“Qualquer associação de classe será tão forte quanto os seus membros queiram fazê-la.”

Mais versáteis e empoderados do que nunca, balconistas celebram 26 de novembro

Homenageados no Dia do Balconista de Autopeças, criado pelo Novo Varejo, profissionais são parte importante do processo de digitalização das lojas no mercado de reposição

25/11/2025

Por Lucas Torres

Desde 2001, ano da criação do Dia do Balconista de Autopeças pelo Novo Varejo – data que se tornou lei em 2010 no município de São Paulo – até hoje, muita coisa mudou na rotina desses profissionais. A chegada da tecnologia e a consolidação do ambiente digital como parte importante da venda de autopeças, por exemplo, obrigaram os vendedores a se tornarem mais técnicos, digitais e estratégicos, dominando catálogos eletrônicos, sistemas de compatibilidade e plataformas de e-commerce.

Apesar dessas e de outras mudanças na forma como a função é exercida no Aftermarket Automotivo, algo permaneceu intocado: a influência do balconista como principal elo entre as marcas e seus produtos e o consumidor final, seja ele um reparador ou um dono de automóvel.

Fruto desse reconhecimento, a necessidade de aprimorar a capacitação e a certificação das habilidades dos vendedores de autopeças tem recebido uma atenção crescente das organizações, entidades, empresas e das lideranças da reposição independente brasileira. Um dos principais símbolos desse movimento é a certificação profissional criada pelo Instituto da Qualidade Automotiva (IQA) há dois anos.

O programa, que combina avaliações técnicas e comportamentais, foi desenhado para validar o conhecimento dos balconistas sobre peças, aplicação e atendimento, promovendo também a valorização social e profissional da categoria. Desde 2023, o IQA certificou 118 vendedores e pretende alcançar 500 profissionais até 2026, com apoio de redes, distribuidores e fabricantes.

Ainda que o número atual de certificações seja modesto diante do universo de profissionais do varejo automotivo, o projeto vem ganhando força. Para o superintendente do IQA, Alexandre Xavier, o ritmo inicial é natural em programas de certificação e deve se acelerar conforme os primeiros resultados se consolidam. “Esse número é aquém do que desejamos, mas expressivo para um momento de sensibilização, e nos motiva ver que a certificação mostra consistência no aumento de interesse crescente do mercado. Muitas redes e distribuidores têm estimulado suas equipes a buscar esse reconhecimento, justamente porque percebem o impacto positivo que a capacitação tem sobre o desempenho das vendas e a satisfação dos clientes”, afirma.

Neste contexto de maior engajamento do mercado, o dirigente ressalta que essas parcerias com empresas e distribuidores têm sido decisivas para o avanço da iniciativa. A G&B Distribuidora, por exemplo, já certificou 30 vendedores em Guarulhos, enquanto a MTE-Thomson e o projeto Oficina do Saber dispõem de iniciativas que oferecem certificação gratuita.

“Percebemos que ambas as dinâmicas impulsionam o interesse pela certificação. Por um lado, o próprio mercado exige capacitação constante, e o vendedor que deseja se destacar precisa estar em permanente atualização, buscando certificações reconhecidas. Isso o diferencia e traz mais confiança tanto para o cliente quanto para a empresa”, complementou Xavier.

Outra estratégia usada pelo IQA para disseminar a iniciativa é usar os grandes eventos do Aftermarket Automotivo para chegar diretamente aos balconistas e vendedores. Durante a Autonor 2025, realizada no último mês de setembro, por exemplo, a organização contou com um espaço em que os profissionais podiam realizar a prova ali mesmo, gratuitamente, algo que, segundo Xavier, se ainda não resultou num crescimento exponencial dos números atuais, tem contribuído para criar um ambiente fértil para que isso aconteça no futuro próximo.

Integrantes do grupo Balconistas do Brasil detalham suas relações com a capacitação

André Fernandes Santana, da Referência Autopeças – Bezerros (PE)
 “Desde que entrei no setor de autopeças, participo em média de 3 a 4 capacitações por ano, entre cursos técnicos, treinamentos de vendas e eventos do setor. Acredito que a atualização constante é essencial, tanto para oferecer um atendimento de qualidade quanto para acompanhar a evolução dos produtos e tecnologias automotivas. (…)  Quem mais me incentivou a buscar essas capacitações foi o próprio mercado, que sempre cobra conhecimento técnico e postura comercial, obrigando você a sair da zona de conforto e estudar mais, para não ficar para trás”

Ryquelme Gama de Souza, da Lemarauto Auto Peças – São João de Meriti (RJ)
“Eu participo em média de 3 a 5 capacitações por ano. Essas formações envolvem treinamentos técnicos, atendimento ao cliente, além de atualizações sobre produtos e sistemas da empresa. Todas elas têm sido fundamentais para meu crescimento profissional, já que não apenas ampliam meus conhecimentos, mas também me ajudam a lidar melhor com os desafios da prática do dia”

