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Mercado ainda resiste à compra de itens técnicos no ambiente digital

Marketplaces e plataformas de tecnologia investem em ferramentas para modificar o cenário

07/11/2025

Por Lucas Torres

A venda de itens automotivos no ambiente digital já é uma realidade. Prova disso, é que dois dos maiores marketplaces em atuação no país têm a categoria como um dos seus principais focos de atuação. Com presença mais tradicional no aftermarket, o Mercado Livre já consolidou sua divisão de ‘autopeças e acessórios’ como uma de suas fontes de receita mais relevantes. Isso porque, pelo menos desde 2022, esses produtos se desatacam como líderes considerando todas as demais categorias em volume de vendas. Mais recentemente, o marketplace argentino passou a contar com uma concorrência cada vez mais acirrada da Shopee que, de janeiro para cá, fez investimentos robustos em sua área de ‘Auto & Moto’, incluindo a abertura de lojas oficiais de mais de 40 grandes marcas do setor.

Em meio a todo esse movimento, porém, ainda existe uma barreira importante para que possamos cravar o comércio digital de peças por meio de marketplaces como uma via de concorrência às vendas realizadas diretamente pelas lojas e distribuidores de autopeças.

Isso porque, especialistas no comércio digital do aftermarket e os próprios porta-vozes dos marketplaces afirmam que a maioria esmagadora dos itens vendidos nesses espaços consiste em acessórios automotivos e peças de aplicação mais voltadas a demandas de alto giro, como kits de freios ou amortecedores.

Ao destacar o protagonismo da categoria Auto & Moto entre aquelas que se destacaram acima da média nacional em determinados estados brasileiros no período de abril e setembro de 2025, a Shopee mencionou produtos como: Escapamento (Piauí), Ar-condicionado para carro (Paraíba), Kit de Relação, Tração e Transmissão (Pernambuco), Kit de Sistema de Freio (Maranhão), Kit 4 Rodas Aro 17 (Amapá), Roda de Liga Leve (Sergipe), Jogo de 4 Pneus (Minas Gerais e Espírito Santo).

Segundo Thiago Trincas, CEO da Seconds – startup curitibana que desenvolve tecnologia para marketplaces –, a predominância desse perfil de produtos em relação àqueles mais conectados com a chamada ‘mecânica pesada’, se deve a um conjunto de fatores relacionados à confiança, sobretudo do reparador. “Entre essas barreiras, eu destacaria dúvidas quanto à qualidade e garantia, dificuldade em validar a compatibilidade, custos e complexidade logística para devoluções, além da confiança no vendedor”, afirma Trincas.

Em complemento ao líder da Seconds, o fundador e header do Compre Sua Peça, Iago Átila, aponta que, além da confiança, o mercado digital ainda carece, muitas vezes, de detalhamento nas informações disponíveis em alguns canais. “O que temos percebido é que quando o comprador encontra uma peça com descrição completa, imagens e garantia de compatibilidade, ele se sente seguro e finaliza a compra”, comenta Átila.

Marketplaces e empresas de tecnologia se mobilizam para mudar cenário

Embora os números ainda mostrem o predomínio de acessórios e peças de aplicação mais simples nas vendas online, há uma mobilização crescente tanto de marketplaces quanto de empresas de tecnologia para mudar esse cenário.

O objetivo é claro: tornar o ambiente digital mais seguro e confiável para a comercialização de peças de maior complexidade técnica, ampliando o alcance das plataformas e oferecendo aos consumidores e reparadores a mesma precisão e assertividade que se espera de um balcão físico.

No centro dessas iniciativas estão as ferramentas de compatibilidade, sistemas que conectam automaticamente cada peça às especificações dos veículos para os quais ela é aplicável considerando marca, modelo, versão, motorização e ano. Essas ferramentas atuam como um elo técnico essencial entre vendedor e comprador, reduzindo erros de aplicação e devoluções, dois dos maiores gargalos da venda digital de autopeças.

De acordo com Thiago Trincas, da Seconds, a popularização das novas soluções vem transformando o dia a dia das operações online. “Essas funcionalidades diminuem o número de devoluções e erros e já estão em pleno funcionamento em plataforma como o Mercado Livre”, afirma o executivo, antes de complementar: “De olho nesse movimento, criamos nossa ferramenta de compatibilidade voltada a permitir o preenchimento das informações em massa, reduzindo drasticamente o tempo de cadastro do anúncio”.

