Por Lucas Torres
Aprovada em dezembro de 2023, a Reforma Tributária passará por um longo período de transição até a implementação da totalidade de seu texto, prevista para 2033. Até lá, as empresas serão desafiadas a se adaptar gradualmente às novas regras que redesenharão a estrutura de tributos sobre o consumo no país.
Já em 2026, o mercado começará a sentir os primeiros efeitos práticos com a entrada em vigor do novo layout de nota fiscal e da chamada alíquota-teste de 1%. Em 2027, o PIS e a Cofins serão substituídos pela CBS inaugurando oficialmente o novo regime tributário.
Esses e outros pontos foram discutidos sob a ótica do Aftermarket Automotivo em um webinar promovido em setembro pela DENSO Brasil, em parceria com a KPMG, reunindo distribuidores de diferentes regiões do país. A proposta foi oferecer um panorama técnico e, ao mesmo tempo, prático das mudanças trazidas pela reforma que, segundo os especialistas, tende a impactar diretamente a formação de preços, a gestão fiscal e o fluxo de caixa das empresas do setor.
O conteúdo técnico foi conduzido majoritariamente pelo sócio da KPMG no Paraná, João dos Santos Neto, que começou apontando a simplificação do sistema, a redução de litígios e o fim da guerra fiscal entre estados como as principais motivações do texto. “O novo modelo, conhecido como IVA Dual, substituirá gradualmente tributos como ICMS, ISS, PIS, Cofins e IPI, unificando a base de arrecadação sob dois impostos: o IBS (Imposto sobre Bens e Serviços), de competência estadual e municipal, e a CBS (Contribuição sobre Bens e Serviços), de competência federal”, detalhou. A proposta, segundo o especialista, é permitir a não cumulatividade plena, crédito pelo pagamento efetivo e apuração centralizada, criando um ambiente tributário mais previsível.
Outro ponto de destaque foi o fim da substituição tributária e da monofasia – temas que há anos geram debates no aftermarket e que devem ter desdobramentos diretos sobre margens e fluxo de caixa já que, com a mudança, cada elo da cadeia passará a recolher seus próprios tributos.
Já na parte final do encontro, o também consultor da KPMG, William Bora, apresentou exemplos práticos da Reforma sob a ótica de sua carga tributária, alertando que esta varia conforme o porte e o regime de tributação de cada companhia. “A Lei Complementar 214/2024 apresenta casos em que a carga tributária pode cair, especialmente para quem está no lucro presumido ou no Simples Nacional, devido à ampliação dos créditos. Mas é fundamental que cada distribuidor faça simulações detalhadas antes de decidir qualquer mudança de regime”, pontuou. Em uma dica final, a supervisora tributária da DENSO, Luana Houses, reforçou que todas essas nuances exigem que as empresas se antecipem às urgências impostas pelo calendário da transição, iniciando o mais rápido possível suas preparações técnicas e operacionais por meio da revisão de processos e integração das áreas fiscal, comercial e tecnológica.
O que os distribuidores querem saber
Ao fim do evento, os distribuidores que estavam acompanhando o webinar ao vivo tiveram a oportunidade de enviar perguntas e foram respondidos por Bora. Separamos as principais e transcrevemos abaixo!
Se minha nota fiscal não estiver adequada com os novos campos de IBS e CBS no dia 5 de janeiro de 2026, vou conseguir emiti-la?
William Bora — “Não consegue. É obrigatório a partir de janeiro de 2026 — a gente não emite documento fiscal se ele estiver em layout que não esteja de acordo com o que foi publicado na nota técnica recentemente. Temos um layout novo, precisamos adaptar as nossas notas fiscais, os nossos sistemas, para que, a partir de janeiro de 2026, a gente emita as notas no novo layout. Do contrário, essas notas não serão recepcionadas pelo Fisco.”
Quais são os desafios da implementação?
William Bora — “Os desafios são vários e estão em várias áreas da empresa. Costumamos dizer que há duas frentes da reforma tributária: uma mais operacional, relacionada à emissão de documento fiscal, apuração e pagamento do IBS e CBS, que é o que precisamos trabalhar em 2025; e outra estratégica, ligada ao novo cenário de tributação dentro da cadeia de fornecimento. Isso impacta preço, custo de aquisição, contratos e a própria forma de fazer negócio. A reforma não é só tributária, ela é uma reforma do negócio como um todo.
Além disso, é uma mudança de mindset. Precisamos enxergar a reforma como uma oportunidade de rever nossos negócios. O mais importante é focar na parte operacional e treinar as equipes, revisar processos e instruções de trabalho para garantir que a implementação ocorra de forma eficiente e dentro da conformidade.”