Caio Duarte Cavalcante, da Auto Peças Guaxinim – Mombaça (CE)
 “Acredito que a maior capacitação mesmo vem do dia a dia no balcão. Desde a pré-adolescência, tive a oportunidade de trabalhar ao lado de grandes profissionais.  Quando não conseguia resolver algo com o cliente, esperava ele sair e ia estudar sobre aquilo até entender completamente. Isso me ajudou demais. Levei muitos catálogos de peças para casa e passava horas lendo, analisando imagens, descrições e aplicações. Aquilo virou uma das minhas principais fontes de aprendizado e consulta”

Nathan Gustavo Zagui, da Auto Peças Zagui – Campo Limpo Paulista (SP)
 “No início da minha trajetória, eu fazia em média 5 por ano e fiz em torno de 15 nos meus 3 primeiros anos. Fiz cursos dos próprios fabricantes e também sobre administração. O que mais me ajudou foi a programação sobre os processos gerenciais da loja, já que, no balcão, confesso que não achei um curso convincente”

Presente em todo o varejo, digitalização já está 100% integrada ao mercado de autopeças

Entre as habilidades exigidas de todos os balconistas, a capacidade de se relacionar com os clientes em canais como o WhatsApp e de preencher com acurácia anúncios em e-commerces e marketplaces talvez seja aquela que mais ganhou relevância nos últimos anos.

Vale pontuar, porém, que essa dinâmica não é, nem de longe, uma particularidade do segmento de autopeças. Dados divulgados pela Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas (CNDL) ilustram com clareza esse movimento.

De acordo com o levantamento “O Varejo e o Uso de Ferramentas Digitais”, 85% dos empreendedores brasileiros utilizam o WhatsApp como principal canal de contato com clientes, somando-se a outros pontos de contato relevantes como as redes sociais (67%) e os sites próprios (31%).

O mesmo estudo mostra que 76% das vendas realizadas por pequenas e médias empresas envolvem alguma etapa digital, seja no atendimento, na negociação ou no pagamento, consolidando o ambiente online como parte indissociável da rotina comercial do varejo.

Nas lojas de autopeças, esse cenário é amplificado pelo fato de o setor ter entrado definitivamente na mira de gigantes do comércio eletrônico, como o Mercado Livre e a Shopee, que, além de já terem conquistado espaço expressivo em acessórios e itens de aplicação mais genérica, vêm promovendo uma ofensiva importante para tornar esses canais também relevantes nas vendas de peças ligadas à segurança e à chamada mecânica pesada.

Para os balconistas, isso tem significado uma mudança profunda na forma de trabalhar: hoje, grande parte das interações com clientes e fornecedores ocorre por canais digitais, e a capacidade de interpretar dados de catálogo, validar compatibilidades e prestar suporte remoto tornou-se essencial.

Como relatam diversos profissionais da série Balconistas do Brasil, “o WhatsApp é o novo balcão” e o domínio dessas ferramentas passou a ser um fator decisivo de competitividade no dia a dia do varejo automotivo.

Mais do que uma responsabilidade extra, Balconistas do Brasil consideram integração com o mundo digital, sobretudo por meio do WhatsApp, uma aliada

Thiago Secchi, da Secchi Autopeças  – Chopinzinho (PR)

“Atualmente, nossa relação com as ferramentas digitais, como o WhatsApp, é fundamental. Os clientes enviam fotos, placas dos veículos e áudios, o que permite ao mecânico pedir a peça com assertividade enquanto está na oficina. Isso diminui bastante os transtornos que tínhamos anteriormente”

Jessifran Ferreira Sales, da loja Truckão – Fortaleza (CE)

“Uso o WhatsApp para falar com clientes, mandar orçamentos, fotos de peças e até fechar vendas rápido. Atendo no balcão presencial e cuido de pedidos online ao mesmo tempo. Facilita muito a vida!”

Graziela Abreu, da Disape – Aparecida de Goiânia (GO)

“O WhatsApp vem para agregar na venda, auxiliando como ferramenta fundamental. Com ele, o atendimento é mais rápido e preciso, mas não substitui o vínculo que criamos com o cliente. Visitar o comprador e conhecer o potencial de compra continua essencial”

Brayan Santos Gomes, da Piraúba Autopeças – Piraúba (MG)

“O WhatsApp nos facilitou muito, tanto que 80% a 85% das nossas vendas acontecem através dele. A troca de imagens ajuda bastante e nos dá mais assertividade na hora de vender”

Conhecedores profundos do negócio, balconistas contribuem para o crescimento do empreendedorismo no Brasil

O empreendedorismo nunca esteve tão presente na realidade brasileira. De acordo com dados do Sebrae, a taxa total de empreendedorismo no país atingiu 33,4% da população adulta em 2024, ante 30,1% no ano anterior.

O crescimento é puxado principalmente pelos empreendedores iniciantes, que hoje representam 20,3% da população, enquanto os empreendedores estabelecidos (com mais de 3,5 anos de atividade) somam 13,2%. Além disso, quase metade dos brasileiros (49,8%) afirma ter a intenção de abrir um negócio próprio nos próximos três anos.