Trincas ressalta ainda que o uso de dados em tempo real é decisivo para entender as flutuações de demanda e as variações de compatibilidade conforme a frota circulante se renova. Em outras palavras, trata-se de um mercado dinâmico, que exige leitura contínua e tecnologia aplicada ao detalhe, um desafio que, até poucos anos atrás, parecia distante da realidade do aftermarket digital.

Quem também enxerga o poder transformador dessas ferramentas é Iago Átila, fundador da Compre Sua Peça, plataforma que nasceu com foco em conectar oficinas e consumidores diretamente a distribuidores e fabricantes. Para ele, as ferramentas de compatibilidade representam “o ponto de virada” do e-commerce automotivo. “Elas funcionam como uma validação técnica automatizada, garantindo que o cliente compre exatamente a peça certa para o veículo dele. Como a maioria dos compradores online não é técnica, essas ferramentas, especialmente com o avanço da inteligência artificial, começam a atuar como assistentes de compra inteligentes, interpretando diagnósticos e sugerindo o produto correto”, destaca.

Segundo o executivo, a aplicação das soluções não só reduz devoluções e melhora a experiência do usuário, como também abre espaço para que peças mais complexas passem a ser comercializadas com segurança e previsibilidade. “À medida que os catálogos digitais e os bancos de dados automotores se integram, a validação da compatibilidade se torna mais automatizada e confiável. Com isso, o e-commerce tende a evoluir de um modelo baseado em conveniência para um modelo de eficiência e precisão, em que até peças de mecânica pesada poderão ser compradas online com segurança e agilidade”, projeta Átila.

Mecânico ganha espaço no ecossistema dos marketplaces

Validando as ferramentas de compatibilidade como tecnologias essenciais para a expansão das vendas de peças críticas em plataformas online, a Shopee seguiu o mesmo caminho do Mercado Livre e tem investido significativamente na tecnologia.

De acordo com Felipe Lima, Head de Desenvolvimento de Negócios da empresa, essa tecnologia tem sido um dos pilares da expansão da categoria Auto & Moto, uma das prioridades estratégicas da companhia em 2025.

“Nosso filtro de compatibilidade permite que,  ao buscar uma peça, o consumidor possa selecionar o modelo e o ano do veículo para verificar se o item é compatível já na plataforma. Mas fomos além. Junto dessa função automatizada, há a possibilidade de tirar dúvidas técnicas diretamente com o próprio vendedor antes da compra”, reforçou.

Apesar desse amplo reconhecimento da importância das ferramentas de compatibilidade, Lima afirma que a consolidação dos marketplaces como espaços tão relevantes quanto as lojas físicas para a venda de todas as categorias de peças também está atrelada a iniciativas de engajamento profissional, capazes de aproximar oficinas e mecânicos das plataformas.

“Estamos em um momento em que os mecânicos, e não só os consumidores finais, já estão se tornando parte ativa do ecossistema do marketplace. Foi pensando nisso que criamos iniciativas como o Programa de Criadores e Afiliados da Shopee. Nele, o próprio profissional pode indicar ao cliente o link do produto que precisa ser comprado para um reparo ou manutenção. Após a compra, ele recebe uma comissão pela venda. Além disso, lançamos o Clube do Mecânico, que oferece descontos e condições especiais”, explicou.

Esse tipo de estratégia, aliás, é visto pelos especialistas como um passo decisivo na profissionalização da jornada digital de compra de autopeças, em que o reparador deixa de ser apenas um intermediário e passa a atuar como curador técnico e influenciador de decisão de compra, função que ele já exerce há décadas no ambiente físico.

Do ponto de vista de mercado, a soma de todos esses movimentos, tecnológicos, comerciais e culturais aponta para uma transformação gradual e inevitável. Assim, a aposta é que, em um futuro próximo – à medida que as ferramentas de compatibilidade se consolidam e a cadeia ganha fluidez digital – a fronteira entre o balcão físico e o marketplace finalmente desapareça.

Fonte: Novo Varejo

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