Consultorias especializadas no setor automotivo avaliaram de forma positiva a assinatura do decreto anunciado na quinta-feira, 10, que estabelece o IPI Verde e o Programa do Carro Sustentável, por meio do qual zera o imposto para carros de entrada.
E, a despeito de a medida ter validade até o fim de 2026 por causa da reforma tributária, e dos reflexos positivos imediatos aguardados nas vendas, ainda que a redução de tributos comece a valer em 90 dias, o principal benefício enxergado é o legado que deixará nas linhas de produção.
“A primeira impressão é a de que atendeu plenamente aos anseios da indústria, em linha com que já vinha sendo indicado pelo governo. O consumidor ganha por ter redução nos preços, o que propiciará seu acesso a veículos mais sustentáveis, mas isto ajudará a indústria a se planejar para o futuro”, afirmou Alfonso Abrami, sócio da Consultoria Pieracciani, especializada em P&D e inovação.
Para Abrami, o decreto resultará em grande esforço no planejamento dos produtos e no desenvolvimento tecnológico dos processos de manufatura, até porque os investimentos estimulados pelo Programa Mover, Mobilidade Verde e Inovação, de R$ 190 bilhões, vão direcionar os próximos dez a vinte anos da indústria nacional.
“As montadoras tendem a caminhar nesta direção para conquistar maior eficiência e escala produtiva, o que reforçará a capacidade instalada. E o Brasil se tornará, definitivamente, um player de exportação”, disse. “Além disso, a engenharia brasileira, que já chama atenção por ter custos atraentes, comparados aos da China e da Índia, trará mais holofotes para si.”
Para Ricardo Roa, sócio líder do setor automotivo da KPMG, os aspectos técnicos estão bastante alinhados ao Mover. “A ideia prioritária do governo é reduzir a utilização de combustíveis fósseis e privilegiar nossa matriz energética e melhorias de utilização de veículos mais sustentáveis. Então quem combinar melhor os fatores conseguirá reduzir a zero o IPI.”
Híbridos a etanol devem ser protagonistas
Segundo Roa, isto vai ao encontro de veículos híbridos flex, híbridos plug-in flex e traz uma novidade, que é a questão de potência do motor. “Boa parte dos elétricos é bem potente. E, quanto menos potente, mais benéfico é para a redução do IPI, que é a proposta do carro popular. Veículos a gasolina e diesel terão prejuízos, porque a alíquota será maior. Quem quiser ter os carros mais potentes continuará tendo, mas não é a política que o governo busca influenciar, pois defende a iniciativa de troca de frota para opções mais sustentáveis.”
Neste cenário, o especialista da KPMG partilha da análise de Abrami acerca do reflexo nas empresas, que com o objetivo de tornarem-se mais competitivas, e ofertarem novos portfólios de projetos para elevar as vendas, tendem a combinar estes fatores: “Então vão surgir veículos mais populares, não tão potentes, com eletrificação diferenciada. Híbridos leves são exemplos”.
Medida pode diminuir impacto dos juros
Em meio a cenário de crédito escasso, devido a combinação de juros nas alturas e aumento da inadimplência, a esperada redução de preços, principalmente em veículos de R$ 80 mil a R$ 100 mil, ajudará a aquecer o mercado, na avaliação dos especialistas:
“Nos últimos tempos veículos desta faixa de preços estavam sendo mais demandados pela venda direta. Pode, inclusive, haver migração de quem até então optava pelo carro usado. O reflexo só não será maior por causa da dificuldade de acesso ao financiamento”, assinalou Abrami.
Ele afirma que é possível um acréscimo de 5% a 10% nos emplacamentos, mas que tudo dependerá também das políticas das montadoras e de seus bancos, e citou que as empresas já começaram a baixar seus preços, caso da Volkswagen, Fiat e Renault.
Roa concordou e disse esperar que a medida apazigue, em partes, as questões político econômicas para impulsionar vendas. “Será bom porque reduzirá o custo ao consumidor e, talvez, equilibrará a conta e a agenda de vendas de veículos. Veio num momento importante para não pesar tanto no bolso.”
Impulso para os investimentos em P&D
O consultor da Pieracianni defende que o sucesso da medida passa por grandes esforços em P&D. “As empresas sabem disso, estão investindo nisso. Os programas do Mover estão funcionando, os investimentos anunciados em desenvolvimento tecnológico de produto e processo são muito bons. Existe uma série de parcerias com institutos de pesquisa, universidades e centros acadêmicos para o desenvolvimento de soluções.”
No curto prazo, as empresas promoverão a readequação da linha e produtos serão relançados para aproveitar a esperada melhora do mercado. No longo prazo, será “P&D na veia, capacitar equipe, ampliar capacidade tecnológica das empresas e planejamento”.
O plano, defendeu Abrami, é que na matriz passem a enxergar o Brasil como importante polo de produção e também de engenharia, com outros olhos. “Aí sim construiremos o futuro da mobilidade no Brasil.”
Fonte: AutoData