“Qualquer associação de classe será tão forte quanto os seus membros queiram fazê-la.”

Como a situação desfavorável da economia afeta o setor de autopeças?

29/08/2022

O cenário econômico não é dos mais favoráveis. A inflação alta, que atingiu 11,89% em 12 meses computados até o mês de junho, corrói o poder de compra dos brasileiros. Segundo o IBGE, apenas no primeiro trimestre deste ano os rendimentos habituais reais médios dos brasileiros recuaram 8,7% em comparação com o mesmo período de 2021. Além disso, a taxa básica de juros, a Selic, está em 13,25%.

Todos esses fatores impulsionam a busca de crédito por pessoas físicas, só para ilustrar, em maio foi 11,2% maior do que no mesmo período de 2021 e, consequentemente, o aumento da inadimplência: em abril 66,13 milhões de pessoas ficaram negativadas, o maior número desde o início da série histórica, em 2016, segundo a Serasa Experian. Mas de que forma tudo isso impacta no setor de autopeças?

Roberto Rocha, da Auto Peças Rocha, de Campinas (SP)

Na Auto Peças Rocha, de Campinas (SP), Roberto Rocha conta que tem sido observado um maior número de clientes parcelando em mais vezes as compras no cartão. “Alguns mecânicos que têm uma situação mais estável na oficina estão sofrendo, recebendo muitos cheques sem fundo ou seus clientes estão pedindo um prazo de 30 dias para começarem a pagar pelos serviços. Isso descapitalizou o caixa que eles tinham e, se antes eles pagavam à vista pelo desconto que oferecíamos, hoje eles pedem mais prazo”.

Rocha acrescenta que isso já está acontecendo há uns dois meses, “talvez adiante melhore um pouco”, otimiza, e sobre as vendas, diz ele, “está estável, mas deveria estar melhor por ser um mês de férias. Nós vamos fechar o mês uns 8% ou 10% abaixo do esperado. Não terá o crescimento que tem todos os anos nesta época”.

Para completar, o empresário informa que a falta de peças persiste. “Nós fizemos compras de alguns itens que prevíamos que iria faltar. Compramos o que achamos no mercado, alguns distribuidores não estão vendendo em mais quantidades, pois o estoque deles também está falhando. Um sinal de que eles também não estão recebendo das fábricas”.

Vendas impulsionadas

André Keppe, da Keppe Autopeças, de Curitiba (PR)

Há cerca de cinco meses, André Keppe adquiriu a Pajomar, em Curitiba (PR), loja de autopeças que já foi referência na cidade e estava em decadência. Ele mudou o nome para Keppe Autopeças. Desde então, as vendas se mantêm em alta, mês a mês. “Acredito que foi pela loja estar decadente e eu ter dado outra cara para ela”. Em relação ao mercado, o cenário é diferente. “Conversando com os meus amigos mecânicos, muitos dizem que o movimento caiu”.

Para ele, o caminho é a diferenciação e um dos seus slogans nas mídias sociais é “eu tenho o que todo mundo tem, mas tenho o que ninguém tem”. “Se eu não tiver a marca que o cliente quer, eu vou atrás para ele. E o que ninguém tem são peças de carros antigos e aqui eu tenho muita coisa. A minha abordagem é diferente. É um atendimento mais de consultoria, muito mais qualificado e até mais demorado”.

Segundo ele, é preciso ter muita atenção no estoque. “Hoje, nas grandes autopeças o estoque de giro está em torno de 30%. Ou seja, você investe muito e fica mais de 60% mortificado no seu estoque”. Uma mudança que ele tem percebido é na forma de comprar. “O balcão não deixará de existir, mas está migrando muito para o delivery. Para mim, o volume está vindo pela internet e pelas mídias sociais, até o telefone começou a migrar muito para o WhatsApp”.

Precaução

Roberto Turatti, o Billy, da Invest Auto, de Balneário Camboriú (SC)

Para evitar a inadimplência nas oficinas mecânicas, Roberto Turatti, o Billy, da Invest Auto, de Balneário Camboriú (SC), orienta a não aceitar cheques, não começar nenhum serviço sem o cadastro do cliente, nem que seja feito no papel, e nem sem a aprovação do orçamento. “Por essa filtragem, meu nível de inadimplência é quase zero e, quando tem alguma, é porque deixamos escapar algum procedimento e verificamos”.

Ele acrescenta que muitos têm medo de perguntar como o cliente irá pagar. “A maioria não sabe como perguntar. A culpa de inadimplência no meu setor, nas oficinas, é a falta de comprometimento e de clareza”.

Sobre o movimento na oficina, Billy conta que “teve uns momentos de redução, baixou um pouco em virtude da pandemia, por todo mundo ter sido afetado de uma forma ou de outra. Já neste ano, o índice de aprovação dos orçamentos tem sido alto. Porém no Nordeste eles têm reclamado um pouco. O poder aquisitivo influencia no movimento”.

