“Qualquer associação de classe será tão forte quanto os seus membros queiram fazê-la.”

Pauta do aftermarket hoje se sustenta em três pilares

02/10/2024

Right to Repair/to Connect, inspeção técnica veicular e atuação dos marketplaces são as prioridades do mercado na visão de Luiz Sérgio Alvarenga

Com 35 anos de experiência no setor automotivo, Luiz Sérgio Alvarenga tem sido uma das mais importantes presenças institucionais do aftermarket brasileiro. Protagonista nos mais importantes debates do setor em mais de três décadas, o executivo construiu sólida trajetória no Sindirepa de São Paulo, mas não apenas lá.

Passou por entidades representativas também da distribuição e do varejo, entre outras. Foi um dos responsáveis diretos pelos trabalhos que resultaram na nova norma ABNT para os vendedores de autopeças, além de pioneiro da normalização para os serviços de reparação. Recentemente, anunciou que vai deixar o Sindirepa e, eventualmente, o próprio mercado como liderança – mas vai continuar oferecendo seu valioso conhecimento por meio da Alvarenga Projetos Automotivos, consultoria fundada em 2000.

Em agosto, Luiz Sergio Alvarenga foi entrevistado pelo podcast Diálogo Automotivo, da A.TV, o canal de conteúdo em vídeo do mercado de manutenção de veículos. Além de repassar sua trajetória, falou de conjuntura e tendências do setor. Nas páginas a seguir, apresentamos um resumo da conversa, que durou mais de uma hora e trouxe densas informações. É um convite para que você corra lá no Youtube e assista à íntegra. É imperdível.

Novo Varejo – Qual é a pauta mais importante do mercado hoje?

Sergio Alvarenga – Eu diria que no canal independente as grandes pautas hoje são o Right to Repair, movimento global de direito ao reparo, questões ligadas à tecnologia, de acesso, informações e diagnóstico dos veículos por parte das oficinas, que encontram dificuldade, existe um bloqueio das montadoras – e, mais recentemente, a conectividade, que é um passo mais à frente da tecnologia dos veículos, que torna a informação na nuvem e inviabiliza até o acesso de alguns equipamentos, as informações ficam resguardadas nas montadoras, que têm uma vantagem competitiva no pós-venda. O outro movimento importante é quase a manutenção de uma briga ferrenha, eterna, de resgatar a inspeção técnica veicular, que está prevista no artigo 104 do Código de Trânsito, desde 1997. E o Estado não regulamenta, não inicia, e está claro na lei que é uma obrigação do Estado. E eu diria que, o terceiro pilar, que é um problema contemporâneo, das gerações mais atuais, é o combate ao mercado ilícito em plataformas de marketplace. Esse vai ser o grande vilão porque vem sorrateiramente atacando tanto o canal original quanto o independente. O crime organizado se instalou nas plataformas e você tem peça pirata, peça falsificada, descaminho fiscal, subfaturamento, peça sem o selo do Inmetro compulsório e assim por diante.

Novo Varejo – A complexidade tecnológica dos veículos não para de crescer, e muito rapidamente. A liberação das informações por parte das montadoras basta para que os reparadores possam reparar esses carros?

