Por Lucas Torres
O que aconteceria com seu volume de vendas se os clientes passassem a ter limitações na hora de fazer compras parceladas e sem juros com o cartão de crédito? Pois bem, é isso que está em jogo em uma disputa entre grandes instituições financeiras e representantes do varejo nacional. Para compreender o cerne desta discussão é preciso, antes de tudo, mergulhar em um embate que se acentuou entre os principais tomadores de decisão da área econômica do país ao longo do mês de agosto: o alto endividamento da população brasileira e seus impactos para fornecedores de crédito e o mercado de consumo. Na esteira do ‘Programa Desenrola’, lançado no último mês de julho para tirar o nome de milhões de brasileiros da lista dos inadimplentes, o Ministro da Economia, Fernando Haddad, e o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, apontaram que a diminuição dos juros astronômicos do chamado ‘rotativo’ do cartão de crédito é uma das principais chaves para impedir que uma nova onda de endividamento se siga ao programa.
Com a conclusão, Haddad e a equipe econômica do Governo Federal aumentaram a pressão sobre os bancos nacionais com uma espécie de ‘aviso prévio’ de que os juros considerados ‘ultrajantes’ não poderiam seguir no patamar atual. Como resposta, o Congresso Nacional, ao trabalhar um texto para instituir a continuidade pro Programa Desenrola, agora por meio de Projeto de Lei, incluiu um tópico sobre a fixação de limites para os juros do Cartão de Crédito. O texto foi aprovado pela Câmara dos Deputados e pelo Senado – O relator da matéria na casa, senador Rodrigo Cunha (Podemos-AL), destacou que o teto do parcelado do cartão de crédito deverá ser de 100% da fatura e não mais de 440% ao ano, como é hoje. Os emissores de cartão de crédito deverão apresentar ao Conselho Monetário Nacional uma proposta de autorregulação das taxas de juros e encargos financeiros cobrados no crédito rotativo e no parcelamento de saldo devedor das faturas de cartões de crédito.
Entenda o que é o Rotativo do Cartão de Crédito
Linha de crédito mais cara do mercado brasileiro, com juros que ultrapassam a marca dos 420%, o rotativo do cartão de crédito é concedido automaticamente pelas instituições financeiras quando o cliente não paga a íntegra de sua fatura até a data de vencimento. Somente no mês de junho de 2023, a concessão desta modalidade de crédito para cidadãos e empresas somou um montante de aproximadamente R$ 500 bilhões.
COMPENSAÇÃO
A possibilidade de passarem a conviver com o tabelamento ou um teto para os juros do rotativo não agradou, no entanto, os bancos que, em resposta, sugeriram a introdução de um mecanismo que limite as compras a prazo sem incidência de juros por meio do cartão de crédito a, no máximo, seis parcelas. De acordo com o mestre em economia e professor de instituições como FGV, Insper e FIA, Marcos Piellusch, o impasse advém do fato de as instituições financeiras utilizarem a alta taxa do rotativo como uma espécie de compensação pela inadimplência que absorve em parcelamentos longos e sem juros. “Os juros se destinam a cobrir os custos para captação dos recursos, mas também ao pagamento de impostos e, no caso do rotativo do cartão, uma parte muito significativa vai para cobrir a inadimplência, que é muito elevada. Para se ter uma ideia, a inadimplência em alguns momentos chega a um terço do saldo total das faturas a pagar” explicou o especialista, detalhando a lógica por trás da estratégia na sequência. “O racional dos bancos é o seguinte: atualmente o parcelamento é feito no Brasil sem a incidência de juros, assim há um prazo dado aos clientes. Com o fim do parcelamento sem juros, os bancos supostamente poderiam reduzir os juros do rotativo”
Os impactos do debate para o varejo
De volta à pergunta com que iniciamos esta reportagem, chegou a hora de investigar os possíveis impactos que limitações nas vendas a prazo, sem juros, teriam no setor varejista nacional. Recentemente, um levantamento realizado pelo Centro de Estudos de Microfinanças e Inclusão Financeira da FGV quantificou a importância do cartão de crédito para a economia brasileira e concluiu algo que quem está na ponta já sabe: ele é central. Segundo o estudo, a representatividade do volume dessas transações no PIB nacional é de 5%, índice bastante superior ao de países mais ricos, como os Estados Unidos, cuja fatia dos cards contempla 2,7% do Produto Interno Bruto. Além disso, o estudo mostrou que seis em cada 10 brasileiros utilizam a modalidade. Diante de dados como esses, a FecomercioSP – que representa empresas do comércio, serviços e turismo no Estado de São Paulo – se posiciona contrariamente à possibilidade de limitação das vendas sem juros, destacando o seu potencial prejudicial para milhares de negócios. Segundo a entidade, o crédito, aliado ao emprego e à renda, é um dos pilares essenciais na determinação dos padrões de consumo da população, tendo um papel imprescindível no desempenho econômico do varejo. “Para o comércio, esse mecanismo não só funciona como uma alavanca do valor médio das transações como também aprimora, significativamente, a administração do estoque, já que ao oferecer a possibilidade de parcelamento, os consumidores podem adquirir outros produtos”, pontua a FecomercioSP, antes de apontar falhas no racional utilizado pelos bancos na hora de colocar crédito e rotativo e parcelamentos sem juros na mesma equação. “São instrumentos diferentes. No primeiro caso, os juros incidem sobre o valor da fatura quando o consumidor não paga dentro do prazo. Já no segundo, um acordo é firmado entre consumidor, lojista e administradora de cartões para viabilizar as vendas do varejo.