Billy também fala sobre a falta de peças. “Aumentou, porque teve uma queda nas vendas de carros novos no acúmulo do ano e somente em junho a queda foi de 5% em relação ao junho de 2021, isso fez com que aumentasse um pouco o movimento nas oficinas. A falta de peças tem sido mais para carros mais premium do que para os populares”.

Efeito cadeia

José Natal da Silva, da Mega Car Centro Técnico Automotivo

José Natal da Silva, da Mega Car Centro Técnico Automotivo, da capital paulista, informa que do diagnóstico realizado na oficina o cliente pede para que seja feito o que é mais urgente. “Isso é o que temos observado neste cenário atual”. Assim como Billy, ele também não aceita pagamentos em cheque.

“Há dez anos, optamos por só trabalhar com cartão e dinheiro. Naquela época, eu percebi que se continuasse aceitando cheque, eu quebraria. Perdemos alguns serviços, mas fomos nos adequando à nova realidade, mostrando para os clientes que o cheque não fazia mais parte desse negócio. Em função disso, nós não temos inadimplência”, afirma.

Por outro lado, ele conta que tem uma pequena distribuidora, com o mesmo nome de sua oficina (Mega) e que lá, sim, nota-se como a inadimplência impacta o setor. “A inadimplência das oficinas aumentou bastante, o que reflete no varejo. Talvez seja pela queda de aprovação dos orçamentos. Isso causa um efeito cascata em todo o nosso setor”. Ele também enfrenta a falta de alguns itens. “Esta falta no mercado está judiando. Tem horas que falta por causa do preço e tem horas que é porque não há a peça disponível”.

Consumo das famílias

Pelo estudo IPC Maps 2022, o consumo das famílias deve movimentar cerca de R$ 5,6 trilhões ao longo deste ano no País, o que representa um aumento real de apenas 0,92% em relação a 2021, a uma taxa positiva de 0,42% do PIB.

Marcos Pazzini, sócio da IPC Marketing Editora

Marcos Pazzini, sócio da IPC Marketing Editora e responsável pela pesquisa, comenta que o esperado era uma recuperação. “Em 2020, no auge da pandemia, o valor do consumo caiu 6,5%. No ano passado, o consumo das famílias cresceu 4,5%, recuperando parte das perdas de 2020. O que se esperava para 2022 era, ao menos, a recuperação das perdas ocorridas em 2020, mas o cenário econômico, tanto nacional como internacional, não permitiram um crescimento maior neste ano”.

Segundo ele, “o que percebemos é que quanto mais a inflação aumenta, menor fica o rendimento do brasileiro e quanto menor o rendimento, maior é o comprometimento com despesas básicas, como habitação, alimentos, bebidas, medicamentos, etc..”. O IPC Maps 2022 também mostra que das preferências dos consumidores na hora de gastar sua renda, nota-se o aumento de gastos com carro próprio (11,5%), ultrapassando, inclusive, os desembolsos com alimentação no domicílio e bebidas (10,5%).

“Este aumento do potencial de consumo com veículo tem a ver com o aumento da demanda da população por serviços de entrega e, também, pelos serviços de táxi por aplicativo. Na pandemia, aumentou o contingente da população que passou a comprar produtos online, o que demandou uma frota maior de motos para este serviço e se mostrou uma oportunidade de renda para aquela população que ficou desempregada ou precisava aumentar sua renda. O mesmo raciocínio vale também para os serviços de táxi por aplicativo, principalmente em grandes cidades”, explica.

De maneira geral, Pazzini prevê um segundo semestre mais promissor que o primeiro semestre. “Pois a inflação começa a cair, o governo mexeu nos preços dos combustíveis, o que deve ajudar a diminuir a inflação, e o governo deve começar a pagar auxílio para pessoas necessitadas, caminhoneiros e taxistas, o que vai injetar dinheiro na economia e ajudar a movimentar o consumo, nesse segundo semestre”.

Cenário macroeconômico

Renato Aragon, Associate Director da Xsfera

Renato Aragon, Associate Director da Xsfera, boutique de consultoria para o mercado financeiro e de pagamentos, explica como a inflação impacta no poder de consumo. “Temos uma taxa de inflação bem distante da meta estabelecida pelas entidades monetárias do País, que está estipulada em cerca de 5,5% ao ano, e atualmente marca a casa dos dois dígitos. Isso afeta diretamente o poder de consumo das famílias brasileiras e, consequentemente, o setor produtivo do País. O cenário macroeconômico ainda está desfavorável, o que fortalece essa tendência”.

Por outro lado, ele diz que a queda do valor dos combustíveis deve provocar influência positiva para a queda desse índice. “É importante este movimento para que tenhamos capacidade de estruturar novas medidas para trazer a inflação perto da meta anual. Não obstante, existem reformas importantes para o País que dependem de uma série de iniciativas, porém precisaremos aguardar a continuidade ou não do governo atual para traçar cenários mais realistas. Tem muita especulação no ar em ano eleitoral.”

