Um setor de autopeças brasileiro que se recupera das agruras pós-pandêmicas, está atento às tecnologias de propulsão disponíveis, que volta a mostrar vigor após a escassez de semicondutores, pretende se reconectar com seus clientes e, claro, prospectar novos. Este é o panorama das 40 empresas que representam o país na Automechanika Franfkfurt, principal ponto de encontro dessa seara no mundo.
Dessas quatro dezenas de companhias, vale ressaltar que 33 delas expõem seus produtos na feira em estande coletivo viabilizado pelo Sindipeças em parceria com a Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (ApexBrasil). A iniciativa, encetada há mais de uma década, retorna à Automechanika Franfkfurt para selar, de fato, a retomada pós-pandemia.
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“Desde a última edição, de 2018, tínhamos a intenção de voltar a participar fisicamente [da Automechanika]. Por isso, não destinamos nenhuma verba para a edição de 2021 (realizada em formato majoritariamente digital). Mesmo porque, já estávamos fazendo muitos eventos virtuais”, ressalta Fernanda Garavello, coordenadora da área de fomento e exportação do Sindipeças.
Importante destacar ainda que o projeto da ApexBrasil, que ajuda a subsidiar a participação de associados da entidade em eventos de estirpe, é renovado a cada biênio. R$ 5,92 milhões foram investidos no período 2021-2022, com contrapartida de R$ 4,003 milhões do Sindipeças – assim, o total chega a R$ 9,92 milhões. Montante considerável, já que, por conta da pandemia, muitas feiras acabaram sendo realizadas virtualmente.
A título de comparação, no período que abarcou a última edição 100% presencial da Automechanika Frankfurt, a ApexBrasil desprendeu R$ 7,5 mi em investimentos, com contrapartida de R$ 4 milhões do Sindipeças. Portanto, o programa não deixou, especialmente num período tão delicado, de auxiliar empresas associadas à entidade.
Investimentos das brasileiras na Automechanika
Para se fazer presente na Automechanika, empresas com faturamento até R$ 20 milhões gastaram R$ 4,2 mil. Companhias com ganhos entre R$ 20 milhões e R$ 65 milhões ao ano pagaram taxa de participação de R$ 5,3 mil, enquanto as que passam desses valores aplicaram R$ 6,3 mil. Houve também abertura para não-associadas, que tiveram de gastar R$ 14,4 mil. Tudo isso à exceção de traslado, custeado pelas próprias companhias.
Como o espaço para a edição 2022 havia sido reservado em 2019, o projeto pagou € 294 pelo metro quadrado, valor cobrado à época, totalizando quase R$ 700 mil pela área. Isso sem contar as demais despesas previstas, que somam cerca de R$ 950 mil. Para as empresas, o investimento é bem recompensado com construção de imagem para as marcas e atração de clientes no maior evento de autopeças do mundo.
O projeto Brasil Auto Parts fará parte das edições vindouras de Automechanika. O estande coletivo estará no evento de Buenos Aires, entre 11 e 14 de outubro, em que 34 empresas já confirmaram presença. Além disso, 12 companhias garantiram espaço na versão de Dubai, que ocorre entre 22 e 24 de novembro.
“Uma organização de pequeno a médio porte, na maioria das vezes, não tem estrutura para participar de um evento como esse. Fazemos toda uma divulgação para possíveis clientes estrangeiros, além de custear outras despesas. Portanto, a ajuda que o projeto oferece é de suma importância. As empresas têm cultura exportadora, mas, em muitas das vezes, não têm condições de estar numa feira dessa magnitude”, explica Fernanda.
Automechanika pode ajudar a equilibrar balança de autopeças
O Sindipeças projeta que as empresas do segmento no Brasil irão faturar US$ 7,6 bilhões em exportações este ano. A projeção de importações, por outro lado, ficou na casa de US$ 18,6 bi, criando preocupante déficit de US$ 11,2 bi.
