“Qualquer associação de classe será tão forte quanto os seus membros queiram fazê-la.”

Oferta de eletropostos cresce mesmo com o Brasil jogando contra

07/04/2021


Enquanto Europa e EUA estimulam empresas e consumidores, aqui montadoras arcam com 90% da rede. A boa notícia que, ainda assim, o mercado responde bem (ZECA CHAVES, AB)

Os eletropostos vivem hoje um grande paradoxo no Brasil: nunca tantas dificuldades dividiram espaço com tantos sinais positivos. O segmento sofre com o preço alto dos carregadores e com a falta de informação do consumidor, de incentivos públicos e de órgãos reguladores. Por outro lado, a frota eletrificada no País mais que dobra, as recargas triplicam e a venda dos carregadores quadruplicam.

“Há um ano e meio, quando procurávamos um shopping center ou supermercado para instalar um posto de recarga, a gente tinha dificuldade de convencê-los”, relembra Rafael Ugo, diretor de marketing da Volvo Cars. “Queriam saber quem ia pagar, como funcionava. Agora a quantidade de e-mails que eu recebo de gente nos procurando é impressionante.”

Essa percepção é compartilhada por todos que trabalham nesse segmento: a desconfiança que existia antes acabou. Ugo conta que houve uma mudança de mentalidade dos estabelecimentos que querem ter um eletroponto e dos clientes que estão comprando automóveis híbridos e elétricos.

“O carregador em local comercial tem duas vantagens: dá um ar de modernidade, de tecnologia, e ajuda a atrair o público dono desses veículos, que têm maior poder aquisitivo”, conta o diretor da Volvo.

Vale lembrar que o carro elétrico mais barato vendido no Brasil começa em R$ 130 mil (JAC iEV20), mas a maioria deles é composta de modelos premium ou de luxo, com preços normalmente acima de R$ 250 mil (leia a respeito aqui).

Wilson Morais, gerente de produtos de mobilidade da ABB, empresa que fornece soluções de recarga, é outro que sentiu na pele essa mudança de comportamento. “Há dois anos, eu via de um a dois veículos por semana na estação de recarga que temos aqui na frente. Hoje vejo todos os dias e mais de um carro por dia”, comenta Morais.

Os números ligados ao setor comprovam que essas experiências são mais do que uma percepção. “Só em 2019 a venda de novos carregadores quadruplicou”, comenta Morais. E mesmo entre os pontos já instalados também houve um aumento na demanda de uso. “Pudemos perceber dentro da nossa rede de recarga que triplicou o consumo de energia”, estima Rafael Ugo, da Volvo.

A distribuidora de energia EDP também registrou um crescimento semelhante. “O consumo de eletricidade desses carros em janeiro e fevereiro deste ano foi o equivalente ao dos seis meses anteriores”, afirma Nuno Pinto, diretor de mobilidade elétrica e negócios B2C da EDP. “E já tínhamos registrado em 2020 um aumento de 89% do volume de energia consumida em relação ao ano anterior.”

A PEGADINHA DA FROTA BRASILEIRA
Essa maior demanda se deve a dois fatores principais: aumento da frota de veículos eletrificados e a queda no preço dos aparelhos de recarga, que diminuiu cerca de 50% nos últimos dois anos. Quanto à frota, é preciso entender como ela funciona antes de tirar conclusões sobre as estatísticas.

Segundo dados da Associação Brasileira do Veículo Elétrico (ABVE), essa frota cresceu 66,5% em 2020 (subiu de 11.858 unidades para 19.745). Mas há uma pegadinha aí no meio: são considerados eletrificados os veículos híbridos não plug-in (HEV), os híbridos plug-in (PHEV) e veículos elétricos 100% a bateria (BEV).

O problema é que os híbridos não plug-in não podem ser ligados na tomada, pois toda a eletricidade é gerada pelo motor a combustão, que é o caso do campeão de vendas do segmento, Toyota Corolla. Portanto, apenas os PHEV e BEV são responsáveis pelo aumento no consumo de energia e de instalação de aparelhos de recarga. Assim, basta uma rápida consulta às principais marcas para saber que as vendas de veículos ligados na tomada em 2020 mais do que triplicaram, como no caso da Volvo.

Esse cenário tão positivo chega a surpreender se considerarmos que dois aspectos impediram que houvesse um crescimento ainda maior desse mercado. O primeiro foram efeitos negativos na pandemia em 2020, que reduziu tanto a renda dos compradores de veículos quanto a circulação da frota nacional. O segundo é a falta de incentivos para esse setor, juntamente com a ausência de um órgão oficial responsável pelo fomento, normatização e centralização de informações sobre veículos eletrificados e postos de recarga.

NINGUÉM SABE QUANTOS POSTOS EXISTEM
Para se ter ideia de como essa ainda é uma terra de ninguém, fabricantes de veículos e empresas de mobilidade não sabem sequer quantos eletropostos existem de fato no Brasil. Cada uma trabalha com dados da sua base. A ABVE divulga o número de 350 postos públicos, mas muitas empresas trabalham com uma estimativa de 500 e a Volvo afirma que só ela tem 700 (e espera chegar a 1.000 até agosto).

“Há uma total indefinição sobre isso no Brasil. Na prática, existe o PlugShare, que serve de referência”, diz Nuno. O PlugShare é um aplicativo colaborativo que indica onde ficam eletropostos do Brasil e do mundo todo. Ele mostra num mapa sua localização do ponto em relação ao usuário, o horário de funcionamento, o tipo de tomada, as facilidades do local e fotos do estabelecimento.

A falta de benefícios que estimulem esse mercado é considerada hoje como um dos grandes entraves para a expansão da rede de eletropostos, da venda de veículos e do desenvolvimento de novos modelos de negócio das empresas que atuam nesse mercado.

