Varejo de autopeças quer e precisa capacitar vendedores e mecânicos

Ao varejo físico, sobrou a necessidade de aprimorar a maneira como se relaciona com seus clientes – mecânicos e proprietários de veículos – oferecendo mais empatia e adequando seus métodos e linguagem a consumidores a cada dia mais exigentes
Varejo de autopeças quer e precisa capacitar vendedores e mecânicos

Por Claudio Milan (claudio@novomeio.com.br)

O cliente do varejo quer ser bem atendido. Isso não é uma novidade, mas a aceleração digital imposta por mais de dois anos de pandemia acostumou os consumidores a um relacionamento muito mais ágil, eficiente e informativo por parte das lojas – uma herança da compra online. Ao varejo físico, sobrou a necessidade de aprimorar a maneira como se relaciona com seus clientes – mecânicos e proprietários de veículos – oferecendo mais empatia e adequando seus métodos e linguagem a consumidores a cada dia mais exigentes.

No centro da questão está a necessidade cada vez maior de aprimoramento profissional. Não por outra razão a urgência dos treinamentos pautou os debates no painel “Novo perfil do consumidor – quais os desafios para construir uma ótima experiência com o cliente (cx)?”. E boas iniciativas para atrair e reter clientes também foram apresentadas no palco do Seminário da Reposição Automotiva, além de ações capazes de reacender nos consumidores e prazer de ter um carro próprio.

Painel Varejo “Novo perfil do consumidor – quais os desafios para construir uma ótima experiência com o cliente (cx)?”

 Participantes

• Alexandre Pereira, CEO da Atlanta Autopeças.

 • Felipe Martins, sócio-diretor do Grupo PMZ.

• Douglas Barbosa, gestor da Celsão Autopeças.

 • Marcos Arthuzo, diretor de Operações da DPaschoal.

Adalberto Piotto – Temos duas experiencias consolidadas. A relação de compra como era antes da pandemia e o modo virtual, que foi imposto, não havia alternativa. Todo mundo se adaptou rapidamente. Agora a gente sabe como gosta de ser bem atendido, no plano físico e também no virtual. Já estamos nesse ponto ou ainda há dúvidas das empresas sobre processos que precisam ser aprimorados sobre esta relação de venda, de atender esse consumidor que, no fundo, só quer ser bem atendido e sair satisfeito, seguro?

Felipe Martins – A experiencia do consumidor passa obrigatoriamente pela reparação automotiva. Hoje a gente está vendo oficinas que têm mecânicos treinados não dando conta de atender a demanda. E as oficinas em que os mecânicos não conseguem se qualificar vêm trazendo uma experiencia muito ruim para o cliente. E isso está favorecendo a locação de carros – 60% dos veículos hoje são vendidos para locadores. Por quê? Muita gente opta hoje por locar um carro para não ter a experiencia de ir ao mecânico. Na hora em que o carro dá defeito, vai à locadora e troca o carro. O mesmo ocorre quando uma classe social troca de carro a cada dois anos. O que o grupo PMZ vem fazendo para melhorar essa experiência do consumidor? Investindo forte numa escola para mecânicos para melhorar essa experiência, treinar tanto novos profissionais para o mercado quanto aprimorar os mecânicos existentes. Porque sem o mecânico não há o aftermarket. O grupo PMZ vem acompanhando essa tendência de formar mão de obra porque, se a gente não investir nisso, o mercado vai ficar sem reparador, sem oficina mecânica e, sem isso, não tem a distribuição.

Adalberto Piotto – Como é a experiencia dos vários níveis de formação intelectual, acadêmica e educacional dos mecânicos? Como vocês lidam com essas diferenças?

Felipe Martins – Esse é o principal desafio que temos na montagem da escola. Algo em torno de 90% dos mecânicos se acostumaram a consertar carro. São pessoas muito batalhadoras que começaram limpando peça, de família humilde, e foram evoluindo, aprendendo. Mas não tiveram a oportunidade de se qualificar – até porque, onde se qualificar? Hoje são pouquíssimas instituições. O Senai Ipiranga forma, basicamente, pessoas para as concessionárias. Não tem foco na reposição. Forma também para a reposição, mas é pouco. Se todos os mecânicos quisessem se qualificar hoje não haveria capacidade. O objetivo do grupo PMZ é ser a primeira escola, uma escola de mais de mil metros quadrados que a gente está fazendo para ensinar. A dificuldade está em como fazer isso no sentido de que ele, até hoje, não precisou da escola para chegar onde está. Nosso desafio é fazer com que ele faça um curso de quatro / oito horas e já no dia seguinte consiga ganhar dinheiro. Se a gente conseguir implementar essa metodologia, aí conseguiremos fazer cursos mais complexos, que poderão durar semanas. A ideia é começar desde cursos básicos, de metrologia, de mecânica básica e ir evoluindo para que ele tenha a consciência de que se continuar se qualificando, melhorando a qualidade da oficina e o consumidor tendo uma experiencia melhor, ele vai crescer. Também terá curso de gestão, mas o principal é o reparador.