Sergio Alvarenga – Pela resiliência do setor e conhecendo a cultura brasileira eu acho que eles têm capacidade e aptidão de enfrentar esses desafios, daria um alívio gigantesco. Ele não resolve por completo o todo, eu entendi a sua pergunta, porque impacta numa questão de capacitação também, até o próprio corpo docente você tem dificuldade de formar no Brasil. Existe um programa de avaliação mundial da educação chamado PISA, o Brasil é um dos signatários. Estamos abaixo dos indicadores da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) em matemática, literatura e ciências. Ou seja, o brasileiro não sabe interpretar um texto, às vezes não sabe ler, não sabe fazer uma conta básica. É isso que está se formando para frente e que já estava sendo feito lá atrás, nós estamos sofrendo isso hoje. Então, imagina uma dificuldade básica de educação somada à velocidade da tecnologia que você colocou muito bem. Isso resguar dado que o Brasil ainda tem um delay com os países desenvolvidos. Se tivéssemos a velocidade de Europa e Estados Unidos, seria muito pior. A gente perde um pouco o tom do mundo, mas, ao mesmo tempo, dá um fôlego para o ser humano se adaptar à situação. Hoje você tem uma robotização em massa na indústria automobilística, é só pegar um vídeo do YouTube para ver como é que se monta um carro. Como um ser humano vai mexer num chicote de carro embaixo de um carpete ou de um produto totalmente enrijecido ali? A complexidade é gigantesca. Então, existe uma situação que é o acesso à informação, que resolve uma parte do problema; mas um outro problema ainda é um agravante crônico do país como um todo.

Novo Varejo – Um dos seus legados nesses 35 anos foi ter contribuído com a normalização dos serviços na oficina. Como foi essa conquista para o mercado?

 Sergio Alvarenga – Quando a gente conseguiu ter espaço na ABNT, o setor nem pensava nisso. Era um ambiente da indústria. Eu captei que a gente deveria copiar o modelo da indústria. Primeiro conseguimos o respeito de ter serviços automotivos no meio daquilo tudo. E depois construir normas com um setor que tínhamos que explicar. O pioneirismo ali foi duro, porque você tinha que trazer as oficinas, o setor na mesa, um negócio totalmente distante, porque o canal independente de reposição tem uma peculiaridade. Do ponto de vista da oficina, ele é extremamente técnico, sempre foi. E o resto totalmente comercial. Então, falar de um ambiente técnico, mas do ponto de vista de norma, era um pouco complicado na época. Uma coisa era falar das questões técnicas do carro, outra era transformar uma coisa técnica num documento oficial, uma norma brasileira, acreditada, prevista no Código de Defesa do Consumidor. E eu fui aprendendo ao longo do tempo, foi uma escola. A gente construiu uma série de normas para dar amparo jurídico, de marketing e de relacionamento com a sociedade – mas se passaram 35 anos e o nível de utilização é muito baixo. Essa é a parte frustrante. Você tem o documento, tem a publicação, mas a cadeia de valor não se vale aquilo. O que é uma tristeza, enquanto a montadora dispara na frente. Qualquer situação que tem, ela se vale de uma norma, institucionaliza, vira uma lei, ela trava processos de âmbito até comercial do país, enquanto o setor independente tem baixo uso, baixo conhecimento. E que é pilar para a capacitação que foi falada agora, porque a partir do momento que você tem um Right to Repair, tem que ter uma documentação legal. E a norma pode providenciar tudo isso com padrão, que é outro problema, a gente tem dificuldade de ter padrão nas coisas e isso dificulta.

Novo Varejo – Outro legado é a Lei Alvarenga. Conta essa história…

Sergio Alvarenga – Foi um carinho da diretoria do Sindirepa São Paulo, é uma lei estadual. Fomos abraçados por um parlamentar na época, já falecido, que acolheu e entendeu a necessidade, porque sem o Legislativo você não consegue fazer nada. Construímos um texto que foi bem acolhido, passou por consultas públicas, algumas pessoas divergindo, mas acabou sendo aprovado pela Assembleia Legislativa por unanimidade. O governador da época, era 2014, não promulgou, entendeu que era um assunto de esfera federal. Não era, ele confundiu a situação da profissão mecânico com a empresa mecânica. E a empresa era de esfera estadual, perfeitamente aceitável, tanto que foi publicada em janeiro de 14 essa lei das normas, que chamava ‘normas básicas para oficinas mecânicas’ e uma série de segmentos que cobria, com exceção de funilaria e pintura e retífica. Naquele momento, o entendimento era que quando tem um setor com muita regulamentação, muita lei, você acaba engessando e fica difícil. Só que quando não tem nada, também é muito ruim, porque entra e sai quem quer no mercado, faz o que quer, não tem um regramento mínimo. E a proposta era fazer uma lei inclusiva. A legislação estava balizada em dois pontos: normas ABNT e carga horária de capacitação profissional. A lei inspirou o Estado de Pernambuco, que acabou pegando o mesmo modelo, que foi para todos os Estados onde existem Sindirepas. Então, estava criando um efeito multiplicador interessante.

