Por Karin Fuchs
A rápida evolução tecnológica está redefinindo as demandas por capital humano no setor automotivo. Tendências como eletrificação, digitalização, cibersegurança e conectividade veicular estão criando uma lacuna entre as exigências do mercado e a qualificação disponível da mão de obra, conforme o estudo global ‘Panorama Setorial Automotivo 20251′, da Robert Half.
Déficit de competências críticas, atração limitada em funções especializadas, perda de conhecimento técnico devido à aposentadoria de executivos experientes, que pode comprometer a transferência de conhecimento adquirido ao longo de décadas, e a desconexão com as novas gerações são identificados como desafios estruturais, desde a formação técnica até a retenção de talentos. Por outro lado, o estudo destaca oportunidades na requalificação, desenvolvimento organizacional e cultura digital.
Nesta entrevista ao Balcão Automotivo, Caio Rodrigues, gerente da Robert Half, detalha o estudo. Segundo ele, “para atrair talentos estratégicos, as empresas precisam reposicionar sua proposta de valor, mostrando que o automotivo pode, sim, ser um setor moderno, sustentável e repleto de possibilidades desafiadoras para quem deseja escrever parte do futuro da mobilidade”, Confira!

BA – O estudo também considerou a lacuna entre as exigências do mercado e a qualificação de mão de obra disponível da cadeia de suprimentos?
Caio Rodrigues – Sim, o relatório aponta de forma clara essa lacuna, especialmente em áreas críticas como logística, engenharia e compras. Quando analisamos montadoras e fornecedores (dos sistemistas aos Tiers 1, 2 e 3), identificamos deficiências de qualificação em diversos níveis. A logística, por exemplo, sofre com a escassez de motoristas e operadores, mas também de profissionais com domínio de planejamento e tecnologias emergentes.
Um outro estudo da Robert Half, focado no segmento logístico, reforça esse diagnóstico. O avanço tecnológico tem criado novas demandas que ainda não são atendidas pela base atual de talentos. Considerando a forte conexão entre o setor automotivo e o logístico, tanto na distribuição quanto nas cadeias globais, esse desalinhamento afeta diretamente a competitividade e a capacidade de execução das empresas.
BA – Podemos atribuir também a escassez de talentos especializados à falta de qualificação e escolaridade?
CR – Sem dúvidas. Porém, mais do que escolaridade, vejo que o ponto crítico está na velocidade com que o mercado evolui e como os sistemas de ensino são capazes de acompanhar essas transformações. O setor automotivo segue em plena transição, com forte demanda por competências ligadas à eletrificação, conectividade e digitalização. No entanto, muitas formações de ensino tradicional ainda não contemplam inglês técnico, habilidades digitais ou metodologias de inovação.
A consequência disso é a dificuldade em formar profissionais com perfil multidisciplinar, visão sistêmica e domínio técnico, cada vez mais valorizados pela indústria. Por isso, capacitação contínua e requalificação precisam ser encaradas como parte da estratégia de negócios para lidar com esse descompasso entre oferta e demanda.
BA – Podemos traçar um paralelo do Brasil com outros países no quesito profissionais qualificados?
CR – Quando olhamos para países como Alemanha e Japão, por exemplo, percebemos uma integração mais estruturada entre educação e indústria, com forte valorização do ensino técnico e formação prática desde os primeiros estágios da carreira. No Brasil, embora existam boas iniciativas, como o sistema S, ainda falta escala e articulação entre os níveis de ensino e as reais necessidades do setor produtivo.
Outro diferencial está na formação internacional. Em países mais industrializados, é comum que profissionais tenham fluência em outros idiomas e experiências no exterior, o que amplia sua empregabilidade. O Brasil avança em parcerias entre empresas e instituições de ensino, mas ainda precisa consolidar esse modelo de forma mais ampla para reduzir o déficit de mão de obra qualificada.
BA – A falta de atração é um problema que afeta também o setor de reposição automotiva? E quais dicas podemos dar para as empresas posicionarem a sua proposta de valor e atrair talentos?
CR – A indústria automotiva, em todas as suas verticais, sente a necessidade de se posicionar como um setor moderno, inovador e alinhado às pautas de sustentabilidade, propósito e flexibilidade. Para atrair talentos, especialmente os mais jovens, é preciso ir além do pacote tradicional de remuneração e reforçar a proposta de valor empregadora. Hoje, o segmento automotivo compete com diversos outros setores e sente a necessidade de pensar na atração de talentos de uma forma mais holística.
Algumas frentes tendem a ser determinantes, como comunicar propósito e inovação de forma clara; investir em desenvolvimento contínuo e trilhas de carreira estruturadas; destacar benefícios ligados à qualidade de vida e criar experiências digitais já no processo seletivo. Diversidade e inclusão também são pilares que ajudam a ampliar a atratividade e alinhar a cultura organizacional às expectativas das novas gerações.
BA – Para finalizar, teríamos um comparativo com a edição anterior do Panorama Setorial Automotivo para mostrarmos o que mais mudou?
CR – Essa é a primeira edição do nosso Panorama, mas já é possível observar tendências que se consolidaram nos últimos três a cinco anos. Com um aumento claro de negócios sendo desenvolvidos na cadeia, a eletrificação passou a gerar demanda concreta por novos perfis, como engenheiros de software, especialistas em baterias e profissionais com competências híbridas (como IA aplicada à engenharia).
A experiência do consumidor ganhou protagonismo, elevando a procura por perfis de UX/UI, HMI e ciência de dados aplicados à personalização. A lacuna entre exigência e oferta de talentos também ficou mais evidente, assim como a preocupação com a perda de conhecimento técnico pela aposentadoria de profissionais seniores. Isso levou empresas a priorizarem a transferência de know-how e o fortalecimento da marca empregadora, em um movimento evidente para se manterem competitivas ante a setores como tecnologia e energia.
Fonte: Balcão Automotivo