Mais do que criticar, FecomercioSP propõem soluções
Contrária às limitações do parcelamento sem juros das compras no cartão de crédito propostas pelas instituições financeiras como contrapartida à diminuição dos juros do rotativo, a FecomercioSP listou seis medidas que, em sua visão, seriam elementos importantes para impulsionar a melhoria das condições da modalidade de crédito mais cara do país na atualidade. São elas:
1. Estabelecer teto para a taxa do rotativo: fixar limite de acordo com a faixa de renda do consumidor;
2. Promover a competição no mercado de crédito: diminuir barreiras para encorajar novos agentes a entrar no mercado;
3. Facilitar a portabilidade de crédito: permitir que os consumidores busquem melhores condições para pagamento das dívidas, de forma clara e transparente;
4. Estimular o Open Finance: incentivar a população à adoção e à renovação, já que o instrumento reduz a assimetria informacional entre instituições, melhorando as condições dos produtos e serviços ofertados;
5. Fortalecer a segurança jurídica: tornar o processo de empréstimo mais transparente e ágil;
6. Adotar iniciativas de educação financeira/uso consciente do crédito: conscientizar acerca dos riscos envolvidos e disponibilizar informações com linguagem acessível aos usuários
Aftermarket automotivo expressa preocupação com impasse
Quem também está atento às discussões e preocupado com a possibilidade de limitação das vendas via cartão de crédito sem juros é o aftermarket automotivo. Afinal, do varejo à reparação, passando pela distribuição, lideranças e empresários do setor salientam que essa modalidade não é só relevante no volume total de suas transações, como representa a maioria delas. Diretor e fundador da Ramos & Copini, distribuidora e varejo de autopeças do Rio Grande do Sul, Flavio Ramos conta que, nas negociações com o consumidor final, o cartão é a modalidade preferida em 80% dos casos, e isso acontece independentemente do valor da compra. Além disso, Ramos pontua que, como medida de proteção à inadimplência, a empresa estabelece que todas as suas vendas parceladas sejam feitas por meio do cartão de crédito – estratégia que, inevitavelmente, aponta para uma redução nas vendas caso o Governo Federal te por implementar alguma mudança nesse sentido. O cenário vivenciado pelo empresário varejista é o mesmo em que estão imersas as empresas de reparação automotiva. Presidente do Sindirepa Nacional, Antonio Fiola afirma que, nos grandes centros, o cartão de crédito predomina absoluto nos recebimentos. “Tem oficinas que fazem o cálculo do gasto com o banco e dão desconto à vista, mesmo assim dois terça dos recebimentos são em cartões de crédito”, compartilhou, complementando que o parcelamento é feito, em média, de três a quatro vezes sem juros nos serviços de tíquete médio de até R$ 1.500, mas realizado de maneira mais estendida em serviços de valores mais altos. “Sem dúvida nenhuma impactará no setor e também na economia de forma geral se houver o fim ou a limitação do parcelamento no cartão de crédito, porque é um hábito do brasileiro parcelar as compras”, finalizou Antonio Fiola.
Fonte: Novo Varejo