 Adalberto Piotto – Marcos, você lida com a dificuldade de encontrar mão de obra qualificada? Marcos Arthuzo – No grupo DPaschoal a gente também desenvolve uma plataforma de treinamento e formação de pessoas, o Maxxi Training. O objetivo é formar pessoas não só para nossas lojas, mas para o mercado. Quando o cliente vai a uma loja não é como ir à Disney, comprar uma roupa nova ou um veículo novo. Fazer manutenção do carro não é uma atividade prazerosa, que encanta as pessoas. E como fazer com que essa experiência seja boa, que traga o cliente de volta? Formar pessoas é importante, mas elas precisam ser formadas com alguns conceitos que o mercado vem desenvolvendo, e a DPaschoal vem fazendo isso há mais de 75 anos. Não estamos lá para vender produtos para o cliente, estamos lá para resolver seus problemas, garantir a mobilidade, que o carro vai continuar rodando. A maior satisfação é quando a gente não vende para o cliente, ele vai até lá achando que tem um problema muito mais sério e quando eu digo para o cliente que não precisa trocar, ele fica encantado. O mercado automotivo ainda tem um estigma de que pessoas que não conhecem sobre carros vão a uma loja e se trocam coisas desnecessárias. Temos a preocupação de formar pessoas, mas que elas sejam formadas não só na habilidade de trocar o produto, mas que consigam entender a filosofia do mercado e como a gente precisa atuar para encantar os clientes.

Adalberto Piotto – Para comprar autopeça, também tem essa questão? O sujeito chega com o sonho de que vai gastar menos, tem que gastar mais, e aquilo está mexendo no orçamento, ele já chega com um incomodo natural.

Alexandre Pereira – Você recebe no varejo um cliente que está com o carro parado na oficina e o mecânico dá uma lista de 15 peças para ele correr atrás e levar, das melhores marcas, tudo original. Se não, ele não quer, e o cliente chega na loja já com a cabeça formada. A gente tem que dar um treinamento muito grande para a equipe porque é difícil contornar uma situação dessas. O varejo deve ter uma equipe atendendo, dar tranquilidade, mostrar as marcas – porque cada marca tem características diferentes –, isso faz parte da experiência do cliente dentro da loja. E o varejo, depois da pandemia, ficou muito difícil, vários pontos estão sendo atacados, principalmente essa questão da locação dos carros. A geração Z, que não quer dor de cabeça, quer pegar o carro e sair andando. Há aplicativos em que você aluga carro por uma hora, para usar naquele momento. Um dos objetivos na Atlanta é trazer a experiência de ter um carro novamente. Organizamos eventos de carros antigos, Stock Car, simuladores para que as pessoas tenham aquele prazer de ter um carro novamente, a experiência de que aquilo é um bem, é importante. A gente treina a equipe o via o foco para outra coisa até ele dar uma relaxada, aí você passa o orçamento, não chega já falando o preço de cara, tenta trabalhar o cliente. Infelizmente as pessoas só nos procuram quando há um problema e o objetivo do varejo é justamente absorver essa demanda, trazer uma solução. O mais importante é o cliente ver que você está tentando trazer uma experiência para ele, não apenas querendo empurrar o produto. Na Atlanta também temos um centro de treinamento de onde saem os vendedores, porque no nosso setor existem boas práticas de empresas que querem promover a venda de peças, mas a gente tem que fazer a lição em casa. Hoje os vendedores não precisam entender de carro, precisam trazer uma solução para o cliente, uma experiência diferente.

Adalberto Piotto – Vamos falar da geração Z. Como explicar para esse jovem que ter carro é bacana, sim, desde que ele entenda que não é só sentar e dirigir?

Douglas Barbosa – Eu sou uma nova geração, meu pai montou a loja. Não sou da geração Z, mas estou mais antenado em redes sociais, que os jovens veem. Isso influencia muito o comportamento deles, até estamos fazendo um podcast de carro antigo, PodGuinchar, com esse intuito. Contar a experiência para essa galera mais nova, que curte podcast, redes sociais. O cara vai lá e conta uma história que passou com o carro. São muitas experiências que eu não vou ter com um carro alugado, fora esse perrengue todo. Eu atendo o mecânico e o consumidor final. A gente tem deixado bem claro para a equipe que o cara vai chegar bravo e se você for na mesma energia, não vai conseguir atender nem resolver o problema. Tem que ser empático. Coloca o chapéu do cliente que acordou, foi ligar o carro para ir trabalhar e o carro não ligou. Ele não vai chegar feliz. A gente sempre dá os treinamentos internos com esse intuito, empatia. É o cliente no centro, todo mundo que está ali olha para o cliente. Fazer de tudo para a experiência dele ser a melhor possível. Tendo essa experiência, principalmente no caso dos consumidores finais, essa nova geração vai gostar.