Novo Varejo – Vamos para o segundo pilar do tripé que você apontou: a inspeção veicular. Eu sei que você recentemente esteve em Brasília para discu tir esse assunto, que é uma exigência da lei também. Você trouxe a inspeção de Brasília?

Sergio Alvarenga – É, lamentavelmente eu não trouxe a inspeção de Brasília. Eu entrei no setor ainda jovem tratando de inspeção técnica veicular na entidade das concessionárias, a atual FENABRAVE. Assessorava o engenheiro Roberto Scaringella, que foi presidente do CONTRAN e secretário municipal de Transportes em São Paulo. E ali comecei a aprender, viajar o mundo. Fui ver como era a inspeção na Europa, nos Estados Unidos, na América Latina. Havia muito interesse no assunto naquele momento – estamos falando da década de 90. E aí a legislação, em 97, acabou confirmando isso no artigo 104, que está em vigor até hoje. Eu acompanhei todas as consultas públicas brasileiras possíveis. Várias resoluções foram publicadas pelo CONTRAN e que exigiam um parceiro técnico internacional; uma empresa nacional, maioria das vezes sendo formada por grandes empreiteiras, incorporadoras, porque elas tinham os terrenos. Então a tecnologia vinha de fora. Foram N consultas públicas, N problemas, N coisas. Eram discussões individualizadas, o Estado tal não concordava, aquilo não andava e tinha que ter um pacto federativo. E acabou não andando, indo e voltando. O único caso de sucesso foi a inspeção de emissões na cidade de São Paulo, porque encontrou uma brecha na lei que permitia, não era de segurança, só emissões. Foi um marco fantástico porque criou uma conscientização na sociedade. Começou, também, a elevar o nível do setor, mais capacitação, mais treinamento, exigia-se muito. Depois, por uma questão política, aquilo finalizou e foi um gap gigantesco. Agora, tive a oportunidade de estar com o presidente do Sincopeças-BR, Ranieri Leitão, em Brasília, na audiência com o ministro dos Transportes, Renan Filho, que nos recebeu e ouviu nossas demandas. O presidente Ranieri tinha acabado de concluir uma cartilha resumida resgatando a inspeção técnica veicular, os impactos na sociedade, custo público, a questão das mortes em idades ativamente econômicas no país. Entregou a cartilha feita brilhantemente pela CNC, a Confederação Nacional do Comércio, ao ministro – estava junto o diretor da Senatran, Secretaria Nacional de Trânsito. Entenderam, colocaram uma série de situações que a gente também não tinha pensado na visão do homem público e a gente captou algumas dificuldades que existiam. Há inúmeras barreiras ainda para que isso aconteça, embora a lei exista. O artigo 104 está na lei, é uma obrigação do Estado, mas não conseguimos encontrar o caminho adequado. Você tem que criar um ambiente inicial de conscientização.

Novo Varejo – Essa questão está de certa forma relacionada à representatividade do aftermarket junto às esferas de poder, algo que a montadora tem. A Aliança do Aftermarket nasceu também com essa missão. A Aliança tem futuro? E uma segunda pergunta: o dono do carro não tem muita clareza sobre o nosso mercado, sobre o estágio de competências que tem a oferecer. Como estabelecer um diálogo com o cliente final?

