“Qualquer associação de classe será tão forte quanto os seus membros queiram fazê-la.”

No varejo, sobram vagas. Mas faltam interessados

25/09/2024

Vagas passam semanas em aberto sem receber um currículo. Pessoas não comparecem a entrevistas e algumas preferem emprego temporário, ao invés do modelo CLT. Empresários vivenciam drama, mas construir um plano de carreira pode ser uma forma de reter essa mão de obra

Por Rebeca Ribeiro

O Brasil vive um dos melhores cenários de ocupação no mercado de trabalho desde 2015. Segundo dados divulgados em agosto pelo IBGE, o número total de trabalhadores é de 102,0 milhões, representando um crescimento de 2,7% no ano.

Com a economia aquecida, a procura por candidatos aumenta e é comum ver anúncios de vagas no varejo. Operador de loja, vendedor, atendente e balconista são algumas dessas vagas encontradas pelo Diário do Comércio no Centro de São Paulo.

Segundo Simone Malandrino, coordenadora de trabalho na Secretaria Municipal de Desenvolvimento Econômico e Trabalho (SMDET) da cidade de São Paulo, houve um aumento de 50% no número de vagas disponíveis no Centro de Apoio ao Trabalho e Empreendedorismo (CATE) em comparação a 2023.

Em agosto do ano passado, foram disponibilizadas 327 vagas. Já em agosto último, foram disponibilizadas 600. Apenas na região Central há 1.305 vagas abertas.

“É comum haver um aumento de postos de trabalho no segundo semestre. Porém, este ano está mostrando um cenário atípico, com grande crescimento no número de vagas”, afirma.

Enquanto os anúncios de emprego se tornam comuns, os comerciantes reclamam da dificuldade de encontrar funcionários. Na rua Direita, também no centro de São Paulo, Patricia Santos, líder de equipe na Skala, compartilha que um anúncio de vaga para operador de loja já possui três semanas, mas que eles receberam apenas um currículo. 

A situação não é diferente na loja de vestuário Keep, na rua José Bonifácio. Em busca de um vendedor para completar a equipe, o anúncio que já está há uma semana não recebeu nenhum currículo. A situação surpreende o gerente Josélio Barros, 53, que atua no varejo há 34 anos e nunca havia se deparado com essa situação antes.

“Antigamente, se colocássemos um anúncio de vaga, recebíamos cerca de 50 currículos”, afirma. 

Na visão do gerente, a maioria das pessoas não quer mais trabalhar aos sábados – o que dificulta atrair essa mão de obra no varejo. Já para Mônica Silva, vendedora da loja Requinte, de vestuário feminino, que tem uma oportunidade em aberto para balconista há três semanas e também recebeu apenas um currículo, as pessoas estão muito “seletivas” em relação às vagas.  

Para Victor Pagani, diretor de relações sindicais do Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (DIEESE), além do desafio do comércio em atrair mão de obra, os empresários ainda enfrentam a dificuldade de manter esses trabalhadores dentro de suas empresas, uma vez que a taxa de rotatividade é um constante desafio dentro do varejo. 

Por encontrarem no comércio vagas com longas jornadas de trabalho e baixos salários, esses trabalhadores acabam procurando por ocupações melhores ou optam pelo trabalho informal.

“O fato de ter outras atividades de trabalho, que resultam no mesmo salário e em mais flexibilidade, pode ser um dos fatores que têm levado a essa dificuldade do comércio reter mão de obra”, diz Pagani.

FALTA DE MÃO OBRA AFETA TAMBÉM BARES E RESTAURANTES

O cenário não é diferente no setor de bares e restaurantes. Segundo uma pesquisa divulgada em setembro pela Abrasel (associação do setor), 89% dos 2.005 entrevistados consideram difícil encontrar novos funcionários, enquanto apenas 1% considera fácil. Além disso, 94% alegam ter mais dificuldade para contratar mão de obra especializada, como churrasqueiro, sushiman e etc. Por fim, 63% têm dificuldade para encontrar auxiliar de cozinha.

Dificuldade vivenciada também por Fabiano Machado, dono do restaurante Isto e A-Quilo em Belo Horizonte (MG). Com duas unidades e quatro vagas abertas, o empresário utiliza três artifícios para atrair mão de obra: através do Sistema Nacional de Emprego (Sine), um grupo no whatsapp e uma empresa terceirizada. Ele conta que o grupo no whatsapp recebe constantemente pessoas interessadas, mas atrair essas pessoas para a entrevista é um dos grandes desafios.