“Os veículos têm cada vez, mesmo no Brasil, ficado mais equipados, com conectividade e mais eletrônica. O país ainda não é um fornecedor de eletrônica automotiva e isso faz com que as importações aumentem. Já o cenário mundial complexo impacta nas exportações, e acabam sendo afetadas”, destaca George Rugitsky, diretor do Sindipeças para economia e mercados de reposição e original.
Para 2023, há esperança de que as exportações sejam mais significativas, de forma a combater o déficit. “Já exportamos para Estados Unidos e Europa em volumes muito maiores do que exportamos hoje, mas o Custo Brasil, sem dúvida alguma, afeta nessa questão”, complementa Rugitsky. No ano que vem, o Sindipeças estima, em importações, US$ 16,5 bi. No caso das exportações, ligeira alta com relação a este ano: indo a US$ 7,77 bi.
Empresas brasileiras também têm estandes próprios
Há décadas com estande próprio na Automechanika Frankfurt, a Fras-le, fabricante de lonas e pastilhas de freio, pretende, na edição 2022, manter posição. “Somos uma empresa muito internacionalizada, com presença em 125 países. Aqui [na feira], por isso, conseguimos nos conectar com muitos clientes da Ásia, América Latina, Europa e quase todos dos Estados Unidos. É a feira que nos conecta ao nosso ecossistema”, destaca Anderson Pontalti, COO da companhia.
Este ano, a grande novidade do estande da Fras-le é a presença da Fremax. A marca de discos e tambores leves foi adquirida em 2018 com o objetivo de ampliar o portfólio da companhia que faz parte das Empresas Randon. Assim, a empresa vislumbra ter soluções para o under car como um todo, estratégia interessante para o mercado europeu e, por conseguinte, global.
Segundo Pontalti, 40% da receita da Fras-le, hoje, vem do mercado externo. No ano de 2021, a empresa alcançou receita líquida de R$ 2,6 bilhões, desempenho considerado recorde em suas quase sete décadas, e já pretende chegar a R$ 3 bi em 2022. Com isso, no recorte, R$ 1,8 bi virão do Brasil e R$ 1,2 bi do mercado externo.
A companhia, vale dizer, tem unidades na China, Índia, Argentina, Uruguai e Estados Unidos, além de centro de distribuição na Alemanha.
A Gauss é outra empresa brasileira que dispõe de estande próprio na Automechanika Frankfurt há mais de 20 anos. “Crescemos graças ao contato, ao relacionamento direto com nossos clientes e, por isso, este evento é muito importante para a gente”, salienta Claudio Doerzbacher Junior, CEO da empresa de Curitiba (PR).
Fabricante de milhares de componentes elétricos, a Gauss lança, de acordo com o executivo, cerca de 600 produtos por ano. Além de unidade no Brasil – em expansão –, a companhia tem um escritório e um centro de distribuição na Alemanha e fábrica na China. Embora impactada pela pandemia, a empresa diz não ter demitido nenhum colaborador e se fez valer de incentivos para crescer 35% em 2020.
Já a par dos problemas na cadeia de produção, em 2021 a Gauss remodelou seu planejamento de fornecimento de componentes. No ano passado, a empresa cresceu cerca de 20%. O mesmo é esperado para 2022. Segundo Doerzbacher, a Gauss exporta para mais de 50 países. O mercado internacional representa entre 22% e 23% da receita da empresa, e, ainda de acordo com o executivo, segue “em crescimento”. Tal equivale a cerca de US$ 15 milhões em faturamento.
A ZM, sediada em Brusque (SC), tem como grande vedete o mercado de reposição e, tal qual a Gauss, também tem operação na China. No Brasil, de acordo com Poliana Zimermann, diretora de marketing da companhia, a empresa foi capaz de manter estoque durante o período mais crítico no Brasil.
Com produção majoritariamente focada no Brasil, a ZM também faz sua linha de impulsores na China a fim de atender ao mercado externo. Por conta do contexto pandêmico, a empresa transferiu boa parte de sua produção da unidade asiática para suas modernas instalações em Brusque.