Guilherme Cortez, coordenador de Investigações da Leme Inteligência Forense, analisa que além de impactar o poder de consumo das famílias, a inflação gera uma alta generalizada de preços. “Além disso, como movimento natural, a taxa de juros costuma acompanhá-la. Sendo assim, a tendência a reduzir o poder de compra é potencializada, pois o crédito também se torna mais caro. O crédito mais caro desestimula a economia no geral, reduzindo o apetite pelo risco e, consequentemente, gerando menos postos de trabalho. Em poucas palavras, o custo de vida aumenta, e as formas de mantê-lo diminuem”.

Inadimplência

Diogo Catão, CEO da Dome Ventures

Diogo Catão, CEO da Dome Ventures, especialista em govtechs e inovação dos setores públicos, diz que com a elevação da taxa Selic, acima de 13%, a tendência é que a inadimplência aumente. “O grande desafio das fintechs é justamente a capacidade de dar crédito. Elas estão sendo bem avaliadas, por isso os preços das fintechs estão bastante descontados como a bolsa valores”.

Exemplo disso é o preço das ações dos bancos inter e Nubank que despencaram. “Pois há um temor de que cada vez mais fique difícil controlar a inadimplência. Nos dias atuais, é mais fácil as pessoas baixarem aplicativos e tentar pegar crédito em diversos lugares de forma simultânea, o que tende a aumentar a inadimplência. Quanto maior os juros, maior a probabilidade da inadimplência. Já nos bancos tradicionais existem as garantias solicitadas na hora de disponibilizar o crédito, o que mantém as taxas mais controláveis”.

Aragon avalia que a inadimplência chegou forte no cotidiano das famílias. “Desde 2016, não tínhamos índices com esse nível de endividamento. Tradicionalmente, a maioria das dívidas das famílias é com bancos e cartões de crédito. Porém, chama a atenção o fato de que cerca de 20% disseram respeito a utilities (água, luz, gás), o que demonstra que a inadimplência chegou forte no cotidiano das famílias brasileiras. O risco de crédito continua alto e as instituições financeiras certamente devem tomar medidas mais restritivas de concessão de novos contratos”.

Cortez comenta que o aumento da taxa de juros básica tem um impacto maior em novas concessões de crédito, porém há um impacto direto em relação à inadimplência. “Os devedores que não estão suportando pagar suas dívidas nas condições originais do contrato, em eventual negociação, serão impactados pelo encarecimento do crédito, com taxas mais agressivas que as anteriores, podendo ocasionar um possível efeito bola de neve”.

Comportamento do varejo

Pela aprovação da PEC dos Auxílios, Diogo Catão afirma que a tendência é uma injeção no varejo. “O índice Cielo do varejo ampliado, o IVCA, mostra que as vendas no varejo neste primeiro semestre tiveram um crescimento de 18% descontado da inflação e comparado ao mesmo período do ano de 2021. Claro que ainda não chegou aos níveis pré-pandemia, mas o varejo tem de certa forma se reinventado e vem conseguindo sobreviver bem. Com a PEC recém-aprovada, R$ 41 bilhões serão injetados na economia e é muito provável que o varejo se manterá em níveis satisfatórios até o final do ano”.

Guilherme Cortez diz que a tendência natural é que produtos não essenciais tenham impactos negativos, enquanto os essenciais se mantenham relativamente estáveis. Mas para o setor de autopeças o aumento da frota de automóveis mais antigos pode impactar.

Guilherme Cortez, coordenador de Investigações da Leme Inteligência Forense

“Segundo estudo encomendado pelo Sindipeças (jun/2021), a tendência de aumento de frota de veículos com mais de 12 anos seguiria até 2022. Considerando também a crescente da taxa de juros, que obstaria o crescimento da frota de carros mais novos, devido ao encarecimento do crédito, o varejo de autopeças pode atingir estabilidade, mesmo em cenário econômico geral desfavorável, pois a frota de veículos do País será composta por máquinas com maior necessidade de reposição de peças”, explica.

Ano eleitoral

Historicamente, ano eleitoral traz muita volatilidade para os mercados, conforme explica Renato Aragon. “Já sentimos esse impacto nos juros, câmbio, inflação, inadimplência, etc. O segundo semestre será marcado pela definição da continuidade ou não do governo atual. Essa definição é de extrema importância para que o planejamento econômico, a partir de 2023, produza impactos positivos na retomada do crescimento econômico do PIB”.

Para Guilherme Cortez, as propostas econômicas, somadas à recepção do mercado, às pesquisas eleitorais e resultado da eleição, serão um dos grandes pontos para recuperar a confiança na economia do País. “Embora os resultados do segundo semestre reflitam majoritariamente o movimento de retomada após a pandemia da Covid-19, alguns indicadores como fluxo de entrada de recursos estrangeiros irão demonstrar se haverá um aumento de confiança diante do cenário político que irá se desenhar ou se a tendência ainda será negativa em relação à economia brasileira”, conclui.

Fonte: Balcão Automotivo

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