para pagar produtos nas lojas com Visa. E a JD.com lançou um smartphone para idosos marcarem consultas médicas por vídeo e receberem receitas em casa.
AFICIONADOS FINANCEIROS – A gestão democratizada do dinheiro possibilita que os consumidores ampliem seus conhecimentos e segurança em matéria financeira, e 51% dos consumidores no mundo acredita que estará melhor financeiramente nos próximos cinco anos.
Os consumidores estão ganhando confiança para investir e ficando experientes em poupar para fortalecer a segurança financeira. Isso porque a pandemia trouxe volatilidade ao mercado de trabalho e colocou as pessoas em risco.
Incerteza, instabilidade e lockdowns fizeram com que muitos consumidores gastassem menos e economizassem mais. Também passaram a recorrer a aplicativos para lidar com o dinheiro de forma inteligente. Agora, a oportunidade é ampliar o acesso aos ainda desbancarizados e novatos em finanças.
Quem já faz: A Robinhood é uma plataforma de negociação acessível voltada para o investidor habitual. Já o brasileiro Nubank oferece serviços virtuais mais simples para ampliar o acesso à bancarização.
O MOVIMENTO METAVERSO – Ecossistemas digitais imersivos e tridimensionais começam a transformar as conexões sociais. As vendas globais de headsets de realidade aumentada e realidade virtual cresceram 56% de 2017 a 2021, atingindo a cifra de US$ 2,6 bilhões no último ano.
O mundo digital está evoluindo de reuniões virtuais para realidades 3D imersivas. Os consumidores já adotam espaços digitais para socializar, e marcas no centro desse movimento promoverão equidade. Esses ambientes devem impulsionar o e-commerce e vendas de produtos virtuais à medida que o acesso se expande.
Quem já faz: A Gucci criou uma experiência virtual multimídia no jogo Roblox, em que os avatares dos usuários eram manequins. O Facebook virou Meta em 2021 para intensificar o foco no metaverso. Já o grupo de k-pop BTS organizou um concerto virtual recorde transmitido para 1 milhão de pagantes no mundo.
ANTIGOS PRODUTOS, NOVOS DONOS – Mercados de compras peer-to-peer e venda reversa (ou recommerce), de produtos de segunda mão, crescem à medida que os consumidores buscam itens únicos, acessíveis e sustentáveis, e 33% têm comprado com frequência itens usados com intervalo de poucos meses.
Economizar é a tendência. Os consumidores estão mudando sua mentalidade de possuir algo para uma mentalidade de ter experiências. Sustentabilidade e individualidade estão removendo o estigma associado às compras de segunda mão e impulsionando os marketplaces pessoa a pessoa (peer-to-peer).
As vendas reversas (recommerce) se tornarão predominantes e englobarão mais categorias. Os consumidores continuarão a considerar a compra de itens de segunda mão, especialmente bens duráveis. Além disso, as empresas precisam reutilizar ou reciclar materiais para desenvolver novos produtos e reduzir desperdícios.
Quem já faz: A Ikea atualizou seu “Cantinho da Barganha’ da loja para um ‘Circular Hub’, que apresenta móveis usados como parte de um programa de recompra. Aqui no Brasil, o Enjoei, espécie de brechó on-line, ganhou força e ampliou sua exposição em 2021 com suas soluções de consumo colaborativo.
A GRANDE RENOVAÇÃO DA VIDA – Abalados e reflexivos, os consumidores se concentram agora em bem-estar e desenvolvimento pessoal, fazendo drásticas mudanças que refletem valores, paixões e propósitos.
Crises podem fazer com que pessoas analisem e mudem seus valores. No ano passado, os consumidores que fizeram um inventário de suas vidas agora estão ativamente tentando traçar um novo caminho a seguir.
Enquanto em 2015 apenas 12% dos consumidores priorizaram o tempo para si mesmos, isso dobrou para 24% em 2021: entre julho e agosto, oito milhões de americanos pediram demissão para buscar novos objetivos.
Quem já faz: A marca de moda Zara criou uma coleção de roupas ‘business casual’ para ambientes de trabalho remotos ou escritórios. Já a rede hoteleira Hyatt oferece pacotes ‘Work from Hyatt’ para trabalhadores remotos que desejam mudar de cenário.
URBANOS RURAIS – Os consumidores estão mudando para áreas mais seguras, limpas e verdes na cidade, no subúrbio ou no campo. Os moradores urbanos também querem que esses benefícios sejam trazidos a seus bairros, e pelo menos 37% esperam trabalhar de casa num futuro próximo.
Comunidades espaçosas e sustentáveis ditarão onde eles escolherão viver. Independentemente da localização, marcas e empresas precisarão ajustar estratégias para reter esses clientes.
Expandir pontos de venda e serviços tradicionais, e ao mesmo tempo investir em e-commerce ajudará empresas a atingirem um público mais amplo.
Quem já faz: Singapura está construindo uma cidade verde em uma antiga área industrial para criar alternativas habitacionais urbanas sustentáveis, inteligentes e menos poluídas.
EM BUSCA DO AMOR PRÓPRIO – Autenticidade, aceitação e inclusão são as prioridades de escolhas de estilo de vida e hábitos de gastos à medida que os consumidores adotam sua verdadeira essência. No relatório, 56% dos consumidores declararam que devem ser mais felizes nos próximos cinco anos por esses motivos.
As inovações de produtos de indulgência estão crescendo globalmente em todos os setores. As marcas de beleza oferecem produtos com qualidade de salão em casa. Fabricantes de alimentos e bebidas investem em ingredientes funcionais e bebidas com pouco ou sem álcool, à medida que os consumidores buscam opções mais saudáveis.
Muitas empresas estão investindo em tecnologia para oferecer cuidado personalizado. Essa personalização avançará em direção à aceitação em massa em todos os setores, como beleza, cuidados pessoais e saúde do consumidor. Além disso, o marketing e as ofertas precisam ser inclusivos.
Quem já faz: A Interflora lançou uma coleção de arranjos florais autocombinados, com notas de amor próprio baseadas em um questionário respondido pelo consumidor. Já a War Paint criou a primeira loja de maquiagem para pele masculina no mundo, além de colaborar com a Calm, uma ONG de saúde mental.
O PARADOXO DA SOCIALIZAÇÃO – Níveis de conforto variáveis criam um retorno conflituoso para a vida pré-pandemia. Em 2021, 76% dos consumidores adotaram precauções de saúde e segurança ao sair de casa.
Essa é uma fase comportamental que influencia seus hábitos. Eles querem socializar, mas exigem abordagem flexível, e as empresas devem ser receptivas e fornecer experiências integradas com soluções adaptáveis.
O trabalho remoto e os eventos virtuais vão coexistir com compromissos presenciais, mas é preciso oferecer a opção de escolha. As empresas devem levar em consideração os oscilantes níveis de conforto. Modelos de negócios híbridos vão colocar os consumidores no controle de sua experiência desejada.
Quem já faz: O Carrefour City, nos Emirados Árabes, é a primeira loja a usar inteligência artificial para compras e pagamentos sem contato. Já a Framery lançou cabines e cápsulas para escritórios voltadas à realização de videochamadas com melhor qualidade e sem interferências.
Fonte: Diário do Comércio – IMAGEM: Pixabay