Há uma década com estande exclusivo na Automechanika Frankfurt, a ZM é reconhecida por sua fabricação de motores de arranque, solenoides, polias, cruzetas, alternadores e outros componentes. Atualmente, a empresa exporta para mais de 40 países, espalhados por todos os continentes. As exportações representam 50% do faturamento da companhia.
Conterrânea da ZM, a Zen opera no setor automotivo desde 1960 e é figurinha marcada na Automechanika há décadas. Com exportação direta para mais de 60 países, se relaciona na feira com clientes que vão de vizinhos próximos, da América Latina, até leads de Líbia, Síria e Dinamarca.
“Estávamos ansiosos por essa [edição da feira]. Ela é um importante hub e, portanto, é muito especial estar aqui após quatro anos”, salienta Gilberto Heinzelmann, CEO da companhia com produção voltada para polias de roda livre e polias de roda livre com amortecimento.
Atualmente, 70% das vendas da Zen são direcionadas ao mercado de reposição, enquanto 30% são feitas para o mercado original (OE). Do faturamento da empresa, 60% advém das exportações. Estas também têm duplo perfil, com a companhia enviando seus componentes para montadoras, de acordo com o CEO, Áustria e México, por exemplo.
Outra presença brasileira marcante na maior feira de autopeças do mundo é a da MTE-Thomson, que há mais de uma década tem estande próprio no evento. A organização, que trabalha com sondas lambda e produtos para injeção eletrônica, exporta mais de 50% do que fabrica no Brasil, em sua unidade de São Bernardo do Campo (SP).
“Para nós é fundamental estar aqui na Automechanika, trazer um pedaço de quem é você, apresentar seus produtos e se conectar com as pessoas”, comenta Alfredo Bastos Junior, diretor de marketing da empresa. “Também é uma oportunidade de rever alguns clientes, especialmente após esse período [de distanciamento social], completa.
A empresa tem ponto de distribuição na Alemanha, na cidade de Bremen. O warehouse é capaz de prover apoio logístico, comercial e técnico para a clientela. As peças da empresa são exportadas para 60 países, com maior enfoque no México. De acordo com Bastos, a MTE-Thomson não sentiu tanto a escassez de semicondutores, por conta de seu planejamento e por ser uma “empresa verticalizada”.
Ausência da China por favorecer exportações brasileiras
Para fechar, o setor de autopeças nacional, especialmente na Automechanika 2022 se vê algo favorecido por causa da mínima presença chinesa na feira se compararmos aos eventos dos anos anteriores. “O Brasil entra como principal fornecedor. Um fornecedor que tem qualidade, competitivo em termos de preço e, nisso, ganhamos”, pontua Fernanda Garavello, coordenadora da área de fomento e exportação do Sindipeças.
A maioria dos entrevistados faz coro à fala de Fernanda. “As oportunidades aumentam, principalmente para uma empresa que tem sua base de faturamento fora da Ásia. Isso é uma oportunidade para todo mundo”, afirma um dos executivos. “Evidentemente, precisamos da concorrência para melhorar processos e entregar produtos ainda mais confiáveis. No entanto, a ausência chinesa [na Automechanika] nos ajuda bastante. Acabamos virando referência para potenciais clientes”, comenta outro.
“Este movimento não é algo novo. Muitos clientes têm deixado de comprar com chineses por questões políticas ou outros fatores. Isso é ótimo para o Brasil. Só que temos de deixar bem clara uma coisa: eles não vão desaparecer”, dispara um representante do país na Automechanika.
Esta reportagem há de concordar com tal afirmação. Portanto, é fundamental que as empresas nacionais não abdiquem de boas e eficientes práticas para entregar ao mercado produtos de qualidade a preços competitivos. Afinal de contas, há muito em jogo e, embora tenha dado uma arrefecida, a crise ainda não passou.
Fonte: Automotive Business