Como será a transição entre o sistema atual e o novo modelo?
William Bora — “Em 2026, começa a alíquota de 1%, que é apenas para calibração, sem impacto nos preços. Em 2027, sai o PIS e a Cofins e entra a CBS, a Contribuição sobre Bens e Serviços. Também em 2027, teremos a redução a zero da alíquota do IPI para produtos que não concorrem com a Zona Franca de Manaus. Em 2029, inicia-se a substituição do ICMS e ISS pelo IBS, a uma razão de 10% ao ano, até que em 2033 o novo sistema esteja em pleno funcionamento. Até lá, conviveremos com dois regimes simultaneamente.”
Por isso é essencial revisar processos e instruções de trabalho, para que a transição seja o mais tranquila possível.”
Quais benefícios podem ser esperados a médio e longo prazo?
William Bora — “Durante o período de transição, o desafio será conviver com dois regimes. Mas, a médio e longo prazo, especialmente após 2029, teremos um sistema mais simples e menos fragmentado. O ICMS é complexo por ter alíquotas diferentes por produto e origem. Com o IBS e a CBS, teremos alíquota única, o que facilita cálculos e reduz variáveis. Isso trará previsibilidade e simplificação para empresas e contadores. Vejo com bons olhos o futuro, especialmente após desligarmos o ICMS e o ISS, quando passaremos a ter uma tributação mais linear e fácil de determinar.”
Como as empresas podem se preparar para o split payment?
William Bora — “O split payment será um sistema desenvolvido pela Receita Federal em conjunto com o Banco Central e as instituições de pagamento. Ele funcionará de forma automatizada: quando o cliente pagar via Pix, cartão ou boleto, o sistema separará automaticamente o valor do tributo e o da mercadoria, destinando cada parte ao Fisco e ao vendedor. Esse mecanismo alimentará o que o governo chama de ‘apuração pré-preenchida’, com base nas informações das notas fiscais e pagamentos.”
Com a reforma tributária, não haverá mais incidência do Difal e ICMS-ST? Os mesmos serão devidos no destino?
William Bora — “Não teremos mais a sistemática do Difal nem do ICMS-ST. Eles serão descontinuados entre 2029 e 2032. O IBS será pago no destino, ou seja, onde o produto é disponibilizado ao cliente. Se o cliente retirar na loja, a tributação ocorre no estado da loja; se a entrega for em outro estado, vale a alíquota do destino. A nova regra é sempre baseada no princípio do destino.”
Como funcionará o sistema de créditos no novo modelo?
William Bora — “O crédito será o valor do tributo destacado na nota fiscal de entrada, desde que o documento seja idôneo e o imposto esteja pago. O direito ao crédito surge quando o fornecedor paga o tributo ou quando o pagamento é feito via split payment. O crédito segue a lógica do regime de caixa: só é possível aproveitá-lo após o recolhimento efetivo do imposto. Ou seja, o crédito depende de duas condições: tributo destacado em documento válido e imposto pago ao Fisco.”
Relembre o que é a substituição tributária
A Substituição Tributária (ST) é um regime em que o tributo (especialmente ICMS) é antecipado e cobrado na origem da cadeia – geralmente pelo fabricante ou distribuidor – em vez de esperar pela venda ao consumidor final. Em vez de cada elo recolher individualmente conforme a operação, o imposto já vem “embutido” no preço da mercadoria. Esse modelo é bastante usado por estados com o argumento de simplificar a fiscalização e reduzir sonegação, mas carrega desafios graves para o varejo e o mercado de reposição.
De acordo com lideranças do mercado, como Marco Antonio Machado, presidente do Sincopeças-RS – entidade que foi uma das responsáveis pela saída do setor de autopeças do estado ter deixado a ST –, o regime:
• transforma parte do capital de giro do varejista em tributos antecipados, sem garantia de que a venda será feita;
• incentiva a guerra fiscal entre estados, já que impostos e margens variam bastante de uma unidade federativa para outra;
• pode gerar desequilíbrios de concorrência, sobretudo em e-commerce: lojas localizadas fora de estados com ST podem oferecer preços desfavoráveis ou fugir dessa obrigação.
• o regime tem sido identificado como causa direta de sufocamento do capital de giro de pequenas e médias empresas, uma vez que exige que o tributo seja pago antes da concretização das vendas.
Fonte: Novo Varejo






















