Desde o começo da pandemia, os fabricantes de veículos têm sofrido com o desabastecimento de peças, principalmente de semicondutores. Nesta continuação da matéria de capa da edição de agosto da Revista Balcão Automotivo, a começar por Danilo Fraga, diretor da Fraga Inteligência de Mercado, os consultores entrevistados analisam os impactos.
“A falta de componentes e semicondutores têm afetado globalmente a indústria automobilística. No Brasil, a falta de abastecimento tem impactado negativamente a produção dos principais modelos em vendas no País.
Com o desabastecimento, a produtividade das montadoras reduziu significativamente e, aliado à volatilidade cambial, o custo de produção automotiva disparou no Brasil”, analisa.
Um cenário de custos elevados que também é agravado pela alta nos juros, os maiores desde 2017, e pelo endividamento recorde dos consumidores no Brasil. “Em janeiro de 2021, o endividamento já consumia 63,5% do orçamento familiar no País. O conjunto de variáveis negativas é responsável diretamente pela redução significativa da venda de veículos novos para o mercado interno. A previsão é que em 2026 a indústria automobilística consiga vender 6,5% a menos do que volumes atingidos no ano de 2019”, diz Fraga.
Heloísa Monzani, diretora Geral Brasil/ diretora Regional de Vendas América do Sul da TecAlliance, diz que são muitos os impactos pelo desabastecimento global de peças e componentes, não somente para os fabricantes de veículos, que são os mais afetados, mas também para a indústria da reposição. “No caso das montadoras, o impacto inicial da pandemia foi o fechamento de fábricas com a queda na produção de veículos novos e de modelos que temporariamente não foram produzidos em determinadas versões”.
Ela acrescenta que isto levou ao atraso nos compromissos dos veículos já comprados, tanto para particulares como para frotas e impactou na negociação de preços e no descumprimento dos contratos de vendas. Como também ao aumento em geral nos preços dos veículos novos, causando impacto direto na capacidade de compra da população e o envelhecimento da frota.
“A estratégia das montadoras também mudou, tirando carros populares de produção e investindo nos modelos mais caros, que sofrem mais com a falta de chips e semicondutores. O tíquete médio passou de R$ 80.000,00 no final de 2020 para R$ 140.000,00 na primeira metade de 2022. E a redução do poder de compra, acabou por afastar uma parcela importante do mercado de veículos novos e seminovos. Por outro lado, temos um aumento substancial na ordem de 25% na venda de motocicletas novas. Quem não pode comprar um carro novo ou usado, está migrando para as motos para atender suas necessidades”.
Reposição
Laurent Guerinaud, diretor da GiPA do Brasil, comenta que além do desabastecimento impactar o aftermarket, no caso das concessionárias, os números são ainda mais preocupantes. “O que vem se sobrepor à redução natural do mercado OES, devido à queda dos emplacamentos de veículos novos desde o início da pandemia”.
Diante desta situação, ele diz que as montadoras e suas redes se mostraram muito proativas, multiplicando, com sucesso, os esforços para fidelizar e manter seus clientes. “É o canal que melhor resistiu durante a pandemia, mas a falta de peças nas oficinas das concessionárias, se perdurar, poderia pôr em perigo todos esses esforços”.
Ele explica que o impacto indireto é consequência da queda dos emplacamentos e outro efeito é a repartição do mercado. “A primeira é o alongamento do tempo de posse do carro. O motorista que deixa de trocar de veículo vai dar mais importância à manutenção do carro atual, e isso é muito positivo para o aftermarket no geral. Quanto à repartição do mercado, a falta de emplacamentos pesa muito mais no pós-venda das concessionárias, que atendem os carros recém-vendidos, do que no mercado independente”.
Marco Flores, fundador da 2D Consultores, prevê que o desabastecimento será mais pontual. “O volume de dificuldades de reposição, ainda que real, é muito menos percebido do que foi em 2020 e em 2021. Entendo que a partir deste segundo semestre, os elementos de falta de insumos no segmento de autopeças tenderão a ser cada vez menores”.
E pela interpretação dele, “a falta de peças não tem o poder de afetar o bom desempenho que o segundo semestre terá. Faltas de insumos são cada vez mais pontuais. De janeiro a maio, foram 20 paralisações de fábricas, contudo, a previsão para o segundo semestre será de um impacto menor”.
Movimentos
Na análise de Heloísa, “a frota total brasileira ainda é jovem se comparada com outros países como Alemanha (12 anos de média), o que me surpreende, pois vemos cada dia mais carros velhos circulando. Houve um rejuvenescimento da frota nos últimos 26 anos, mas com o panorama atual, crise global e política no Brasil, não vejo uma normalização da situação de produção e venda de carros antes de 2023 ou 2024”.
Ainda de acordo com ela, “com o empobrecimento da população, altas de juros, aumento de preços, foco das montadoras nos modelos mais caros, desestimulando os carros populares, podemos esperar por um envelhecimento da frota ainda maior nos próximos dois anos”.
Segundo Fraga, “a idade média dos veículos leves no Brasil em 2021 atingiu 10,93 anos e a tendência observada é que o processo de envelhecimento dos carros leves continue até 2026, quando a frota atingirá uma média de idade de 12 anos”, especificou.
Para Guerinaud, o mercado vai se reestruturar em função da proporção maior de carros antigos. “Identificamos que os canais de compra e reparação frequentados pelos motoristas variam muito com a idade do carro.
Os donos de carros mais antigos frequentam mais a oficina independente e a loja de peças, entre outros. Esses canais são entre os favorecidos pelo envelhecimento do parque”.
Em contrapartida, ele diz que outros canais, “como as concessionárias ou oficinas mais especializadas, que atendem donos de carros mais recentes, com poder aquisitivo maior, vão perder espaço no mercado por conta do menor volume de emplacamentos”, finaliza.
Fonte: Balcão Automotivo