Por Filippo Vidal
As marcas que têm um legado são aquelas que carregam consigo uma história e forte reputação, construídas ao longo de muitos anos. Vemos muito isso no setor automotivo. Podemos dizer que essas tendem a ser mais críveis do que as recém-nascidas, e seus consumidores costumam também ser mais fiéis.
E, não menos importante, em geral têm negócios mais estruturados e capazes de enfrentar as dinâmicas de mercado com base nos aprendizados adquiridos em décadas de experiência. O verbo “tendem” é importante aqui porque existem vários casos de marcas que se perderam apesar de serem donas de histórias valiosas.
Os consumidores querem sentir-se emocionalmente ligados às marcas que escolhem, pois são uma extensão da sua própria personalidade, estilo e identidade. E a lealdade cresce quando se forma um vínculo emocional.
A conexão entre pessoas e marcas do setor automotivo
No setor automotivo temos inúmeros exemplos de grandes marcas quando pensamos nas fabricantes mais tradicionais. A Chevrolet, por exemplo, fez história no Brasil: basta pensar que neste ano chegou a 100 anos desde a inauguração de sua primeira fábrica no país. Com modelos como Opala, Chevette, Monza, Kadett, Omega, Corsa, Astra, Vectra e S10, a montadora abriu o mundo das quatro rodas para as famílias brasileiras. Com isso, trouxe carros confiáveis e de design arrojado para todos os bolsos e gostos.
Outro exemplo é a Citroën na Europa. A partir de modelos icônicos como a linha DS (o famoso tubarão chamado também de “Deusa”, quando lido em francês), CX, XM, Méhari, entre outros, construiu história de sucesso pautada em inovação estilística e técnica. Não vamos esquecer que essa foi a montadora que inventou as famosas suspensões hidropneumáticas.
Se olhamos para a história automotiva no Brasil, todos os nomes tradicionais entram no “clube” do legado. Volkswagen, Ford, Chevrolet, Honda, Toyota, Fiat são alguns exemplos. Até as premium, como Mercedes, BMW, Audi e Volvo carregam uma conexão muito profunda com os brasileiros, povo apaixonado por esse universo.
Mesmo com grande legado, jogo não está ganho
Porém, alguns acontecimentos importantes transformaram o mercado. O primeiro deles foi a pandemia da Covid-19, seguido da revolução elétrica e digital. Essas dinâmicas forçaram as empresas a reinventarem suas ofertas. Além disso, a chegada de novos players chineses ameaça a liderança das empresas que criaram o setor. A pergunta que fica é: o legado das marcas tradicionais continua sendo alavanca estratégica ou é mais um freio para inovação?
É importante destacar que décadas e até séculos de história automotiva não se criam, mas se conquistam, e isso tem um valor incalculável. E as empresas europeias entenderam isso muito bem, já que estão fazendo uso inovador de seu legado, evitando cometer erros do passado.
Porém, o que vem acontecendo principalmente com as fabricantes do velho continente – região mais resistente à mudança e mais conectada com as tradições – é um resgate e, em alguns casos, até um impulsionamento dos elementos que marcaram a história das montadoras da região.
Os bons exemplos de marcas automotivas
A BMW, com a linha de veículos elétricos, busca preservar e enriquecer sua história feita de excelência técnica, performance e luxo. Apesar de no passado ter lançado modelos eletrificados com estilo proprietário como o i3 e o i8, entendeu que separar sua linha de eletrificados da linha a combustão pode diluir o legado conquistado em décadas de glória. Por isso, hoje encontramos muitos de seus modelos nas duas versões, vendidos no mesmo showroom. O BMW Série 5, por exemplo, tem no i5 a sua versão elétrica.
Outra marca a se observar é a Volkswagen. A montadora de Wolfsburg entrou com força no universo de veículos elétricos em 2019, como reação ao famoso dieselgate de 2015. Um grande símbolo de como dar um passo para o futuro enquanto valoriza o passado é a ID.Buzz, cujo design se inspira nas linhas iconográficas da famoso Kombi. É clara uma volta às origens, focada em legado, design e qualidade. Algumas unidades do modelo foram, inclusive, vendidas no Brasil.
Até entre os carros esportivos, marcas têm estratégia
Existem outros exemplos. Recentemente pudemos assistir ao rebranding da Lotus, que seguiu uma direção totalmente oposta: reconhecida por seus carros esportivos leves e voltados ao purismo da direção, passa por transformação radical. Sob influência do grupo chinês Geely, a marca britânica rompe com legado analógico ao entrar no universo dos SUVs e carros elétricos, como o Eletre e o Evija.
Com nova identidade visual e foco em luxo, tecnologia e performance elétrica, a Lotus reposiciona-se como uma marca de inovação e desejo no cenário da mobilidade premium — um rebranding ousado que sinaliza o abandono das antigos padrões em favor da relevância futura.
A verdade é que não existe certo e errado nesse novo cenário automotivo tão dinâmico e imprevisível. Nos próximos anos, o legado de marca continuará como um patrimônio importantíssimo para as montadoras que o construíram em décadas de experiência, sacrifícios e sucessos. Apesar de muitas transformações, existe nesse setor um atributo que fará sempre a diferença: a paixão.
As empresas que souberem conectar eficiência de negócio, boas margens, cadeias de valor eficientes, qualidade alta e excelência técnica com as emoções das pessoas, terão vida longa. No fim da linha, o carro é e continuará sendo uma apaixonante parte da história da humanidade.
*Filippo Vidal é nascido e criado na Itália, construiu uma extensa carreira internacional, vivendo em países como África do Sul, China, Espanha e agora no Brasil. Chegou na FutureBrand São Paulo, em 2018, liderando um time multidisciplinar e trazendo um olhar estratégico para projetos locais e internacionais. Em 2022 foi convidado a se tornar sócio da FutureBrand.