Por Lucas Torres
Os benefícios colhidos por São Paulo ao longo da experiência de 10 anos de Lei do Desmonte representaram o principal mote do trabalho defendido no Insper. Em seu núcleo, a legislação obriga os estabelecimentos a se credenciarem junto ao Detran-SP, adotarem sistemas de rastreabilidade, emitirem nota fiscal e atenderem exigências ambientais e urbanísticas.
Em entrevista à nossa reportagem, o diretor de Gestão Regulatória do Detran-SP, Eric Wetter, aprofundou as razões que explicam por que a regulação dos desmanches têm trazido números tão positivos. “A rastreabilidade é fundamental para que o consumidor tenha segurança sobre a origem da peça. Hoje temos um sistema com cruzamento de informações que permite mais controle sobre o que é comercializado”, conta Wetter. Ele lembra que o selo de rastreabilidade é exigido por lei e que o consumidor pode denunciar irregularidades por meio da plataforma FalaSP.
O Detran-SP também tem intensificado a fiscalização para garantir o cumprimento das regras. Em julho, o órgão realizou uma operação conjunta com a Polícia Militar e a Polícia Civil em estabelecimentos da capital. Foram fiscalizados 24 desmontes, dos quais 15 estavam de portas fechadas, um foi lacrado e três foram autuados. As infrações incluíram ausência de credenciamento, falta de nota fiscal e comercialização de peças sem rastreabilidade.
Segundo Eric Wetter, diretor de Gestão Regulatória do Detran-SP, essa atuação está longe de ser uma ação pontual e integra um serviço contínuo de inteligência. “Temos mais de 800 pontos de fiscalização que se integram com bases da Polícia Militar, o que nos permite monitorar irregularidades de forma inteligente”, afirma, complementando que essa infraestrutura, aliada à análise de dados e ao cruzamento de informações, é chave para uma atuação mais precisa.
Apesar de efetiva para desincentivar o comércio irregular de autopeças no país, é importante dizer que a Lei do Desmonte ainda não o eliminou por completo. Mesmo com avanços locais, a atuação clandestina continua a ser um desafio. Mesmo com a queda nos índices de roubo e dos avanços no estado, a informalidade ainda é um entrave – questão que, segundo Wetter, é, ao lado da consolidação da cultura da rastreabilidade, um dos pilares do combate à pirataria no comércio de peças usadas.
Sucesso de São Paulo inspira, mas ainda não se consolida como padrão nacional
Um dos pontos mais preocupantes trazidos pela pesquisa de André Mancha é a conclusão de que, no Brasil, ainda há estados onde não há exigência de credenciamento ou fiscalização sistemática – fator que, segundo ele, os tornam ‘zonas cinzentas’ na atividade de desmontes ilegais. “Os resultados obtidos poderiam ser replicados em vários outros lugares, desde que houvesse empenho em disseminar boas práticas e estruturar a atuação institucional em outros estados” destaca o pesquisador.
Questionado sobre essa necessidade de uma política nacional de maior unidade e integração contra a pirataria no setor de autopeças, Wetter, do Detran-SP, afirma que ela é fundamental, posto que a simples existência de um desmonte ilegal em um local relativamente próximo pode impactar o volume de roubos de veículos em um estado no qual a política de fiscalização e regularização é efetiva. “Sabendo disso, a gente tem buscado compartilhar as boas práticas do estado de São Paulo com outros Detrans, com o Denatran, com estados do Nordeste e do Norte. Tem gente que vem nos visitar aqui, porque quer entender como estamos fazendo”, relata.
Mais que coibir o crime, estruturar o mercado. No fim das contas, combater a comercialização de autopeças ilegais não é apenas uma questão de segurança pública — é também uma tarefa de fortalecimento do ecossistema automotivo. Quando peças de origem duvidosa chegam ao consumidor final, todo o mercado de reposição perde: em credibilidade, em receita, em segurança e em confiança.
A consolidação de um ambiente mais seguro e formal, portanto, passa não apenas pela repressão aos canais ilegais, mas também por políticas que incentivem a adesão às boas práticas. Como conclui a pesquisa de André Mancha, “a política pública bem desenhada tem o poder de alterar os incentivos do crime e isso precisa ser aproveitado pelo poder público”.
É hora, portanto, de transformar diagnósticos em estratégia e experiências bem-sucedidas em políticas estruturantes. A regulação eficaz do desmonte é um passo importante — mas só se tornará uma ferramenta definitiva se for adotada em escala nacional, com fiscalização contínua, colaboração entre esferas de governo e envolvimento ativo da sociedade civil e dos agentes do mercado. Só assim o país poderá, de fato, desmontar a engrenagem que alimenta a pirataria de autopeças.