Por Karina Lignelli
Com a redução dos juros, a resiliência do mercado de trabalho e a leve recuperação da confiança do consumidor, as perspectivas de crescimento do varejo até o final de 2023 tiveram ligeira alta em julho ante junho, e devem fechar o ano em 1,7% – recuperação que deve chegar no último trimestre, de acordo com as projeções dos economistas do Instituto de Economia Gastão Vidigal, da Associação Comercial de São Paulo (ACSP).
Mas há desafios pela frente que têm preocupado o setor. Um é a entrada incessante de itens importados abaixo de US$ 50, somada à chegada da gigante chinesa Shein, que deve começar a produzir sob demanda por aqui, concorrendo com quem pratica a mesma faixa de preço. Daí a necessidade de promover a isonomia tributária, para evitar concorrência desleal.
Outro desafio é a possível mudança nas regras do parcelamento sem juros do cartão de crédito. Considerado um instrumento importante de financiamento das classes com menor renda, o temor é de redução do poder de compra desses consumidores – e em consequência das vendas do comércio, já que quem pode pagar essa conta no lugar dos bancos são os lojistas.
A avaliação é dos empresários e economistas que participaram da reunião mensal do comitê de Avaliação de Conjuntura da ACSP, realizada na útima quinta-feira, 31/08. A pedido da ACSP, os nomes dos participantes desse encontro não são divulgados.
Exemplo disso é o segmento de utilidades domésticas que, segundo um empresário do setor, sofre há bastante tempo com a chegada de mercadorias importadas e a forma como se burlam os valores, que pela legislação devem custar até US$ 50 para obter isenção do imposto.
Ele conta que já fizeram testes comprando produtos até com valores maiores que os US$ 50, mas os produtos enviados do exterior sem nota fiscal, ou com preço muito abaixo do valor real que foi pago para não recolher o imposto – na faixa dos US$ 8 ou US$ 12, por exemplo.
“90% do nosso negócio é o varejo físico, e a gente vem sofrendo com sites, marketplaces e sellers de fora que, muitas vezes entregam só com declaração de conteúdo. E não tem como fiscalizar pois vem pelos Correios”, lembrou, dizendo que, se colocar a diferença de impostos como ICMS, PIS, COFINS, pode chegar a 30% do custo. “Assim não tem como concorrer.”
A questão dos importados também têm afetado a indústria têxtil, segundo um empresário do setor, que diz que, por conta das plataformas chinesas, as confecções têm sofrido com estoques altos, empregos em nível de queda e a inadimplência “assustadoramente alta.”
Para baratear custos, o setor tem importado matéria-prima, fio, corante, linha pronta e até acessórios, enquanto “a Shein anuncia produtos a US$ 50 no site”, destaca ele, que sinaliza o mesmo que o varejista. “Custa US$ 300, mas só pode ter nota de US$ 50, então põe US$ 50. Quanto mais perto do início da cadeia de commodities, mais impossível produzir no Brasil.”
Até o setor de embalagens, em geral um termômetro da economia, tem sido afetado, de acordo com um especialista do setor, que citou a entrada de 600 mil pacotes de pequenos volumes no valor abaixo de US$ 50, que chegam diariamente ao Aeroporto Internacional de Guarulhos.
“São produtos comprados em marketplace que, com embalagens de papelão, cartão, plástico, mas tudo o que é consumido não é de embalagem brasileira”, afirmou. “Por isso nesse ano o crescimento consolidado do setor de embalagens será algo em torno de 1%.”
AFETANDO O BOLSO E O CAIXA
No caso da possibilidade de limitar as compras parceladas sem juros, o empresário do segmento de utilidades domésticas lembra que a questão não só afeta o poder do consumidor, mas também o caixa do lojista que coloca qualquer alavancagem que sobra nos bancos.
“Qualquer empresa que tem recurso tomado em banco, e não só antecipação de cartão de crédito, afeta o caixa naturalmente”, explica. “Se você pega alavancagem a 3%, 4% ao ano e mudar a regra do jogo (como a do parcelado), muda tudo. Essa é dificuldade.”
Para quem opera no físico, explicou, ele enxerga a mudança como “pressão dos bancos”, porque se travarem os juros do parcelado, o financiamento, a princípio, ficará para o lojista já que, quando o cliente parcela o cartão na loja, o lojista recebe parcelado também.
“Ninguém aguenta ou tem caixa para isso, por isso se antecipa o cartão e paga a taxa de juros para continuar girando a loja”, disse. “Se tirarem o parcelamento das compras no cartão, vai ser muito ruim porque vai tirar o poder de compra e segurar a economia mais ainda.”
A questão complexa nesse caso, segundo um representante dos bancos, é que o mercado de cartões têm vários agentes: o varejista, o adquirente, os bancos, os emissores e as bandeiras. Mas, na base disso, tem um consumidor que a renda ainda não voltou ao que era antes.
Sem contar a questão da inadimplência, apesar da queda em julho pelo segundo mês consecutivo, puxada pelo programa Desenrola (de 78,5% para 78,1%, segundo a CNC).
Ele explicou que, pelas estatísticas, no caso do rotativo, o atraso acima de 40 dias chega a 49%. Nessa equação, há o varejista que precisa de prazo para poder vender porque a renda não é suficiente para alavancar vendas. Mas quem corre risco de crédito é o banco, disse.
“É um equilíbrio perverso entre o rotativo e a taxa de juros, que, por si só, é indutora de inadimplência. Se não encontrarmos uma solução para isso (como a nova regra do parcelado sem juros), o mercado vai caminhar para uma forte restrição de crédito”, alertou.
Fonte: Diário do Comércio – Foto: Thinkstock