Adalberto Piotto – Ir ao mecânico ou à loja de autopeças não é uma Disneylândia. Mas eu preciso criar uma conexão. Aquilo precisa se tornar agradável, embora seja um problema. A construção dessa relação no setor como tem que ser feita?

Felipe Martins – O grupo PMZ é reconhecidamente uma empresa que forma pessoas, nós temos aproximadamente 2,3 mil colaboradores diretos. São mais de 80 lojas em seis estados. Nós temos a Universidade PMZ, produzimos os vídeos, os treinamentos. E aí o cara começa a fazer, vem aquela empolgação e, de repente, ele só apertava o play e já não via o vídeo. Era só para tirar o certificado. Aí começamos a colocar um Quizz para ele responder e fizeram um grupo de WhatsApp para as respostas. Agora colocamos gameficação para ver se essa nova geração de vendedores começa a se empolgar, a passar de fase. Então, sim, o grupo sempre investiu muito em treinamento, mas olhando da porta para dentro, sempre muito preocupado com a própria equipe, em melhorar o atendimento, criar mão de obra para continuar a expansão. Agora a gente dá o passo de também treinar o cliente, o mecânico, para que a experiência do consumidor em toda a cadeia seja boa. Porque não adianta se só o grupo PMZ, como loja, der uma boa experiência para o cliente e o mecânico consertar o carro errado, colocar uma peça errada. Um cliente frustrado vai deixar não só de ir ao mecânico, mas também de comprar peça da gente. A ideia é que a gente veja o treinamento como ciclo completo de experiência do consumidor, desde a hora em que ele deixa o carro na oficina, faz o orça mento, vá com a gente comprar a peça e termine com o serviço bem feito.

Adalberto Piotto – Na DPaschoal normalmente as pessoas ficam aguardando o conserto do carro. Vivem a experiencia praticamente dentro da loja. Essa experiência muda como a relação com o cliente?

Marcos Arthuzo – Era muito mais comum antes as pessoas ficarem na loja aguardando. Hoje ocorre mais em cidades do interior, mas quando vamos para as capitais o perfil é diferente. O que a gente está tentando – e talvez não tenhamos chegado na excelência ainda – é entender as necessidades em cada situação, em cada região, e adaptar. Na loja, o cliente quer ter Wi-Fi e área de trabalho, não quer ficar debaixo do carro acompanhando o serviço, quer trabalhar. Quando ele vai a um centro automotivo, tem na cabeça que vai chegar lá e em duas horas estará tudo resolvido. Então, a rapidez que o cliente espera do nosso serviço é muito diferente. E, nessa rapidez, a gente tem que ter as peças para todos esses modelos de carros que existem, o que é muito complexo. Então temos que ter uma rede de distribuidores que possa abastecer nossas lojas, porque não é possível ter estoque para todos os veículos imediatamente, mas é preciso ter mecanismos para fazer essa experiência do cliente no tempo que ele espera. Se ele fica na loja, quer ter um ambiente que possa acomodá-lo. E para os clientes que querem ir para o trabalho, temos que ter soluções, como convênio com empresas de táxi, Uber, que levam e trazem o cliente de volta. Procuramos não padronizar, mas buscar uma solução para cada cliente, conforme sua necessidade.

Adalberto Piotto – A depender da geração do cliente, do estilo ou das necessidades que ele tem naquele momento, como lidar com essa diversidade?

Alexandre Pereira – Ter várias gerações e vários estilos de cliente é complicado, mas o mais importante dentro de um varejo é tornar a experiência a melhor possível, seja do cara que tem uma necessidade rápida, de apenas uma manutenção, ou daquele que realmente fundiu o motor e tem um custo alto. Há três ou quatro anos eu ia organizar qualquer evento de ativação dentro da loja e tinha que implorar para as indústrias ajudarem, tornar uma experiência diferente, trazer o cliente para dentro da loja. De dois anos para cá, deu para perceber que as indústrias já começaram a entender que a experiência do cliente dentro da loja é muito importante para lincar ele com a marca. A gente está organizando uma caminhada de luta contra o câncer e em menos de 24 horas conseguimos fechar dez cotas de indústrias para patrocinar o evento. É lógico, tem uma estratégia por trás, uma menção forte ao ESG, mas o mais importante é trazer o cliente, a loja de autopeças também é uma experiência legal e tem uma gama de fornecedores por trás.

Douglas Barbosa – A gente tem que inovar. Não existe consultoria melhor do que ouvir o cliente. Se você tem um cliente mais jovem, tem que ouvir o que ele precisa. Na minha cidade tinha o Joaquim Mecânico, uma vez levaram um Del Rey e ele mandou descer a rua e ir ao mecânico lá embaixo. Imagina um cara desse trabalhando com os clientes com o nível de exigência de hoje. Todo mundo quer o melhor preço e o melhor atendimento. Só que a gente tem esses mecânicos ainda hoje, temos que atender, saber ouvir, é difícil. Acredito que não existe bala de prata nem mágica, mas talvez ao ouvir o cliente e tentar inovar sempre você consiga fechar esse ciclo.

Fonte: Novo Varejo

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