*com Rafael Ciampone, economista da Boa Vista
O recente aumento na taxa de inadimplência das famílias com recursos livres, de modo geral, não foi uma surpresa. A taxa, que encerrou o ano de 2020 na casa de 4,16%, subiu “apenas” 0,21 ponto percentual em 2021, para 4,37%. Mais do que isso, mesmo antes da crise, ela já vinha subindo, até que chegou ao nível de 5,60% em maio de 2020, quando então, despencou.
Os motivos que levaram a essa queda durante a pandemia também já são bem conhecidos, as postergações de parcelas dos empréstimos, a contribuição dos auxílios emergenciais e, em menor medida, a redução no ritmo de concessão de crédito ao longo de 2020 conduziram a taxa de inadimplência para patamares historicamente baixos.
Ao contrário da inadimplência, que subiu pouco, a concessão de crédito foi forte em 2021. Após encerrar o ano de 2020 com uma queda de 1,94% (lembrando que em dezembro de 2019 o crescimento era de 15,18%, a concessão de recursos livres às famílias) subiu 20,16% em 2021.
Olhando para o comportamento dessas variáveis ao longo dos anos, seria difícil de acreditar que estes movimentos aconteceram ao mesmo tempo, já que não é este o comportamento esperado. Soma-se a isso o fato de que nesse período o mercado de trabalho jogou “contra” a inadimplência e a concessão de crédito.
E o que se pode esperar do ano de 2022? Não são poucos os sinais que apontam para uma elevação contínua da inadimplência. Dentre eles, talvez o principal seja a composição dessa forte concessão verificada no ano passado.
Algumas linhas de crédito que costumam ser o “último recurso” ganharam mais importância, como o crédito pessoal não consignado, o cartão de crédito parcelado e o cartão de crédito rotativo. As taxas de juros associadas a esses tipos de crédito são quase que impublicáveis, mas, a título de exemplo apenas, em dezembro de 2021 elas foram de 85,17%, 349,62% e 168,45% ao ano, respectivamente.
Quando olhamos para o peso dessas linhas sobre o total de recursos livres concedidos às famílias, ele passou de 16,6% em 2020 para 21,3% em 2021. Esse percentual pode ser considerado alto, dado que, antes de 2021, algo próximo disso, um pouco maior na verdade, foi observado, por exemplo, nos anos de 2011, 2012 e 2013, o maior pico histórico da série atual da inadimplência de pessoas físicas, vide gráfico abaixo.
Naquele período a inadimplência das famílias subiu muito e depois caiu. Na ocasião, o que desencadeou esse movimento foi o excesso de crédito na economia. A inadimplência subiu muito mesmo quando o mercado de trabalho estava aquecido. A taxa de desemprego caiu ao longo do ano de 2012, por exemplo, encerrando aquele ano na marca de 6,9%.
Estaríamos próximos de algo assim mais uma vez? O crédito subiu muito, as famílias estão recorrendo mais às linhas de crédito mais caras, a inadimplência está caminhando para cima, a taxa de desemprego está em queda, mas o nível atual é muito mais elevado, de 11,6%, o rendimento médio real e efetivo do trabalho pode ter encerrado o ano de 2021 abaixo do nível verificado em 2012 (dez/12: R$ 2.527 – nov/21: R$ 2.450), as projeções de crescimento do crédito em 2022 são mais tímidas (talvez não seja sustentável, por ora, crescer tanto mais), enfim, a dúvida é razoável.
A discussão ganha ainda mais corpo quando excluímos da conta a participação do cartão de crédito à vista da concessão de recursos livres às famílias. Feito isso, o peso daquelas categorias mencionadas anteriormente passou de 40,9% para 57,4% entre os anos de 2020 e 2021, mais do que isso, esse é um valor inédito até aqui.
As linhas de crédito mais caras ganharam força ao longo do ano passado, o crédito pessoal não consignado, por exemplo, cresceu 23,0%, enquanto o crédito pessoal consignado caiu 1,6%. No mesmo sentido, o crescimento nas linhas de cartão de crédito rotativo e parcelado foi de 23,0% e 22,6%, respectivamente.
Se antes era difícil de acreditar que a inadimplência e a concessão de crédito se comportaram de forma tão “atípica”, mais difícil ainda será acreditar que a inadimplência possa parar de subir ao longo deste ano, a menos, é claro, que surjam novos fatores não recorrentes para ancorar a inadimplência, algo pouco provável no momento.
Fonte: Diário do Comércio – IMAGEM: Thinkstock