Quase dois anos de pandemia em uma economia com indicadores econômicos nada favoráveis ao consumo, e, pior, sem expectativas de melhora no longo de 2022.
Qual é o perfil de loja que pode sobreviver a tudo isso?
É aquela que “respira” cliente, não produto, tem custos gerenciados com rigor, atendimento diferenciado, foco em nichos de mercado e boa gestão de crédito.
Este é o retrato da loja-sobrevivente em 2022, na avaliação de César Souza, presidente do Grupo Empreenda, e um dos maiores especialistas em gestão do país.
Palestrante e escritor com mais de 400 mil livros vendidos, o mais recente deles, “O Jeito de ser Magalu”, Souza tem sugestões para ajudar os lojistas a enfrentar a crise.
Para ele, o e-commerce é uma iniciativa desejável, e os lojistas precisam enxergar os empregados como parceiros, buscando o comprometimento emocional das pessoas.
Veja a seguir os principais trechos da entrevista de César Souza ao Diário do Comércio, realizada por e-mail.
Após quase dois anos de pandemia, os lojistas vão ter de enfrentar pelo menos mais um ano de vendas fracas em razão das condições macroeconômicas desfavoráveis. Quais são os principais desafios para os empresários do varejo?
Os desafios são imensos. Em primeiro lugar, conseguir atravessar e sobreviver ao ano de 2022 com taxas de juros elevadas, inflação crescente e o medo do consumidor de perder o emprego.
Os pequenos varejistas terão de se aproximar cada vez mais dos seus clientes e tentar oferecer aquilo que os clientes mais necessitam.
Terão de gerenciar estoques mínimos, pois com a taxa Selic em torno de 10%, o custo do capital imobilizado em estoque será muito alto.
Também precisarão ter muito cuidado com a potencial inadimplência. Gestão do crédito a clientes será muito importante.
O sr. escreveu um livro sobre o sucesso da trajetória do Magalu, que se tornou uma das maiores varejistas do país. Quais ações que a rede tomou que podem servir de lição também para os pequenos e médios lojistas?
Várias são as lições do Magalu. Destaco três: colocar o cliente no centro de tudo, investir nas pessoas e equipes, utilizar tecnologia como meio, e não fim em si mesmo.
E acho que ser multicanal, isto é, se relacionar com o cliente na loja física, no e-commerce, nas redes sociais e também no porta-a-porta.
O cliente já é multicanal, o varejista não pode ser unicanal.
Muitos especialistas falam sobre a importância de trazer o cliente para o centro do negócio. O que quer dizer isso e como se faz isso na prática? O sr. pode dar um passo a passo para que os lojistas tragam o cliente para o centro do negócio?
O primeiro passo é aprender a ‘respirar cliente’, ou seja, estar ligado no cliente, e não no produto, ou na sua estrutura, ou nos seus processos internos.
Trata-se de um modelo mental, e não uma série de técnicas.
Segundo passo é mobilizar todos para conviver com o cliente e entender de fato o que ele valoriza.
Terceiro é mudar o processo decisório da empresa, pensando sempre no cliente como a razão de qualquer negócio.
Resumindo, colocar o cliente no centro de tudo requer um conjunto de atividades, e não de técnicas, que pode ser sumarizado em uma frase: servir ao outro. Ou seja, consiste na arte de servir ao cliente.
O e-commerce acabou se transformando em quase uma obrigação para qualquer tipo de loja. O sr. concorda com isso? Se não tiver condições financeiras, estrutura para vender pela internet, quais são as alternativas para o lojista?
Não vou dizer que se trata de uma obrigação, mas que é uma iniciativa muito desejável.
Uma alternativa, caso o lojista não tenha recursos para criar o seu próprio marketplace, seria abrir sua lojinha virtual em uma plataforma de uma varejista maior.
No Magalu, um lojista credenciado pode vender seus produtos no marketplace da Lu, pagando uma taxa de 3,99% de comissão de vendas pelo uso da plataforma.
