Por Karim Kramel
Imagine entrar no seu carro e ser automaticamente reconhecido pelo sistema, que ajusta o banco e o ar-condicionado às suas preferências, sugere a melhor rota com base no trânsito em tempo real e alerta sobre a necessidade de manutenção. É o automóvel está coletando seus dados.
Durante o trajeto, você recebe notificações de voz personalizadas, pode interagir por comando de voz com aplicativos de mensagens e música e, ao estacionar, conta com câmeras 360° e sensores inteligentes.
Essas são apenas algumas das funcionalidades dos carros inteligentes — veículos equipados com sensores, câmeras, sistemas de conectividade via internet e integração com smartphones e plataformas em nuvem.
Além de conforto e personalização, esses carros oferecem maior segurança, manutenção preditiva e conveniência, revolucionando a experiência de direção.
Níveis de automação e de coleta e produção de dados
A National Highway Traffic Safety Administration (NHTSA), órgão do Departamento de Transporte dos Estados Unidos da América, classifica os carros inteligentes em cinco diferentes níveis, de acordo com o grau de automação do veículo.
À medida que se progride do Nível 0, em que não há qualquer automação e o condutor exerce controle total, até o Nível 5, no qual o sistema é capaz de conduzir o veículo de forma totalmente autônoma em quaisquer condições, cresce também o volume e a complexidade dos dados pessoais e operacionais coletados.
Medidas necessárias de transparência, privacidade e proteção de dados
Diante desse cenário, é indispensável que as montadoras adotem práticas rigorosas de transparência em relação ao tratamento de dados pessoais, informando de maneira clara, acessível e em linguagem compreensível aos titulares quais dados estão sendo coletados, para quais finalidades e com quem serão eventualmente compartilhados.
Além disso, devem incorporar princípios de privacidade desde a concepção (privacy by design) e proteção de dados por padrão (privacy by default), assegurando que os sistemas embarcados nos veículos sejam desenvolvidos com mecanismos robustos de segurança da informação e de minimização da coleta de dados.
É fundamental, ainda, que os condutores tenham a possibilidade de gerenciar suas preferências de privacidade, incluindo a opção de desativar determinadas funcionalidades que impliquem coleta de seus dados, sempre que tais funcionalidades não sejam essenciais para a segurança ou para o funcionamento básico do veículo.
Essas práticas não só garantem a conformidade com a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD), como também fortalecem a confiança do consumidor em um ambiente de mobilidade cada vez mais digital, conectado e orientado por dados.
A transparência insuficiente das políticas de privacidade das montadoras
Contudo, ao se analisar as políticas de privacidade publicadas nos sites de algumas montadoras que já oferecem veículos inteligentes e conectados no Brasil, percebe-se uma lacuna significativa de informações quanto ao tratamento de dados pessoais decorrente do uso dessas funcionalidades.
Em geral, essas políticas se limitam a descrever práticas relacionadas ao uso dos sites institucionais e eventuais programas de marketing, sem abordar de forma detalhada quais dados são coletados pelo próprio veículo, como esses dados são tratados, com quem são compartilhados e por quanto tempo são armazenados.
Essa falta de transparência mínima impede que os titulares dos dados compreendam plenamente os riscos e impactos relacionados à utilização de carros conectados, em desacordo com os princípios da transparência, da finalidade e da adequação previstos na LGPD.
Conclusão: segurança, conforto e bem-estar aliados com privacidade e proteção de dados
Por certo que a era dos carros inteligentes e conectados chegou para transformar radicalmente a experiência de mobilidade.
No entanto, essa inovação não pode avançar à revelia dos direitos fundamentais à privacidade e à proteção de dados.
À medida que os veículos se tornam verdadeiras extensões digitais do usuário, é imprescindível que as montadoras assumam um compromisso ético e legal com a transparência e o respeito aos titulares de dados. Políticas de privacidade genéricas ou incompletas não condizem mais com o cenário atual, em que o carro é também um sofisticado coletor e processador de informações pessoais.
A LGPD oferece um caminho claro para garantir que a tecnologia atue a serviço do consumidor, e não em detrimento de sua liberdade e segurança. Cabe às empresas do setor automotivo compreender que a confiança digital será cada vez mais um diferencial competitivo e que o respeito à privacidade deve estar no centro dessa nova relação com o motorista. O futuro da mobilidade é conectado, mas deve ser, acima de tudo, transparente e responsável.

Karim Kramel, sócia da DDA, plataforma de Cursos de Direito Digital Aplicado, é advogada especialista em direito compliance e direito digital, com foco em governança de dados pessoais, DPO certificada pela EXIN e IAPP.
*Este texto traz a opinião do autor e não reflete, necessariamente, o posicionamento editorial de Automotive Business
Fonte: Automotive Business