Por Claudio Milan
Reportagem publicada pelo jornal norte-americano The Washington post no último dia 29 de agosto trouxe mais um argumento ao debate que defende a urgência da regulamentação e da liberação dos dados produzidos pelos automóveis conectados. Se no Aftermarket Automotivo todos estão bem informados sobre a importância do Direito à Reparação para garantir a liberdade de escolha dos consumidores, os desdobramentos de um acidente ocorrido há mais de cinco anos lançam luz sobre a real abrangência do movimento Right to Repair/Right to Connect.
Vamos aos fatos. Em 2019, um executivo do mercado financeiro dos Estados Unidos dirigia na Flórida seu Tesla no modo de assistência à condução Autopilot. No exato momento em que o motorista desviou sua atenção ao volante para pegar o celular que tinha caído, o carro não detectou uma placa de parada num cruzamento, atravessou a intersecção e bateu num veículo estacionado. Duas pessoas que estavam próximas a este carro foram atingidas, sendo que uma jovem de 22 anos morreu e seu namorado ficou gravemente ferido.
O caso, naturalmente, foi parar na Justiça e 33% do acidente foram atribuídos à montadora, que foi condenada a pagar uma indenização de nada menos que 243 milhões de dólares. A Tesla recorreu da decisão. O proprietário do veículo fez um acordo à parte com as famílias.
Segundo divulgou o The Washington Post, um dos mais importantes jornais do mundo, os dados do acidente produzidos pelo carro foram obtidos por um hacker independente contratado pelo sobrevivente e a família da vítima fatal. A Tesla – que inicialmente havia informado não ser possível localizar tais dados – negou ter ocultado as informações.
De acordo com o advogado da montadora, a falha na recuperação das informações havia sido resultado de uma “trapalhada” e se constituía numa “tempestade perfeita tamanha a sequência de coincidências”. Assim que ficou sabendo que os autores do processo já possuíam todos os conteúdos gerados pelo carro, inclusive o vídeo que registrou a colisão, a montadora informou que havia conseguido os conteúdos.
A decisão da Justiça Federal dos Estados Unidos sobre o caso é recente e o recurso da Tesla está tramitando. Porém, observando a questão sob um olhar amplo, o veredito final não será tão importante quanto a própria conjuntura desenhada por este caso específico. A tecnologia veicular tem se tornado cada vez mais avançada e abrangente, proporcionando graus de condução autônoma que caminham para os 100%. Tudo isso é muito novo e demanda um arcabouço jurídico extremamente complexo. Mais do que nunca, é preciso definir responsabilidades com clareza. É preciso garantir que a manutenção desses carros possa ser feita dentro de parâmetros irretocáveis de segurança. E é preciso também determinar de uma vez por todas a quem pertencem e quem pode ter acesso aos dados gerados por todos os sistemas eletrônicos e de conectividade veicular. Até porque os bloqueios criados pelas fábricas estão cada vez mais evoluídos. “Se um acidente como este acontecesse hoje, eu não conseguiria extrair os dados”, disse o hacker ao Post.
O exemplo abordado neste editorial mostra de forma inequívoca que as informações não podem ser exclusividade das montadoras. Não se trata apenas de garantir a liberdade de escolha dos consumidores. É, também, uma questão de justiça.
Fonte: Novo Varejo