Sergio Alvarenga – Eu fiz um estudo recente porque fiquei intrigado com o sexto programa automotivo, o Mover. Tive a coragem de ler os seis programas e todos são iguais ao que o Juscelino Kubitschek fez em 1956, quando foi presidente do Brasil. Ele trouxe a indústria automobilística, foi um feito. Agora, os programas seguintes, independente de governo, qualquer um, é um copia e cola de incentivo fiscal. Enquanto o mundo manda uma montadora atender tal requisito para a sociedade e tem penalidades, o Brasil dá benefícios fiscais, por N questões, não vou entrar aqui, mas é o inverso. E tem todo um foco de legislação para a produção, quando se fala em melhorar segurança, é colocar mais tecnologia de segurança, eletrônica, robotizada, informatizada, o carro operar. E aí esquecem da frota para trás, que não tem a mesma tecnologia. Aquela pode continuar matando, mais ou menos isso? A gente olha para frente e não olha o retrovisor. Você estará no teu carro ultramoderno, seguro, e vai vir uma Kombi velha e te matar. Aí quando a gente traz para o campo das instituições, tem dificuldades históricas. Não é que você juntou em uma aliança e amanhã está todo mundo alinhado, perfeito. Não. Todo mundo vem com seus vícios ainda, com suas representatividades e nós estamos no processo de construção. Às vezes não é na nossa geração, você consegue alicerces e lá na frente vai ver algum resultado. Mas só de ver a aliança, que já foi complicada no passado, quando se tentaram várias ações, eu acho que é bacana. O setor se uniu no passado, criou o programa Carro 100%, Caminhão 100%, Moto 100%. Fez trabalhos de campo com a sociedade. Também não conseguiu alavancar ou ter sustentação. Então, basicamente, a Aliança ainda tem um caminho um pouquinho mais longo para atingir o que você falou, ter um lobby muito forte, sadio, porque a montadora se vale de proteções legais muito favoráveis a ela. É só ler o último programa automotivo, dá para entender. Nosso setor não consegue ter um assento, uma participação que possa atender os mais de um milhão de empregos que superam em dez vezes o que a montadora e a rede de funcionárias empregam. Mas é uma questão cultural, filosófica.

Novo Varejo – Para finalizar, o terceiro pilar do tripé que sustenta a pauta do mercado hoje: os marketplaces. Como estão e o que representam para o aftermarket?

Sergio Alvarenga – É uma situação nova, mas já dá para sinalizar algumas questões. Não precisa ser catedrático para entender que você tem um processo de sedução muito rápido no digital. Todo mundo vai lá, clica e compra. Mas uma coisa é comprar linha branca, outra é comprar peça técnica envolvida com segurança, com legislações, com certificações, e multimarcas com N alternativas. E aí você tem, sorrateiramente, algo que seduz, atrai para a plataforma. Quem tinha o contato com o cliente, vai começando a perder. E aí o cliente fica mais comigo. Eu vou aumentando taxas. Então, você está entregando todo o negócio, a tua marca está sendo esquecida porque, eventualmente, um dia, quiçá, acho que vou criar a marca própria. Aí você já era. Então, são coisas que ninguém pensa depois. Pensa agora. Tem que vender. Vende muito, põe lá que vende. Mas você está preparando o terreno para uma coisa complicada na frente. Não que não seja o caminho natural dos negócios, mas quando você tem uma regra mais clara, onde você está pisando, teu investimento fica mais seguro. O problema é quando você não tem regras claras. Tem sinais de mercado que nenhum setor pode reclamar que foi pego de surpresa. O setor de reparação é um exemplo.

Quantas vezes a gente soube que a velocidade média nas grandes capitais ia cair para 50 quilômetros por hora? Se diminui a velocidade, diminui o impacto numa colisão. Há quanto tempo existe radar fotográfico para limitar a velocidade? Há quanto tempo já está se falando de sistemas inteligentes no carro para evitar a colisão? Você não acha que vai diminuir esse tipo de negócio? É evidente que teu negócio está minando, a tecnologia está impedindo aquilo de evoluir. Então, há sinais que são dados e você tem que olhar e replanejar o negócio.

Fonte: Novo Varejo

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