“Recebemos cerca de três a oito currículos, mas apenas uma pessoa vem para entrevista”, afirma Machado. Para driblar essa situação, o empresário tem investido em benefícios na empresa, como plano odontológico, de saúde e participação nos lucros. 

Premium Essential Kitchen: qualificação interna para poder crescer na empresa

Mesmo oferecendo um modelo de trabalho CLT, com benefícios e salário acima da média da categoria na região, Machado nota que muitas pessoas procuram o restaurante atrás de vagas temporárias e para trabalhar apenas em dias específicos, ou por determinado período só para complementar a renda – modelo de trabalho que Machado não adota em seu estabelecimento.

O aumento de interessados por vagas temporárias também tem sido um empecilho para Caroline Nogueira, CEO do restaurante empresarial Premium Essential Kitchen, que afirma que muitas pessoas não enxergam o setor como um trabalho em que possam construir uma carreira. É apenas um local para ingressarem no mercado de trabalho, e depois encontrarem algo melhor. Além disso, as pessoas têm buscado muito por freelas, não desejando mais ser mensalistas.

Devido a esses fatores, Caroline implementou o projeto “RH na rua”, colocando recrutadores para chamar a atenção de quem passa pela região, e mostrando que os contratados passam por uma qualificação interna, para poderem crescer dentro da empresa, e passando a visão de um plano de carreira para os candidatos.

“Hoje, os candidatos escolhem as empresas, e não apenas as empresas escolhem os candidatos”, afirma Célio Salles, conselheiro da Abrasel. Ele destaca que é preciso que haja uma mudança de mentalidade dos empresários, que devem fornecer uma formação de carreira dentro da empresa e, assim, gerar uma expectativa no funcionário para continuar.

Além disso, para Salles, com o cenário atual, é preciso um processo de contratação contínuo dentro das empresas. Se antes os processos seletivos eram realizados a cada seis meses, agora é preciso que eles sejam realizados mensalmente para que não exista essa deficiência de mão de obra nas empresas.

“Se não houver essa mudança de mentalidade, pode acontecer o que ocorreu nos Estados Unidos alguns anos atrás, quando os restaurantes tiveram que rever o horário de funcionamento, assim como os serviços prestados para reterem mão de obra.”

DEMANDA OSCILANTE

Segundo o professor e pesquisador Marcelo Graglia, diretor do Observatório do Futuro do Trabalho da PUC-SP, hoje em dia as pessoas encontram muita dificuldade em se manter em seus postos de trabalho, por conta da demanda por funcionários oscilar dentro das empresas de acordo com a economia.

Por isso, as pessoas preferem se adequar ao trabalho informal, no qual irão ganhar, muitas vezes, a mesma renda, enquanto têm a flexibilidade de decidirem quando irão trabalhar. “As pessoas não se sentem seguras nas empresas. Um vendedor de rua não quer abandonar seu ponto para depois ser demitido”, afirma.

A diferença salarial entre homens e mulheres também é um indicativo dessa falta de interesse por vagas CLT, uma vez que elas recebem cerca de 20% a menos que os homens, mas representam a maior força de trabalho.

São fatores que também têm influenciado na rotatividade, já que as pessoas não conseguem se manter nesses cargos CLT devido ao salário, ou até mesmo por uma mudança geracional, diz Graglia, pois as novas gerações almejam esse crescimento dentro da empresa de forma rápida.

Além disso, outro fator que tem contribuído para a rotatividade é a procura por mão de obra especializada: assim, essas pessoas recebem constantemente novas ofertas de emprego em que podem ganhar mais.

Investir nessas especificações e construir um plano de carreira para os funcionários é, na visão de Graglia, uma forma de reter essa mão de obra, uma vez que o funcionário contratado como assistente de cozinha pode acabar se tornando um chef, por exemplo, fazendo com que ele tenha uma visão de futuro e, consequentemente, permaneça na empresa. 

LEIA MAIS: Falta de mão de obra já compromete expansão de redes. O que fazer?

Fonte: Diário do Comércio – Fotos: Agência Brasil e Reprodução do site (https://dcomercio.com.br/publicacao/s/no-varejo-sobram-vagas-mas-faltam-interessados)

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