No universo das autopeças, esse ímpeto ganha contornos ainda mais claros. A figura do balconista, tradicionalmente associada ao atendimento técnico e à intermediação entre marcas e mecânicos, tem se transformado também em um potencial empreendedor.

Com profundo conhecimento sobre produtos, margens, perfis de clientes e dinâmica operacional, muitos desses profissionais têm usado sua experiência para abrir próprias lojas, fenômeno cada vez mais recorrente no setor.

O caso de Yago Leite é um exemplo emblemático dessa transição. Ex-balconista e hoje empresário e influenciador com mais de 900 mil seguidores no Instagram, Yago construiu uma trajetória que simboliza a ascensão de uma nova geração de profissionais da reposição automotiva.

Ele começou sua carreira em uma oficina, passou anos atendendo atrás do balcão e, com o tempo, transformou o conhecimento prático do setor em negócio próprio e em uma plataforma de comunicação com enorme alcance (veja detalhes na entrevista especial desta edição).

“Isso acontece porque o balconista vive o negócio de perto. Com o tempo, ele percebe que poderia vender ‘para ele mesmo’ e não só para a empresa onde trabalha”, explica Leite.

Sua análise reflete um cenário que vai além do caso individual.

No ambiente das autopeças, o balconista é, antes de tudo, um observador privilegiado. Ele acompanha a flutuação de preços, a velocidade de reposição, o comportamento dos reparadores e até os gargalos logísticos. Essa vivência direta, combinada com o domínio técnico e o relacionamento com a clientela, cria um repertório raro — e valioso — para quem decide empreender.

Além disso, a digitalização do setor e o crescimento dos marketplaces automotivos têm reduzido as barreiras de entrada para novos negócios. Hoje, abrir uma loja virtual ou física exige menos capital inicial e mais conhecimento prático, um ativo que o balconista domina com naturalidade.

A expansão de modelos híbridos, que unem loja física, WhatsApp e e-commerce, também favorece quem já domina o atendimento multicanal, característica marcante do cotidiano desses profissionais.

Tudo tem propiciado que o que antes era visto como um papel de intermediação entre fabricante, lojista e cliente, agora se torne o primeiro passo de uma jornada empreendedora.

Conheça histórias de balconistas que se tornaram donos de suas autopeças

André Keppe, da Képecas Auto Peças – Curitiba (PR)

“Trabalho com autopeças desde os 13 anos, quando ganhei de presente de aniversário um emprego temporário. Hoje estou com 43 e continuo vendendo peças. Passei por várias lojas, atuei em todos os setores possíveis dentro de uma autopeças, até abrir minha própria loja. Em 2021, saí da empresa onde trabalhava e minha esposa, Keilla Keppe, deixou o setor bancário depois de 15 anos. Com muita coragem, compramos uma loja em Curitiba, onde, além de proprietário, eu sigo ainda desempenhando a função de balconista em diversos momentos”

Jean George da Silva Ferreira, da Jahu Auto Peças Nacionais e Importados – Jaú (SP)

“Minha história é um tanto curiosa, porque até hoje eu nunca fui oficialmente contratado pela empresa. Eu estava fazendo um curso no Senac, depois de ter sido demitido de uma outra empresa da cidade. Foi quando apareceu uma oportunidade na loja. Fui conversar com um dos sócios, mas nunca me deram retorno. Mesmo assim, apareci lá, em um momento em que a loja ainda estava sendo montada e fui ficando. Comecei nas entregas, depois estoque, cobrança, atendimento telefônico, anotações de cotações, caixa… Aí comecei a vender, criei minha clientela e, de repente, me destaquei. Ganhei confiança. Aprendi a observar o giro da loja e passei a fazer compras. Um dia, os sócios tiveram um problema e desfizeram a sociedade. Com isso, surgiu a oportunidade de me tornar um dos sócios. E aqui estamos, mantendo uma empresa sólida na cidade e na região”

Luiz Cloni Pagani Garcia, da Garcia Peças Diesel – Viamão (RS)

“Desde pequeno eu sempre gostei de comprar peças com meu pai, que era agricultor e plantava arroz. Aos 16 anos comecei a trabalhar com ele na lavoura e, aos 18, assumi a parte de compras de peças para nossos tratores. Sempre sonhei em ter uma autopeças, mas nunca fui adiante. A gente tinha um caminhão grande, e eu dizia: ‘Se tudo der errado, viro caminhoneiro’. No fim, a palavra tem força e tudo deu errado. Virei caminhoneiro por um dia. Isso porque precisei de peças para o meu caminhão e não encontrei. Tive que ir três vezes até a cidade vizinha para conseguir. Foi aí que decidi: as pessoas da minha cidade não precisavam passar por isso. Abri minha autopeças sozinho, sem entender quase nada de peças de caminhão, sem dinheiro, só com balcão e prateleiras, aceitando encomendas e atuando como balconista. Hoje, seis anos depois, sigo vendendo. Temos duas lojas, nove funcionários e mais de um milhão em estoque!”

Fonte: Novo Varejo

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