O ano de 2024 tem sido marcado por uma disparada do dólar. Ao final do mês de junho, marco de encerramento do 1º semestre, um levantamento da Quantum demonstrou que, com alta em torno de 18%, a moeda americana alcançou sua maior valorização frente ao real na década no comparativo dos primeiros seis meses do calendário. De acordo com os especialitas da plataforma especializada no mercado financeiro, as razões para o movimento são diversas e contemplam desde questões internas do Brasil, como a desconfiança do mercado em relação à política fiscal, até situações do mercado externo, onde se destacam os altos juros estabelecidos pelo Banco Central Americano (Fed) e o movimento de atração de capital gerado por este cenário.
Cotado em R$ 5,73 no fechamento deste texto, o dólar alto tem como um de seus principais efeitos o aumento dos custos da matéria-prima. Afinal, mais do que o ‘dinheiro local dos Estados Unidos’, a moeda é ainda a principal balizadora da precificação no comércio exterior. Esta situação tem, aos poucos, chegado ao consu midor final e se reflete no aumento da previsão anual de alta de 4,05% para 4,10% feita pelo mercado para o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA). Um estudo publicado pelo Bradesco, no entanto, mostrou que o cenário poderia ser ainda pior caso indústria, importadores e distribuidores não estivessem represando o repasse da alta de custos para o varejo. Isso porque, segundo os economistas da instituição, a inflação dos produtos manufaturados para o consumidor final deveria estar na casa de 3,5% no acumulado dos últimos 12 meses, mas atualmente está estacionada na casa de 1,9%. A fotografia exposta pelos especialistas do Bradesco ganhou eco na última Sondagem Industrial divulgada pela Confederação Nacional da Indústria (CNI), na qual a taxa de câmbio ocupou a 4ª colocação no ranking dos principais problemas enfrentados pelas empresas do setor – um salto de 13 posições em relação à que havia ocupado no último levantamento.
Para importadores e até mesmo grandes indústrias, a dificuldade de repassar preços para os elos da ponta da cadeia, dados os problemas enfrentados por estes na hora de transferir o aumento ao consumidor, tem gerado um movimento de ‘corrida por fornecedores’ locais. Recentemente, em entrevista coletiva, o presidente da Nissan no Brasil, Marco Silva, deu um exemplo desta corrida ao afirmar que o atual cenário torna impossível manter a dependência de peças importadas, de modo que a empresa passaria a intensificar sua busca por componentes produzidos em solo brasileiro.
Importadores de autopeças também reduzem margem para represar parte do repasse de preços
O cenário de represamento de preços e absorção de aumentos por parte de indústrias e importadores verificado no âmbito geral da economia brasileira também pode ser a explicação para o fato de a inflação ainda não ter se estabelecido de maneira mais significativa no varejo de autopeças. Conforme publicado na edição passada do Novo Varejo digital (437), a variação nacional de preços nas lojas de autopeças referente aos meses de junho caiu de 5,02% em 2022 para 2,9% em 2023 e subiu para 3,7% em 2024, segundo dados do estudo VIES, realizado pelo After.Lab.
Em entrevista à nossa reportagem, o diretor da importadora Isapa, Roland Setton, corroborou com essa percepção ao afirmar que a empresa está repassando os preços a conta gotas.
“A gente não faz isso de uma vez só. Em maio, por exemplo, repassamos um aumento na casa dos 5%, valor que foi bem recebido pelo mercado”, contou Setton. De acordo com o executivo, porém, parte desta estratégia está ligada ao fato de a empresa não entender que as últimas altas agudas do dólar irão perdurar por muito tempo. “Eu acredito que, ao longo do tempo, as coisas vão voltar ao normal. Mas, claro que, até lá, a gente acaba espremendo um pouco a margem, pois chegam contêineres todos os dias e nós temos de fazer o pagamento com a taxa específica daquele dia”, complementou. Vale pontuar, no entanto, que a crença de que a moeda americana irá retornar a padrões mais sustentáveis em um futuro próximo não é o único, nem tampouco o principal, ponto no qual a Isapa mantém a tranquilidade e repassa este tom ao mercado.
Segundo Setton, o fato de a empresa já estar há mais de duas décadas atuando no mercado confere não apenas um nível de confiança por já ter passado por situações cambiais que, segundo ele, foram ainda mais agudas que a atual, mas também ter meios de negociar condições mais favoráveis junto aos fornecedores. “Nós atuamos em todas as frentes para minimizar estes impactos. Mas a verdade é que não vamos diminuir o nosso ritmo, independente disso. Vamos manter o fluxo. Até porque, alguns pedidos feitos hoje chegarão daqui a seis meses, no mínimo. Não dá pra prever como estará a situação cambial ou o cenário de demanda até lá. Nunca tiramos o pé e não vai ser agora”, concluiu o diretor.
Fonte: Novo Varejo