“Nosso maior desafio é a infraestrutura. Para instalar uma rede de eletropostos é necessário um investimento muito grande, que deveria ser feito em conjunto com governo, montadoras e empresas do setor”, avalia Paulo Maisonnave, diretor de mobilidade Enel X, divisão de soluções de mobilidade da Enel.

QUEM BANCA UM CARREGADOR DE MAIS DE R$ 200 MIL?
Enquanto isso não acontece, estima-se que 90% da rede de eletropostos instalada foram criados pelas montadoras, o que tem limitado sua ampliação. E os custos são pesados. Um carregador residencial (chamado de wallbox) custa entre R$ 5 mil a R$ 10 mil e é suficiente para abastecer um veículo elétrico de autonomia de 300 km entre 8 e 12 horas, segundo levantamento da ABB.

Já um eletroposto público de carga rápida (1 a 2 horas para o mesmo veículo) custaria de R$ 50 mil a R$ 60 mil e são mais comuns em shoppings centers, concessionárias e supermercados. Há ainda os pontos de carga ultrarrápida (30 a 60 minutos), que custam mais de R$ 200 mil e costumam ser instalados em rodovias.

Todos que atuam nesse mercado são unânimes ao afirmar que, para essa rede crescer de verdade, dependerá da mão dos governos.

“No início, é necessário que haja incentivos públicos, que exista uma política para o setor. É assim no mundo todo”, comenta Henrique Miranda, diretor de mobilidade e conectividade da BMW.

Seguindo o exemplo dos mercados mais desenvolvidos, o ideal seria trabalhar os benefícios em duas frentes. A primeira mexe diretamente no bolso, com redução ou isenção de imposto de propriedade ou de venda dos veículos eletrificados e em tarifas de pedágio ou travessias em balsa. Nos Estados Unidos, por exemplo, o governo federal dá um desconto de até US$ 7,5 mil no imposto de renda ao comprador, enquanto estados como o da Califórnia oferecem ainda um incentivo extra de U$ 7 mil.

Além do estímulo financeiro, EUA e Europa trabalham benefícios que dão a esses veículos vantagens práticas no dia a dia em relação aos automóveis a combustão. É o caso de vagas de estacionamentos, horários especiais ou áreas de circulação que são exclusivas para veículos com zero emissão de poluentes.

Mas essas vantagens são todas para os proprietários dos automóveis. É necessário, porém, que haja também investimento público para ajudar a desenvolver a infraestrutura de recarga. E isso precisa ser feito tanto pelo poder público diretamente, abrindo seus próprios eletropostos, como indiretamente, ao criar condições para que as empresas sejam estimuladas a ampliar essa rede ao desenvolver modelos de negócio rentáveis que justifiquem tamanho investimento.

Como não há essa regulamentação, ainda não existe uma lógica de cobrança de tarifa pela recarga nos eletropostos públicos, que atualmente é gratuita – a conta, por enquanto, fica a cargo das montadoras, das empresas de energia ou do estabelecimento onde o eletroposto está instalado.

Porém há soluções simples e baratas que já podem dar início a uma política de fomento sem impactar os orçamentos dos governos. Uma delas seria exigir que as empresas que ganhassem novas concessões em rodovias sejam obrigadas a instalar uma rede de eletropostos.

A LEI QUE PODE MUDAR TUDO
Os incentivos públicos que temos no Brasil atualmente ainda são ações muito específicas e pontuais. Carros elétricos não pagam imposto de importação, mas têm um IPI entre 7% e 9%, mais que um modelo 1.0 flex, cuja alíquota é de 7%. Alguns estados não cobram IPVA (leia aqui) e algumas cidades dão certas facilidades, como isenção do rodízio de veículos, caso da capital paulista.

Tudo isso pode mudar, no entanto, se for aprovado o Projeto de Lei 5308/20, que tramita na Câmara dos Deputados. Ele isentaria híbridos e elétricos do IPI e zeraria as alíquotas de PIS e Cofins na sua importação e na receita bruta de venda no mercado interno.

Seria o primeiro passo para que a frota de veículos e a rede de eletropostos seguissem na direção do que vemos em Europa e Estados Unidos. “Os 500 pontos que existem no Brasil hoje são menos do que tem na cidade de Amsterdã, na Holanda. Claramente é muito pouco”, ressalta Henrique Miranda, da BMW.

Apesar das dificuldades, o País pelo menos tem algumas vantagens que favorecem a adesão ao carro elétrico. Ao contrário da Europa, a maioria dos edifícios por aqui têm garagem, o que facilita a instalação de um ponto de recarga residencial.

“É bom lembrar que 95% da recarga é feita em casa ou no trabalho, onde o veículo fica parado mais tempo”, reforça Paulo Maisonnave, da Enel X.

Além disso, é um consenso de que o brasileiro gosta de tecnologia e está sempre aberto a abraçar novos comportamentos de consumo, ao contrário do europeu. “A partir deste ano, todos os carros Volvo vendidos no Brasil serão híbridos ou elétricos. No mundo, só Suécia, Noruega e Uruguai também terão apenas a venda de Volvo eletrificados”, diz Rafael Ugo.

Tudo isso deixa claro que, mesmo sem uma política nacional de estímulo à compra e uso de veículos elétricos, não há dúvida que essa tendência veio para ficar. “Pode ter certeza, esse mercado vai crescer em 2 ou 3 dígitos nos próximos anos”, celebra Henrique Miranda, da BMW.

Veja infográfico no link https://infogram.com/1p1qj1dve73qewumvdyjwexp19f62rzkl2w

Fonte: Automotive Business

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