Outra alternativa seria juntar quatro ou cinco pequenos varejistas e, em conjunto, criar um marketplace coletivo.
As relações entre lojistas e administradoras de shoppings, que já não estavam boas há alguns anos, ficaram piores ainda com a pandemia. Como o sr. vê esta relação a partir de agora? Os contratos entre as partes deverão mudar, ser mais flexíveis?
Este é um tema muito delicado e polêmico. Mas eu acredito que sim, lojistas e shopping deverão entrar em acordo, fazer concessão em ambas as partes e buscar o ponto de equilíbrio que permita o ‘ganha-ganha’.
Como o sr. vê o futuro dos shoppings aqui no Brasil, considerando que nos EUA eles estão reduzindo também em razão do avanço do e-commerce?
No futuro, os shoppings tenderão a ser cada vez mais locais de lazer, entretenimento, praças de alimentação e centros de distribuição/troca de produtos comprados no e-commerce.
A crise provocada pela pandemia expôs a fragilidade de muitas empresas, especialmente no setor de varejo. Qual é o perfil de loja que deve sobreviver a partir de agora, no caso de pequenas e médias?
O perfil sobrevivente será o de lojas que colocam o cliente no centro de tudo, que tem seus custos gerenciados com rigor, que apresentam atendimento diferenciado e que focam em certos nichos específicos de mercado.
Lojas enxutas e focadas, esse é o resumo.
O sr. criou o termo ‘clientividade’. O que significa? Qual a importância?
A ‘clientividade’ é a arte de colocar o cliente no centro de tudo. A arte de entender o que o cliente necessita. A arte de oferecer o que o cliente valoriza.
A arte de olhar sua empresa com os olhos do cliente, de fora para dentro, e não apenas de dentro para fora. A arte de falar a mesma linguagem do cliente.
O sr. tem conversado bastante com CEOs de grandes empresas. No caso de empresas grandes do varejo, quais são os principais desafios para 2022 no processo de gestão?
Os desafios das grandes varejistas mudam de escala, mas a natureza é bem semelhante: proximidade do cliente; pessoas e equipes qualificadas; tecnologia humanizada; turbulências causadas pela macroeconomia; necessidade de inovação e de se reinventar com frequência.
Um dos maiores problemas do setor do varejo é a alta rotatividade. Como mudar essa situação e quanto essa mudança pode resultar em melhoria do negócio?
O antídoto contra a rotatividade é o comprometimento emocional das pessoas e das equipes.
O líder tem papel primordial nisso quando consegue construir um senso de propósito conjunto e um clima que permita certo grau de autonomia, respeito, ética, transparência e reconhecimento ao trabalho de cada um.
Muitos lojistas, especialmente os pequenos e médios, não enxergam o funcionário como um parceiro do negócio. Como mudar isso?
Os lojistas precisam aprender a valorizar a todos: do gerente geral à pessoa que faz a limpeza da loja. Todos precisam ser percebidos como parceiros, cada um plantando a sua semente no conjunto da loja.
Os que tratam as pessoas como meros empregados descartáveis vão ter o que merecem: a alta rotatividade e os custos inerentes a essa instabilidade no quadro de colaboradores.
Muitos dos problemas enfrentados por redes médias estão relacionados com a dificuldade de colocar em prática o processo de sucessão. Este cuidado é importante mesmo em redes pequenas, com uma ou duas lojas, por exemplo? Por quê?
Sim, a importância da sucessão independe do tamanho e do porte da empresa. A sucessão é o ‘calcanhar de Aquiles’ da maioria das empresas familiares, que não sobrevivem ao desaparecimento do seu fundador.
Nunca é cedo demais para se identificar e iniciar a formação de sucessores ou substitutos nas empresas. O maior legado que o fundador de um negócio pequeno, médio ou grande pode deixar é a sua equipe com potenciais sucessores identificados.
Fonte: Diário do Comércio