Cartão de loja vira crédito para consumidor endividado

Pesquisa da DM Card revela que 73% dos consumidores querem mais limite de crédito, o que não conseguem com os bancos. Rede Líder troca as antigas cadernetas por cartão da marca (Por Fátima Fernandes | Jornalista especializada em economia e negócios e editora do site varejoemdia.com)
Cartão de loja vira crédito para consumidor endividado

Aceitar cartão de crédito e ou débito é considerado um ‘mal necessário’ para muitos lojistas. Afinal, é melhor dar um pedaço da receita para as administradoras do que não vender.

Com a queda do poder de compra da população e a maior corrida por financiamento, um mercado que já foi robusto no passado volta a expandir no país: o de cartões próprios de lojas.

A DM Card, empresa que administra cartões próprios de cerca de mil varejistas no país, informa que a soma das faturas a receber de clientes de lojistas é hoje de R$ 800 milhões.

Antes da pandemia, este número era da ordem de R$ 300 milhões a R$ 400 milhões.

Isso significa, de acordo com Juan Agudo, diretor da DM Card, que os comerciantes veem hoje no cartão próprio uma forma de financiar o cliente, estreitar o relacionamento e faturar mais.

A maioria dos mil clientes da DM Card é supermercadistas. A expectativa é que lojistas de outros setores sigam o mesmo caminho. E uma das principais razões é a seguinte:

Pesquisa feita pela empresa no final do ano passado revelou que de cada 100 clientes de supermercados, 73 desejam mais limite de crédito, o que não conseguem com os bancos.

“Há um apagão de crédito hoje no país, e os cartões próprios de lojas possibilitam que o cliente faça a compra para pagar somente no vencimento da fatura” diz Agudo.

A rede Líder, de Minas Gerais, lançou o seu cartão próprio no final de 2020 com o objetivo de atender a demanda dos clientes e acabar com a venda na modalidade da antiga caderneta.

No passado, especialmente em cidades pequenas, era comum o consumidor levar produtos para a casa, pagando pela compra somente no final do mês, quando recebia o salário.

As compras realizadas ao longo do mês eram listadas em uma espécie de cadernetinha, que ficava em poder do lojista, com o nome do cliente devedor.

Marcelo Martins do Couto, diretor da rede Líder, diz que em João Pinheiro, cidade mineira onde está a sede da empresa, esta modalidade de venda existe até hoje.

Aliás, essas tradicionais cadernetas já chegaram a representar 20% do faturamento da rede.

“Estamos fazendo uma migração de cadernetas para o cartão próprio da loja, que dá prazo de até 45 dias para o cliente pagar”, afirma Martins do Couto.

Os cartões próprios da rede, administrados pela DM Card, já representam 8% do faturamento da empresa e os bandeirados (Visa e Mastercard) de bancos, 40%.

“A vantagem do cartão próprio, além de termos mais segurança em receber o dinheiro, é a fidelidade do cliente. Ele sabe que tem o crédito nas nossas lojas”, diz ele.

MAIS RECEITA

A DM Card informa que estudos mostram que a compra por CPF aumenta 55% com cartões próprios de lojas. “Se o cliente gastava R$ 100, passa a gastar R$ 150”, afirma Agudo.

A rede de supermercados BH, de Minas Gerais, viu a sua venda mensal na modalidade cartão próprio subir de R$ 5 milhões em 2018 para R$ 60 milhões em dezembro de 2021.

Durante muitos anos e ainda hoje no Brasil, o comerciante entende que receber em dinheiro do cliente é a melhor opção, evitando, assim, a mordida dada pelas empresas de cartões.

“Quem acha que o dinheiro não tem custo está errado”, afirma o consultor Boanerges Ramos Freire, presidente da Boanerges & Cia Consultoria.

“Há custo de manusear, guardar, aplicar, controlar, aceitar notas falsas e até de ser roubado.”

OPORTUNIDADE

O meio de pagamento, diz o consultor, é apenas uma parte do mundo mais amplo de serviços financeiros que os lojistas precisam cada vez mais oferecer para os clientes.

“Além de efetivar a venda, é uma porta de entrada, uma oportunidade para facilitar a vida do cliente, oferecer conveniência e obter informações para conhecê-lo melhor”, diz.

Quando o consumidor paga em dinheiro, diz Ramos Freire, o comerciante fica sem informações. Agora, se paga com cartão, pelo menos o nome e o CPF ele passa a ter.

Com os dados, o lojista tem condições de oferecer um programa de relacionamento, vantagens, recompensas, assim como ofertas personalizadas.

É evidente que as grandes redes têm mais força e capacidade financeira para avançar com todos esses programas, afirma ele, mas os pequenos também podem ter esses serviços.

“O lojista precisa pensar mais no cliente, em suas necessidades, e não apenas em empurrar os produtos. Precisa ser mais criativo, se diferenciar dos concorrentes.”

Se não conseguir fazer isso sozinho, de acordo com o consultor, o comerciante deve procurar empresas que tenham essa capacidade, compartilhando assim os riscos.

Agudo diz que, no caso da DM Card, a taxa cobrada nos cartões próprios das lojas varia de 0,7% a 2% sobre a venda, dependendo do tamanho do varejista.

O consumidor que compra com os cartões das redes Líder e BH paga uma taxa de cerca de R$ 11 quando faz a compra com o cartão. Se não usar, não paga.

EXPERIÊNCIAS RUINS

Alguns comerciantes espalhados pelo país nem chegam a considerar o uso de cartões, diz Agudo, porque tiveram experiências ruins no passado com administradoras.

Os bancos que conduziam as operações, de acordo com ele, restringiam a oferta de crédito. Os clientes e os lojistas também não conseguiam ser bem atendidos nos Call Centers.

Agora, este mercado volta a crescer na medida em que o consumidor fica com o orçamento apertado e enfrenta restrições para obter crédito nas instituições financeiras.

Nos últimos nove anos, a DM Card registra crescimento anual de 34%, em média, nas vendas nos cartões próprios de lojas.

O interesse de supermercadistas em ter cartões próprios tem aumentado tanto, diz ele, que a empresa ainda não teve tempo e braços para avançar em outros setores do varejo.

O grande desafio das administradoras de cartões agora é driblar a inadimplência, em alta.

De acordo com a DM Card, os atrasos no pagamento acima de 60 dias subiram 56% no primeiro trimestre deste ano em relação a igual período do ano passado.

“Hoje, a taxa de inadimplência é recorde dos últimos dez anos”, diz Agudo.

Num primeiro momento, diz ele, o auxilio emergencial estimulou o consumo. Com a redução do valor, a partir do final do ano passado, o orçamento do consumidor apertou.

“O fato é que está todo mundo endividado”, diz o diretor da DM Card, que prefere não revelar a atual taxa de inadimplência.

Fonte: Diário do Comércio – IMAGEM: Thinkstock

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